Tatiana Bertolim
São Paulo, México, Tóquio, Londres e Nova York debruçam-se em projetos para equacionar seus problemas – que são mais graves nas duas primeiras
Acidade de São Paulo acaba de dar a largada num processo para revitalizar três áreas do centro e da Zona Leste. No fim de junho, a prefeitura lançou o edital da licitação que vai escolher as empresas responsáveis pelo desenvolvimento dos planos urbanísticos para as regiões que vão do Brás à Lapa; da Mooca ao Ipiranga; e de Itaquera a São Miguel Paulista. |
Entre os objetivos dessas operações urbanas destacam-se a construção de moradias, a implantação de parques e áreas verdes e o estímulo à atividade econômica local, fomentando a geração de empregos. No radar desses projetos estão problemas bastante familiares aos paulistanos, mas que também fazem parte da realidade de outras metrópoles: trânsito caótico, transporte público deficiente, poluição, falta de segurança e disseminação de bairros cada vez mais distantes do centro e do mercado de trabalho, o que obriga os cidadãos a longos deslocamentos.
Embora tenham perfis bastante diferentes, grandes cidades como São Paulo, México, Tóquio, Londres e Nova York debruçam-se sobre uma questão comum: o espraiamento de suas áreas metropolitanas, o que muitas vezes cria enormes distâncias entre trabalho, moradia e lazer.
“Há uma tendência de redução da densidade urbana nas grandes cidades do mundo e que assume uma forma mais trágica nos países menos desenvolvidos”, observa o economista Martim Smolka, co-diretor do departamento internacional do Lincoln Institute of Land Policy – instituto com sede em Cambridge, Estados Unidos, que se dedica a estudar temas de planejamento urbano. “O que se discute é se a suburbanização dessas cidades é desejável. É melhor ter mais expansão geográfica ou um adensamento maior?”, questiona.
A capital paulista, por exemplo, cresceu mais de 20 vezes em menos de um século, até chegar à sua área atual, 1,5 milhão km², onde vivem mais de 11 milhões de pessoas. Essa dispersão ocorreu de maneira totalmente desequilibrada e o resultado disso é uma brutal exclusão econômica e social. Os mais ricos vivem nos bairros nobres próximos do centro e do mercado de trabalho. Os mais pobres ocupam zonas mais afastadas e muitas vezes precisam viajar durante horas para chegar ao trabalho.
“O principal desafio de São Paulo é resolver o desequilíbrio entre a localização do emprego e da moradia. Há muita habitação em áreas periféricas, inclusive em locais de risco, mas o emprego não está ali”, reconhece o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Miguel Luiz Bucalem.
De acordo com informações do governo estadual, nos bairros mais centrais de São Paulo há mais de dez postos de trabalho para cada habitante. No conjunto da região metropolitana, essa proporção cai para 0,425 emprego por morador. Os números levam a duas constatações: há pouca atividade econômica na periferia e pouca habitação no centro, o que é fácil de enxergar num passeio qualquer de fim de semana pelas ruas – quase sempre desertas – dos bairros mais antigos da cidade.
Segundo Bucalem, as três operações urbanas recém-lançadas pela prefeitura se propõem a começar a atacar o problema. No projeto Lapa-Brás, uma das principais diretrizes é aterrar os trilhos dos trens que cortam essa franja urbana e transformar o espaço ocupado pelas vias férreas num parque com área verde e equipamentos públicos. O propósito é tornar a região mais atraente do ponto de vista residencial e elevar a densidade demográfica dos bairros envolvidos – passando dos atuais 60 habitantes por hectare para algo próximo de 200.
A segunda operação, batizada de Mooca-Vila Carioca, tem como meta encontrar uma nova vocação para a área, que já foi o coração industrial de São Paulo e hoje convive com diversos galpões industriais vazios. Na Zona Leste, o projeto Rio Verde-Jacu tvisareduzir a horizontalização das construções – que tem comprometido a permeabilidade do solo – e induzir a geração de empregos por meio da implantação de um pólo tecnológico.
