Um capítulo notável da história da infraestrutura foi escrito com a construção das hidrelétricas. Sim, houve a Usina de Marmelos, em Juiz de Fora e, antes de Marmelos, a usina de Ribeirão do Inferno, construída no afluente do mesmo nome, do rio Jequetinhonha, na região de Diamantina (MG). Essa usina nasceu de uma ideia do francês Armand Bovet, que colaborara com o professor Henry Gorceix, na estruturação da Escola de Minas de Ouro Preto. Gorceix fora convidado por D. Pedro II para fundar esse estabelecimento de ensino.
De Marmelos e Ribeirão do Inferno para cá, o Brasil cresceu e não parou de construir usinas hidrelétricas. Até a primeira década do século passado, elas eram iniciativas de pequenos produtores e distribuidores de energia elétrica, mais tarde concentrados na Companhia Brasileira de Energia Elétrica (CBEE), 1909, e na Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL). Depois disso é que houve a participação de dois grupos estrangeiros: o grupo Light, canadense e o American and Foreign Power Company (Amforp), organizado pela Electric Bond and Share.
Histórico da Eletrobras dá conta de que, nos anos 1920, parte das empresas de capital nacional que produziam energia elétrica passaram ao controle daqueles dois grupos estrangeiros: o Grupo Light, que incorporou as empresas de Ataliba Vale, Fonseca Rodrigues e Ramos de Azevedo, formados no interior do Estado de São Paulo, e a American and Foreign Power Company (Amforp), que reuniu, sob o seu domínio, as empresas de Armando de Salles Oliveira e do Grupo Silva Prado, além da CPFL.
Em 1930, a distribuição das atividades do segmento concentravam-se basicamente no eixo Rio de Janeiro (Grupo Light) e São Paulo (Amforp). A atuação da empresa americana irradiava-se também por outras capitais do País. Essa situação prolongar-se-ia até os anos 1960, período em que se assistia ao desenvolvimento da construção de numerosas usinas, cuja capacidade instalada, nas mãos das empresas estrangeiras, era superior às das unidades instaladas por iniciativa das concessionárias nacionais. De 1960 em diante, com a compra, pelo Brasil, da Amforp, a Eletrobras passaria a predominar.
Dentre as empresas estaduais e regionais atuantes no País, contam-se a Centrais Elétricas de Minas Gerais (Cemig), Centrais Elétricas de Goiás (Celg), Central Elétrica de Furnas S. A., Centrais Elétricas de São Paulo (Cesp), Centrais Elétricas do Sul do Brasil (Eletrosul), Espírito Santos Centrais Elétricas, a Eletronorte e a Companhia Hidroelétrica de São Francisco. Esta fora fundada em meados de 1945, no governo do presidente Getúlio Vargas.
A Eletrobras, estruturada com o advento do Ministério de Minas e Energia, viria a assumir o planejamento, o gerenciamento do sistema e o financiamento das empresas públicas de energia elétrica. Ela manteve como principais subsidiárias as empresas Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul e desenvolveu o plano nacional de construção de hidrelétricas, o Plano 95, que se tornaria o instrumento principal de incentivo ao aproveitamento hidrelétrico do País.
Dentre as principais hidrelétricas construídas e inauguradas de 1950 até fins do século passado, estão as seguintes: Usinas da Chesf: A construção das hidrelétricas da Chesf no rio São Francisco começou em 1948 a partir de um projeto desenvolvido pelo engenheiro Otávio Marcondes Ferraz, então diretor técnico da empresa. Esta iniciou suas atividades presidida pelo engenheiro Antônio José Alves de Souza, que ao formar-se na década de 1920, integrara um grupo de técnicos do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, responsável pelos estudos destinado a quantificar o potencial hidráulico do "velho Chico".
O conjunto de estudos – no qual estiveram à frente o engenheiro Milton Vargas e o geólogo Ernesto Picheler, dos quadros do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de São Paulo – recomendou a acomodação da casa de força numa caverna que seria escavada na rocha com 60 metros de comprimento, 16 metros de largura e 30 metros de altura. Nesse espaço seriam instaladas três unidades geradoras de 60 MW. A obra foi inaugurada em 1955 pelo presidente Café Filho, que assumira o poder depois do suicídio do presidente Getúlio Vargas, ocorrido no dia 24 de agosto do ano anterior.
