Apesar do desencontro de interesses dos ministérios, no final do primeiro semestre deste ano o governo Lula resolveu caminhar para a conquista de uma ampla matriz energética, atrás de ações que viabilizem o fornecimento regular de energia ao País, de forma a evitar racionamentos futuros. Ao mesmo tempo em que busca solucionar o impasse para a construção de hidrelétricas, o presidente anunciou a continuidade de Angra 3 e a execução de outras usinas nucleares nos próximos anos. É consenso geral que o Brasil precisa superar problemas como o “apagão” de 2001, que contraiu o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), para 1,3%, e reduziu o ritmo de crescimento da produção industrial – que caiu de 6,6%, em 2000, para 1,5% naquele ano. No início deste ano, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo federal começou a mudar as regras para um jogo que enfrenta grandes desafios: caso a economia brasileira cresça 4% nos próximos anos, segundo estimativa de estudo elaborado pelo Instituto Acende Brasil, o risco de déficit de energia elétrica em 2010 será de 8%. Para romper a inércia do setor de energia, foram anunciados investimentos de R$ 274,8 bilhões, que correspondem a 54,5% do total dos recursos anunciados para o programa. Das 459 ações do PAC, 39% estão em obras. Mas é nos 61% restantes que estão concentradas as maiores obras, como os projetos do Rio Madeira, as hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, que, juntas, vão acrescentar quase 6.500 MW à matriz energética brasileira, com investimentos de mais de R$ 18 bilhões. O projeto, recebeu recentemente licenciamento prévio do Ibama para entrar em leilão. O ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, afirma que o governo deve publicar em breve um decreto classificando o projeto na categoria estruturante. Na prática, isto possibilitará compatibilizar o cronograma de entrada em operação das usinas do Rio Madeira com o modelo de contratação das distribuidoras nos leilões de energia. Outro projeto hidrelétrico tido como prioritária é o de Belo Monte, uma hidrelétrica que terá potência instalada de 5.681 MW e investimentos de R$ 7 bilhões. Ao mesmo tempo em que os três principais projetos de hidreletricidade permanecem à espera de licenças ambientais, foi concluída em maio passado a expansão de Itaipu, que recebeu investimentos estimados em mais de R$ 3 bilhões. A partir de agora, a maior hidrelétrica em operação no mundo passou a operar com uma potência de 14 mil MW, em vez dos 12,6 mil MW de até então. O aumento de capacidade permitirá que 18 unidades geradoras permaneçam funcionando o tempo todo, enquanto duas permanecem em manutenção (hoje, 16 operam enquanto é feita a manutenção periódica de duas).

INCÓGNITA QUANTO AOS RECURSOS

Depois que o governo manifestou a disposição de retomar as obras da usina de Angra 3, paralisadas há 21 anos, ambientalistas mais uma vez se declararam contrários à medida, defendendo o uso de alternativas limpas. No entanto, o Conselho Nacional de Política Energética (Cnpe) recomendou a retomada das obras. A energia nuclear, que hoje representa apenas 1,5% da matriz energética brasileira, poderá aumentar esse percentual a 4% ou 5% em 20 anos. Angra 1 tem capacidade para gerar 657 MW e, Angra 2, 1.350 MW. Com a conclusão de Angra 3, que poderá operar a partir de 2013, serão mais 1.350 MW, resultado de investimentos de R$ 7,2 bilhões. Hubner é de opinião que o fato de Angra 3 estar no mesmo sítio que as outras duas usinas nucleares facilita o processo de aprovação, mas a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, afirma que o projeto deve obedecer aos trâmites legais de licenciamento. Segundo Hubner, Angra 3 é a alternativa de menor custo e não emite gás carbônico e, além disso, o preço que será pago pela energia produzida será dividido pelas distribuidoras de energia que atuam no Brasil. Estudos realizados em 2006 e que indicavam tarifa da energia de Angra 3 em R$ 140 MW/h serão atualizados. Seu valor será definido tendo em conta a construção e também a destinação dos resíduos, que é um dos entraves apontado pelos ambientalistas contrários ao empreendimento. Paralelamente às obras de Angra 3, o Brasil deverá investir outros R$ 600 milhões no sistema de produção de combustível nuclear e no reaparelhamento da estatal Nuclep. O desenvolvimento do ciclo de produção de energia nuclear é o primeiro passo. Embora a tecnologia já exista no Brasil, não é usada em escala industrial pela baixa demanda. Duas das etapas não são ainda dominadas: o enriquecimento do urânio e a sua conversão em gás. De acordo com Odair Dias Gonçalves, presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclar (Cnen), a origem dos recursos necessários ainda é uma incógnita. Sabe-se que o governo tinha idéia de exportar urânio, de forma a financiar o projeto, mas nada foi divulgado de maneira categórica a respeito.

FORTALECIMENTO DAS FONTES ALTERNATIVAS

Quando o assunto são as energias alternativas, a tendência mundial traduz-se em aumento da energia produzida a partir da biomassa e de óleos vegetais, além das energias eólica e solar. Atualmente, as fontes de energias alternativas representam 3,5% da matriz de consumo elétrico. Mas, segundo dados do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia (Proinfa), do Ministério de Minas e Energia, essas fontes irão responder por 10% do consumo brasileiro em menos de uma década. No caso da energia eólica, por exemplo, hoje o Brasil tem aproximadamente 300 MW de capacidade instalada e a previsão é de que até o final de 2008 esse valor suba para 1.400 MW. Outro exemplo está no avanço do setor sucroalcooleiro, que poderia possibilitar o aproveitamento de um significativo potencial para a co-geração de energia. Mas isso não está acontecendo. Dados mostram que as centrais em operação geram apenas 400 MW com a utilização da biomassa da cana-de-açúcar. Entretanto, de acordo com analistas, seria possível, com a atual capacidade instalada, aumentar esse número para 9.000 MW. Outra possibilidade é a intensificação da produção de outras fontes alternativas, como o biodiesel, com as previstas instalações de novas unidades industriais e a aplicação de recursos da ordem de R$ 570 milhões; o etanol, com a implantação de projetos do Corredor de Exportação de Álcool, envolvendo a construção de alcooldutos para exportação do produto; e do HBIO, com a implantação de quatro refinarias da Petrobras no valor de R$ 150 milhões. Biodiesel é um composto feito em usinas próprias, onde o óleo vegetal passa por um processo químico chamado transesterificação, juntamente com etanol ou metanol. Já o HBIO é um processo em que o óleo vegetal é introduzido juntamente com o diesel em uma unidade de

hidrotratamento dentro da própria refinaria. O produto resultante é um diesel de alta pureza e qualidade.

ESCASSEZ DE GÁS NATURAL

Outra preocupação se refere ao déficit na oferta de gás natural. Em 2003, havia sobra de gás, em virtude da não-concretização das metas do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT), que previam a construção de 40 usinas termelétricas a gás. No ano passado, a situação foi diferente: o País teve um déficit de 30 milhões m³/dia. E há no ar ainda a questão da Bolívia. Especialistas acreditam que em 2015 a falta do insumo se intensificará e chegará a mais de 60 milhões m³/dia. A solução pode estar no incremento significativo da oferta de gás natural liquefeito (GNL), que também está contemplado com ações no PAC. Entre as metas, está planejada a produção interna de mais de 71 milhões m3/dia em 2010, contra os atuais 27 milhões, com as construções de gasodutos e de duas plantas de gás natural liquefeito (GNL), cujos investimentos estão orçados em R$ 15,4 bilhões.

Fonte: Estadão