Em todos os projetos, está prevista a criação de habitações de interesse social. Uma das ideias em discussão é a instalação de prédios em que coexistam apartamentos a preço de mercado e casas financiadas pelo poder público – como já ocorre em outros países.
Segundo Bucalem, é difícil estimar o custo dessas intervenções, mas a ideia é que elas sejam implementadas com o mínimo de recursos públicos. “A proposta é fazê-las com o setor privado, com a venda de potencial construtivo adicional”, afirma.
Projeto Nova Luz emperra
A expectativa é de que os projetos de lei sejam apresentados em 2012, mas não há uma estimativa de prazo para que as operações sejam implementadas. A prefeitura de São Paulo tem enfrentado dificuldades para tirar do papel um programa bem mais pontual, o Projeto Nova Luz. Lançado em 2009, abrange 45 quadras nas imediações da Estação da Luz e prevê a construção de residências, equipamentos públicos e a instalação de escritórios de grandes empresas. No entanto, esbarra na resistência dos poucos habitantes e dos comerciantes que trabalham por ali.
O secretário paulistano, entretanto, minimiza as dificuldades envolvendo os projetos urbanísticos da cidade. “Uma hora é preciso começar”, afirma. A própria secretaria de Desenvolvimento Urbanístico é relativamente nova: foi criada em 2009.
“Cabe ao Estado reverter as expectativas nessas áreas abandonadas. Se todo mundo acreditar que uma determinada área vai ser melhorada, maiores as chances de os proprietários de imóveis ali se engajarem no processo”, observa Martim Smolka, do Lincoln Institute.
Atacar a questão da dispersão das metrópoles é importante, diz o pesquisador, porque ela encerra uma discussão mais profunda sobre os investimentos públicos. A ocupação desordenada da periferia torna mais complexo o sistema de transporte, piora o trânsito e requer mais aportes em infraestrutura. “O custo de recuperar uma área ocupada de forma irregular é de duas a três vezes maior que uma ação preventiva”, diz o pesquisador.
Por isso, acomodar o crescimento d
a cidade sem que ela avance para novos espaços é o objetivo número um do plano urbanístico aprovado em 2008 pela prefeitura de Londres e que tem um horizonte de 20 anos.
Entretanto, não existe uma fórmula única. A cidade de Nova York, que prevê acolher 1 milhão a mais de habitantes até 2030, planeja aumentar a densidade populacional em determinados bairros e reduzi-la nas regiões mais dependentes do uso do automóvel. “Precisamos também criar bairros sustentáveis e acessíveis”, determina o plano lançado pelo município em 2007 e atualizado neste ano. Isso significa ampliar o número de habitações disponíveis, de forma a evitar que se crie uma bolha imobiliária – os Estados Unidos ainda se recuperam de uma grave crise financeira cuja origem remonta a uma escalada nos preços dos imóveis. Com essa finalidade, a prefeitura nova-iorquina construiu ou renovou 64 mil casas ao longo dos últimos quatro anos.
México tenta reduzir
deslocamentos
Também no sentido de melhorar a distribuição de sua população – constituída por 9 milhões somente no município e por 19 milhões em toda a região metropolitana –, a Cidade do México decidiu limitar a existência de zonas unifuncionais. A Lei de Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal, aprovada em 2010, prevê a criação de localidades com diferentes usos do solo. Os objetivos são melhorar o aproveitamento da infraestrutura urbana e reduzir os deslocamentos. Dessa forma, a capital mexicana pretende atacar também seu problema mais grave: a poluição do ar. Atualmente, em dias de inversão térmica, os cidadãos são orientados a não sair de casa, seja para estudar ou trabalhar. “É uma perda de produtividade enorme para a cidade”, destaca Smolka.
Diferentemente do que acontecia algumas décadas atrás, a preocupação com o meio ambiente tornou-se um item central no planejamento urbanístico das principais metrópoles. A ampliação das áreas verdes, a conservação da biodiversidade ainda existente, a adoção de fontes de energia renováveis e de sistemas para melhorar a qualidade da água e do ar são medidas que entraram na agenda das cidades.