Na esteira da Paulo Afonso I, vieram as obras de Paulo Afonso II, aproveitando a mesma bacia hidráulica e cuja primeira unidade geradora entrou em funcionamento em 1961; as obras da hidrelétrica Paulo Afonso III, com quatro unidades geradoras, cada uma com 216 MW; Moxotó e Paulo Afonso IV.
A construção dessas obras no rio São Francisco teve significado especial para a engenharia brasileira pelo volume de experiências técnicas que cada fase, cada estudo, proporcionou. Um dos problemas ali analisado foi a variação da vazão do rio, que vez ou outra não se mostrava suficiente para acionar as hidrelétricas de modo simultâneo. A construção da barragem de Três Marias, em 1957, pela Cemig, empresa fundada em 1952 pelo então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, contribuiria para a manutenção do equilíbrio da geração da energia nas usinas de Paulo Afonso.
Funil: Esta barragem, construída no período de 1960-1969, no rio Paraíba, em Itatiaia-RJ, constitui algo inusitado até hoje: toda em concreto, em forma de abóbada, com curvatura dupla, tem 85 metros de altura máxima e 385 metros de comprimento.
Projetada pela empresa portuguesa Coba, foi concebida com uma casa de força capaz de abrigar três grupos de turbinas e alternadores com 210 mil kW de capacidade total. Embora em funcionamento desde 1969, essa obra ainda atrai a atenção de técnicos do Brasil e de outros países.
Jupiá/Ilha Solteira: Foi no rio Paraná, no Salto do Urubupungá, que se deu o acontecimento de maior relevo na história da engenharia brasileira: a construção do chamado Complexo de Urubupungá. O aproveitamento da imensa queda d’água resultou originalmente de estudos solicitados pela Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai (CIBPU) à empresa italiana Societá Edson, que no início da década de 1960 apresentou anteprojeto propondo a construção das duas hidrelétricas. Caberia inicialmente à empresa
Centrais Elétricas de Urubupungá (Celusa), criada em 1961 e sob a presidência do engenheiro Francisco Souza Dias, dar andamento àqueles empreendimentos, tarefa assumida, em 1966, pela Centrais Elétricas de São Paulo (Cesp), depois Companhia Energética de São Paulo. O professor Lucas Nogueira Garcez, ex-governador paulista, que presidiu a Cesp, deu ênfase aos trabalhos da empresa em todos os seus desdobramentos. Jupiá seria mais tarde batizada com o nome do engenheiro que lutou muito por sua implantação, Souza Dias.
Na época da Celusa, Souza Dias considerou que obra de tal vulto não poderia deixar de manter à frente da consultoria de projetos e da construção, empresas brasileiras. Foi quando a Themag Engenharia acabou constituída. A si

gla é formada pelas letras do primeiro nome de seus fundadores – Telêmaco Von Langendonch, Henrique Herweg, Eugênio Jusquin, Milton Vargas e Alberto Giaroli.
Ao receber da Construtora Camargo Corrêa o anteprojeto original, a fim de analisá-lo na fase da concorrência para as obras, a Themag apresentou uma solução técnica diferente, que tornava a construção mais simples e com menor custo final. A proposta brasileira previa o vertedouro na margem direita do rio Paraná, no Estado do Mato Grosso, em vez de ficar no leito, como tradicionalmente ocorre. Já a subestação ficaria no teto da usina.
Outras inovações foram introduzidas durante o andamento dos trabalhos: o uso do concreto refrigerado na execução das grandes estruturas; o uso de cabos de alta resistência, de até 310 t, nas estruturas de concreto protendido; o estudo tridimensional por elementos finitos da barragem; o emprego de stop-logs flutuantes etc. Jupiá entrou em operação, em 1969, com 1.551 MW de capacidade instalada.
Ilha Solteira foi uma decorrência de Jupiá. Ali deveriam ser construídas estruturas de concreto tipo contrafortes. Mas a qualidade da rocha local não era satisfatória. Optou-se por estrutura tipo gravidade, que permitiria maior uniformidade de tensões e melhor estabilidade das fundações. A subestação foi instalada em uma plataforma de concreto apoiada sobre pilares.
O desvio do rio constituiu outro toque de genialidade da engenharia: foi realizado pela casa de força, dispensando aberturas provisórias nos vertedouros. Juntas, Ilha Ssolteira e Jupiá injetaram 4,6 milhões de kW no processo de desenvolvimento do País, naquele início dos anos 1970.
