Os números parecem conflitantes. É compreensível. Vêm de fontes diversas, mudam de cidade para cidade e de Estado para Estado, dependendo da ação desenvolvida por empresas estaduais de saneamento ou, em alguns casos, pelas concessionárias privadas que ingressaram na luta. O fato inegável, porém, é que o Brasil não está vencendo a guerra em favor do saneamento, havendo situações em que sequer dispõe de forças minimamente organizadas para evitar recuo constrangedor.
Passados 20 anos para a estruturação de um novo marco regulatório, finalmente, a partir de 2007, o País passou a contar com uma arma decisiva para avançar nessa área: a Lei 11.445, que mostra o caminho das pedras para se alcançar a universalização dos serviços públicos de água e de esgoto. Contudo, uma lei por si só não faz verão.
Há algum tempo, relatório de monitoramento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), registrava que uma das metas previstas – reduzir até 2015 a proporção de pessoas sem acesso permanente a água potável e a esgotamento sanitário – dificilmente poderia ser alcançada pelo Brasil. É que, pelos dados que aquela fonte disponibilizou, quase metade de todos os moradores do campo no País – cerca de 30 milhões de pessoas, correspondentes a 16% da população – ainda recorre a fossas rudimentares; 5,6% depositam seus dejetos em valas e 3,1% deixam que eles escorram diretamente para rios, lagos ou para o mar, enquanto 21% não contam com qualquer opção com esse fim.
Outro organismo, o Instituto Trata Brasil (ITB), divulgou em maio do ano passado o ranking do saneamento brasileiro. Em linhas gerais, ele mostra, em um universo das 81 maiores cidades do País – aquelas com população superior a 300 mil e que concentram 72 milhões de habitantes – que houve um avanço de 11,7% na prestação dos serviços de esgoto e de 4,6% no tratamento. Contudo, o ITB revelou um dado que consideramos traumático para o meio ambiente, em um momento em que se fala tanto da sustentabilidade: é que todos os dias, naquelas cidades pesquisadas, são despejados 5,9 bilhões de litros de esgoto sem qualquer tratamento, contaminando o solo, rios, mananciais e praias.
A corroborar ou a fornecer mais subsídios para a montagem desse cenário, em que o País não consegue conquistar batalhas significativas, está aí um estudo da Fundação SOS Mata Atlântica, com dados reproduzidos em matéria nesta edição, destacando que há 20 anos a poluição dos rios era causada, em sua maior parte, pelas indústrias, metais pesados, produtos químicos e cancerígenos. Hoje, essa poluição é ocasionada por outros fatores: 70% provenientes do esgoto doméstico e 30% do lixo.
No conjunto, o Brasil está levando a pior nessa guerra, tanto nas cidades, quanto no campo. Como resultado da falta de investimentos e de programas continuados para universalização daqueles serviços, a população está sujeita a todo sorte de doenças provenientes da falta de saneamento, tais como diarreias, hepatite A, febres entéricas, esquistossomose, leptospirose, teníase, micoses, conjuntivites e outras mais. Por conta dessa situação, até sete crianças morrem por dia no País.
O mais constrangedor nisso tudo é reconhecer que há soluções para resolver esses problemas seculares. Algumas dessas soluções são as seguintes: a aplicação do marco regulatório (Lei 11.445); a concentração dos esforços das companhias estaduais de saneamento básico na manutenção e ampliação dos programas de obras de abastecimento e de tratamento de esgotos; o incentivo para que os municípios pratiquem os modelos de parceria público-privado disponíveis, explorando a experiência e a agilidade da iniciativa privada nessa área; o emprego de investimentos da ordem de R$ 270 bilhões na universalização dos serviços e a gestão eficiente para a execução de todas as etapas dos programas e obras.
À margem dessas iniciativas possíveis, é interessante chamar a atenção para o recente termo de cooperação assinado pelo Instituto Trata Brasil e pelo Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), por intermédio de seus presidentes, Édison Carlos e João Alberto Viol. Na pauta, a manutenção permanente de canal construído por pesquisadores e técnicos, para levar ao governo federal e aos governos estaduais experiências práticas da área da engenharia em favor de saneamento.
Fonte: Estadão