Londres estabeleceu como meta reduzir em nada menos que 60% as emissões de dióxido de carbono (CO2) até 2050. A abertura de novos parques e espaços públicos ao ar livre também faz parte do plano para melhorar a qualidade de vida.
Em Nova York, o foco está no consumo de energia dos edifícios – responsáveis por 80% das emissões de CO2 do município. Por isso, a prefeitura criou uma força-tarefa para fomentar o investimento em edifícios verdes e promover adaptações nas construções já existentes, de forma a torná-las mais eficientes no uso de água e energia.
Para incentivar a abertura de espaços verdes, Tóquio encontrou uma solução original: a criação de parques privados. As empresas interessadas em instalar e administrar esses espaços de uso público ganham o direito de construir condomínios e prédios com regras mais brandas.
A questão ambiental também está no radar paulistano. Recentemente, começaram a circular na cidade – ainda em caráter de teste – os primeiros ônibus movidos a etanol ou biodiesel. Ainda não há previsão de quando começa uma adesão mais ampla. Segundo Bucalem, a prefeitura está trabalhando em diretrizes para as áreas de resíduos sólidos, saúde, uso do solo, construção sustentável e energia.
No entanto, falta à capital paulista um sistema de transporte público mais eficiente, que poderia estimular as pessoas a deixar o carro em casa. A cidade tem uma frota de mais de 7 milhões de veículos registrados e frequentemente bate seus próprios recordes de congestionamento. “Não existem alternativas. É preciso investir de forma massiva no transporte coletivo para estimular o uso”, avalia Smolka, do Lincoln Institute.
O economista também defende que a prefeitura aumente o preço relativo do uso do carro. “A cidade é proprietária de grandes áreas onde as pessoas podem estacionar de graça. Em muitas ruas próximas à Avenida Paulista é possível parar sem pagar nada. Não deveria ser assim”, ressalta. “Quanto mais as pessoas usarem o ônibus, mais vai compensar usar o transporte público”, afirma.
Cidades como Londres e Nova York desestimulam o uso do transporte individual cobrando muito caro pelo estacionamento. A capital da Inglaterra arrecada mais dinheiro com estacionamento do que com a cobrança de IPTU.
Na avaliação do secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo, a pressão sobre o trânsito e sobre o sistema de transporte público também vai se reduzir com a adoção do conceito de “cidade compacta”, tal como previsto nas novas operações urbanas. A descentralização da oferta de empregos e a aproximação de trabalho e moradia reduziriam a necessidade de grandes deslocamentos. Segundo Bucalem, esse também é o conceito que permeia o Programa SP 2040, lançado no fim do ano passado com o objetivo de elaborar o planejamento da capital paulista para um período de 30 anos. A proposta é pensar a São Paulo do futuro no que diz respeito à coesão social, mobilidade, meio ambiente, oportunidades de negócios e desenvolvimento sustentável. Nos próximos meses, 500 especialistas serão convidados a responder um questionário sobre esses cinco temas. O passo seguinte prevê a extensão desse debate para toda a sociedade.
O Programa SP 2040 cria uma situação curiosa: enquanto a prefeitura de São Paulo inicia um estudo sobre os próximos 30 anos, a imprensa noticia que o programa de recuperação de viadutos e pontes da capital, ajustado com o Ministério Público, não avançou sequer 10%.
Os muros de contenção do rio Tietê para barrar as enchentes provocadas pelas chuvas não serão executados antes do próximo verão. O plano de desobstrução da rede de drenagem na capital, cujos pontos críticos foram “videografados” por empresas especializadas com um robô que percorreu as tubulações — serviço realizado na administração Marta Suplicy —, está esquecido em algum gabinete da prefeitura.
Transporte nas metrópoles
Cidade |
População
|
Rede do Metrô (em km)
|
São Paulo |
11.324.102
|
70,6
|
México |
8.841.916
|
176,8
|
Nova York |
8.175.133
|
369
|
Londres |
7.825.200
|
402
|
Tóquio |
12.989.000
|
292
|
Fontes: Metrô e prefeituras
|
Fonte: Estadão
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