O Brasil é reconhecidamente uma referência no setor de papel e celulose. Os custos de produção das empresas estão entre os menores do mundo. Mais de 30 anos de investimentos em pesquisa genética permitiram que o eucalipto brasileiro fique pronto para o corte em um tempo muito menor do que em outros países. A farta disponibilidade de terras cultiváveis e o clima favorável completam a lista das principais vantagens competitivas do país no setor.
Nada disso, porém, impediu que as empresas tenham um ano extremamente difícil. “Em 2009 vamos cuidar da própria sobrevivência”, diz Elizabeth de Carvalhaes, presidente-executiva da Bracelpa (Associação Brasileira de Celulose e Papel).
O primeiro golpe no setor foi dado pelo dólar. A moeda americana disparou a partir de setembro do ano passado e pegou as principais empresas no contrapé. Apenas a Aracruz tinha feito apostas de altíssimo risco em derivativos, mas a Suzano Papel e Celulose, a VCP e a Klabin também registraram aumento de despesas com dívidas em moeda estrangeira e prejuízos milionários no final do ano passado.
Para proteger os preços, os maiores fabricantes mundiais de celulose anunciaram cortes de produção. Cerca de 2 milhões de toneladas deixaram de ser produzidas no ano passado. Em reunião com analistas da corretora do Santander, Roger Wright, fundador e diretor-gerente da Hawkins Wright Ltd., uma consultoria independente especializada no setor, previu um novo corte de 2 milhões de toneladas no início deste ano.
Apesar disso, o processo de ajuste continua longe do fim. As maiores empresas do setor trabalham hoje com estoques de 50 dias – quando o normal seria de 35 dias. O excesso de oferta derrubou os preços do produto no mercado internacional em quase 50%, segundo a Bracelpa. Após atingir quase 850 dólares no pico de 2008, a tonelada de celulose caiu abaixo de 500 dólares em dezembro, não se recuperou no início deste ano e, mesmo assim, os principais fabricantes têm dado descontos no valor de tabela para escoar a produção. Nem a forte alta do dólar foi suficiente para compensar a queda dos preços.
Em conversa com analistas da corretora do Unibanco, o diretor de relações com investidores da Suzano Papel e Celulose, André Dorf, admitiu que os preços podem cair ainda mais antes de uma recuperação no médio prazo. Já o consultor Roger Wright estudou as últimas recessões e concluiu que em geral os preços de celulose caem entre 10% e 30% e a recuperação dos patamares anteriores leva entre dois e quatro anos. Para ele, não há motivo para que a atual recessão seja diferente.
Para se ajustar aos novos níveis de demanda, a indústria brasileira decidiu postergar os investimentos que ainda não estavam em andamento. A International Paper inaugura neste semestre uma fábrica com capacidade para a produção de 200 mil toneladas de papel por ano no Mato Grosso do Sul. Já a VCP começa a produzir celulose no mesmo estado em uma fábrica com capacidade anual de 1,3 milhão de toneladas. Já os projetos com construção ainda não iniciada foram suspensos. Duas fábricas de celulose no Rio Grande do Sul, uma da VCP e outra da Aracruz, vão atrasar. A Suzano deve decidir nas próximas semanas se adia ou não a ampliação da fábrica em Mucuri (BA).
O setor de papel era tido por analistas como mais resistente à crise. Os fabricantes chegaram até mesmo a reajustar seu preços no quarto trimestre porque são mais dependentes do mercado interno e de países da América Latina, que absorvem mais de 60% das exportações. Esses mercados demoraram um pouco mais para sentir os efeitos da crise, mas neste momento já há sinais claros de efeitos surpreendentes – e ao mesmo tempo, devastadores – sobre a demanda.
No primeiro bimestre, a produção de papéis para imprimir e escrever caiu 26%. O papel-cartão teve queda de 29% e o papel de embalagem, de 10%. Os grandes compradores de embalagens entraram em um processo de redução dos estoques no começo deste ano, derrubando as vendas. Na semana passada, a Klabin anunciou o fechamento de uma fábrica de papel reciclado em Minas Gerais e a demissão de 118 trabalhadores.
Ajuda do governo?
Para minimizar os efeitos da crise, o setor apresentou diversos pleitos ao governo. Com previsão de investimento de 11 bilhões de dólares até 2011, as empresas negociam a isenção de impostos para a construção de novas fábricas como forma de evitar o engavetamento dos projetos. “Essa é a política existente em boa parte dos países competidores. Depois que o dinheiro é investido, o governo pode cobrar impostos sobre a produção”, diz Elizabeth, da Bracelpa.
A associação negocia ainda a ampliação das linhas de crédito para as exportações de commodities e um apoio para o seguro do crédito. O setor exporta quase 500 milhões de dólares por mês, mas boa parte desses recursos demora até 180 dias para entrar no caixa das empresas. Até meados do ano passado, algumas das maiores seguradoras do mundo, como a AIG, dividiam o risco desses pagamentos com as empresas.
Com a crise, no entanto, essas operações foram paralisadas e a agora a Bracelpa defende que os bancos públicos passem a prestar o serviço – evitando pressões sobre o caixa das empresas. “Essa é uma pré-condição para o Brasil manter a posição de quarto maior produtor de celulose do mundo, conquistada no ano passado”, diz Elizabeth.
O setor de papel negocia ainda a ampliação dos programas governamentais de distribuição de livros didáticos em escolas públicas. Também quer que o governo distribua 48 milhões de cadernos para os alunos na volta às aulas em 2010 como forma de ampliar a demanda pelo papel. Como o setor produz embalagens para material de construção, a confirmação do pacote habitacional que prevê a construção de 1 milhão de residências também pode trazer um alívio importante.
Por último, a Bracelpa defende a rápida aprovação da MP 451, que obriga o recadastramento de empresas que importam papel para a produção de livros e jornais com imunidade tributária. A associação diz que 551 mil toneladas de papel importado com imunidade no ano passado não se transformaram em livros e foram vendidos como papel para imprimir ou outros fins. A MP aguarda votação na Câmara e depois ainda precisa ser aprovada pelo Senado, mas o setor também cobra uma fiscalização mais rigorosa da importação de papel pela Receita Federal após sua sanção.
Para a Bracelpa, o setor não voltará a vislumbrar um cenário tão positivo quanto o de 2008 nem que todas essas medidas sejam implementadas. “São medidas de curto prazo para atravessarmos a crise. É um socorro imediato para pararmos de afundar”, afirmou Elizabeth. “Eu, que normalmente sou otimista, admito que será um ano extremamente difícil. As empresas estão cuidando apenas da própria sobrevivência. O que não tiver efeito direto nas vendas está fora da agenda.”
Fonte: Estadão
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