A notícia de que auditorias técnicas realizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) detectaram superfaturamento da ordem de R$ 3 bilhões em obras de nove aeroportos, e que isso levou a recomendar a paralisação dos serviços atualmente em curso, com graves transtornos e prejuízos diretos para usuários e negócios da aviação do País, remete ao alerta quanto aos gargalos do crescimento brasileiro.
O papel do TCU é encarado como imprescindível. Ele avalia o estágio e os custos das obras levando em conta alguns parâmetros, dentre eles, os dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o Sistema de Custos Rodoviários (Sicro) e o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi). Encontrando distorções, de imediato aciona as medidas que julga cabíveis para frear os abusos e identificar as suas causas. Por conta isso, pode adotar até o embargo das obras.
Foi com base em tais parâmetros, que no ano passado ele fiscalizou 231 obras, majoritariamente rodoviárias, que estavam em andamento em diferentes regiões. Ao final das auditorias, concluiu que 179 delas apresentavam algum tipo de distorção e que, em 77, as irregularidades eram tão graves, que propôs a suspensão de repasses das verbas federais previstos no Orçamento da União de 2008.
Com base em parâmetros semelhantes, o órgão identificou irregularidades nas obras dos seguintes aeroportos: Cumbica e Congonhas em São Paulo; Santos Dumont, no Rio de Janeiro; Juscelino Kubitschek, em Brasília; Macapá, no Amapá; Vitória, no Espírito Santo; aeroporto de Porto Alegre-RS; de Curitiba-PR e Santa Genoveva, em Goiás. Na maior parte dos casos, as auditorias apontaram superfaturamentos que chegam àquela soma considerável. Em outros, identificou restrições no edital, com prejuízo para a competitividade da licitação, além de lacunas na composição dos custos unitários de obras.
A Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) receia que as medidas do tribunal para bloquear as irregularidades nas obras naqueles aeroportos, acabem, de um modo ou de outro, se refletindo no atraso do cronograma dos trabalhos. Se isso ocorrer, a possibilidade de um novo caos aéreo, com influências negativas até para o período da Copa do Mundo de 2014, não está afastada.
No caso em referência volta-se a debater o trabalho do TCU e de outros órgãos tais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e o Ministério Público. O que empresários e estudiosos de problemas de obras públicas discutem, é que às vezes esses órgãos, por falta de instrumentos que permitam bloquear no nascedouro as irregularidades constatadas, acabam recomendando a paralisação de empreendimentos cujos prejuízos têm de ser arcados pela sociedade, ou mais diretamente, pelo bolso do contribuinte.
É inconcebível, segundo os especialistas, que obras planejadas, detalhadas e licitadas, sejam iniciadas, tenham andamento normal e, de repente, quando o cronograma já se encontra na metade ou, às vezes, prestes a ser integralmente cumprido, venham a ser suspensas e fiquem paralisadas durante meses e até anos, com graves prejuízos para a sociedade e para os contribuintes.
O que está se propondo é a garantia de que, na hipótese da constatação de irregularidades na execução de obras, os responsáveis pelos prejuízos sejam imediatamente identificados e compelidos a ressarcir o poder público. Além disso, os instrumentos legais devem conter dispositivos capazes de evitar que gente inescrupulosa continue a driblar a legislação que rege o desenvolvimento de obras públicas, para cometer irregularidades e assaltar os cofres do Tesouro. E que sejam responsabilizados criminalmente e impedidos de participar de licitações futuras, em caráter definitivo.
O assunto é polêmico e suscita as seguintes questões: 1. Acaso o problema induz ao raciocínio de que a Lei de Licitações e Contratos (8.666 promulgada pelo presidente Itamar Franco em junho de 1993) vem requerendo, hoje, aperfeiçoamentos, em razão de defasagens ocasionadas ao longo de 15 anos de vigência?
Ou o problema estaria na própria maneira de atuação ou dos instrumentos de que conta o TCU para desenvolver o seu trabalho?
Além disso, a falta de projetos executivos bem elaborados, apresentados no ato de licitação, não estaria acarretando mudanças significativas durante a execução das obras, o que justificaria a posterior auditoria do TCU? Se, no ato da licitação, esses projetos fossem apresentados completos, detalhados e blindados contra distorções futuras, as auditorias do TCU encontrariam as contas em ordem.
Além da Lei 8.666
A propósito desses questionamentos, o engenheiro Luiz Antônio Messias, vice-presidente do Sinduscon-SP, que há tempos vem examinando e acompanhando os debates em relação aos possíveis aperfeiçoamentos previstos para a Lei de Licitações e Contratos, afirma o seguinte:
“Creio que o problema não esteja na Lei 8.666, apesar de acreditar que ela já mereça algum aperfeiçoamento, depois da experiência acumulada ao longo de sua vigência. Ocorre que existem, hoje, grandes distorções na própria função do TCU, que é um órgão assessor do Legislativo, com poderes para sugerir paralisações de obras e desembolsos, a aprovação ou a desaprovação de prestações de contas e outras medidas. Contudo, ele não é um tribunal jurídico.
Ocorre que ao longo dos anos, o TCU foi ampliando suas atribuições e, com receio das repercussões que as suas manifestações vêm tendo na mídia e no Ministério Público, o Legislativo passa a acatar a maior parte dos pareceres que ele emite, muitas vezes de modo equivocado.
A palavra “superfaturamento” passou a ser utilizada até para carimbar diferenças de preços totalmente justificadas. E são assimilados, pelo tribunal, BDIs padrões, sob o argumento simplista de que tal categoria de BDI não é aceitável, quando a única variável é o B de bonificação, pois o DI é facilmente calculado e aplicado diferentemente para cada obra, dependendo do prazo, local, impostos cobrados, valor do contrato etc.
Acredito que um ponto a ser revisto nesse processo é o que se refere à tabela do Sinapi. Trata-se de uma tabela nacional de referência de preços. Nada mais natural do que haver diferença de custos segundo cada região. São Paulo, um custo e, em outras regiões, outro custo. Tais dados não são uniformes.
Outro ponto que, no meu entender, precisa ser revisto, é o que diz respeito à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que adota o Sinapi como referência. É com esses e nesses limites, que o TCU tem de cumprir a lei.&rdqu
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Falta austeridade na Administração Pública
A discussão em torno da função do TCU à parte, há outros problemas levantados pela sociedade. Um deles se refere à questão da austeridade que o governo precisa exercitar. É que, se ele é omisso, se aceita a inserção de regras em editais que eliminam o caráter competitivo das licitações, incide, no mínimo, em cumplicidade. Da mesma forma, abre o flanco às críticas, quando atua de modo a abrir o amplo guarda-chuva oficial aos parceiros de turno. Na esteira disso vem o nepotismo e a abertura para outros abusos nos gastos com a máquina burocrática. Haja vista o caso recente da transformação da Secretaria Especial de Agricultura e Pesca em Ministério da Pesca.
O impacto inicial dessa mudança contraria o critério que deve presidir a atuação de órgãos públicos. De imediato, a mudança daquela secretaria para ministério prevê alteração significativa na quantidade de funcionários efetivos e cargos de confiança: o número atual de 200 funcionários dobrará para 400. E o orçamento anual, que é da ordem de R$ 250 milhões, pulará para R$ 500 milhões. E, isso, sem levar-se em conta que, ainda este ano, o Executivo federal e outros poderes da União já criaram cerca de 56 mil cargos para servidores públicos.
Fonte: Estadão
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