Itaipu: Com 12.600 MW de capacidade instalada, este aproveitamento notável do rio Paraná bateu, em 2000, o recorde mundial de produção de energia alcançando o total de 93,4 bilhões de kW/ano. O projeto dessa obra foi desenvolvido pelo consórcio formado pelas empresas International Engineering Company Inc. (Ieco), dos Estados Unidos, e a ELC Eletroconsult Spa, da Itália. O engenheiro hindu Gurmukh Sarkaria resolveu o layout da obra, selecionando o sítio mais adequado para a construção da barragem tipo gravidade aliviada. As obras civis foram colocadas sob a responsabilidade do consórcio Unicon-Conempa, formado por quatro empresas nacionais: Mendes Júnior, CBPO, Camargo Corrêa e Cetenco.
Iniciada ainda sob a égide dos anos 70, Itaipu registrou fases de construção consideradas épicas. Por exemplo: para desviar o extraordinário volume das águas do Paraná, o sétimo maior do mundo, teve de ser construído um novo leito, com 2 quilômetros de extensão e 150 metros de largura, capaz de liberar a caudal depois da detonação de 58 t de explosivos, que em três segundos desmancharam as ensecadeiras.
O conjunto das obras de escavação do canal do desvio, iniciadas no primeiro semestre de 1976, previa a construção de uma estrutura de concreto no canal para sustentar a barragem no trecho. A obra é considerada atualmente como uma das sete maravilhas do mundo moderno, ao lado da ponte Golden Gate, Canal do Panamá, o Eurotúnel, os projetos do Mar do Norte para o controle das águas, na Holanda, o Empire State (Estados Unidos) e a torre da Canadian National, no Canadá.
Tucuruí: Inaugurada em 1984, no rio Tocantins, no Pará, com uma capacidade prevista de 4.200 MW, esta hidrelétrica apresentou grande dificuldade do ponto de vista da logística, por localizar-se em plena selva amazônica. A Eletronorte, companhia regional criada em 1973, começou o empreendimento em 1975. Para dar-lhe suporte, foi preciso planejar e construir uma vila residencial para 50 mil trabalhadores, dois portos, um aeroporto e uma usina termelétrica.
Contudo, construída a primeira fase, a obra perdeu fôlego por falta de recursos e ficou hibernando por quase 20 anos. Com a crise do "apagão" e pressionado pela possibilidade de iminente racionamento de energia – o que afetaria todo o País – o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso apelou para a urgência das obras da segunda fase. Até então as 12 primeiras unidades geradoras vinham funcionando desde novembro de 1984.
Quando da retomada, a Eletronorte observou que o "apagão"não se dera apenas na situação energética; se dera também em seus quadros técnicos, uma vez que faltavam "cérebros" de especialistas para tocar a obra no prazo e com a qualidade que eram exigidas naquele momento. É que muitos dos engenheiros e outros especialistas da primeira fase já haviam deixado a empresa e estavam em outras regiões do País e do mundo, cada um cuidando de sua vida e de sua sobrevivência profissional. Foi necessária a remontagem da equipe a fim de que a segunda fase da usina pudesse ser implementada.
Ao lado dessas hidrelétricas de maior relevo, várias outras foram construídas a partir dos anos 1960. Algumas delas: a usina de Cachoeira Dourada, no rio Paranaíba, com barragem de 2,8 quilômetros de extensão, e casa de força com capacidade de 500 MW; Jaguara, na divisa de Minas e São Paulo, no rio Grande, em cuja construção foram utilizados cabos aéreos para lançamento do concreto; Pedra do Cavalo, no rio Paraguaçu, Bahia, com finalidade múltipla de gerar energia, controlar enchentes e fornecer água para abastecimento e irrigação;
Foz do Areia, no rio Iguaçu, Paraná, com potência instalada de 2500 MW; Segredo, também no rio Iguaçu, com uma barragem de enrocamento com face de concreto de 145 metros de altura máxima; Porto Colômbia e Marimbondo, ambas também no rio Grande, inauguradas em 1975; Itumbiara, com vertedouro para 16 mil m³/s e casa de força para 2.000 MW e, mais recentemente, Serra da
Mesa, no rio Tocantins, que opera interligando o sistema de transmissão Sul/Sudeste e Centro-Oeste com o Norte/Nordeste.
Fonte: Estadão