João Antonio del Nero*

Como atender às exigências crescentes de mobilidade, energia, saneamento básico, comunicação, urbanização, habitação e outras?
A engenharia e a arquitetura têm demandas para esse fim e torna-se difícil a realização de investimentos com qualidade e produtividade dentro dos orçamentos aprovados.
Um exemplo estrangeiro que muito me impressionou foi a ligação Londres/Paris, com o trem de alta velocidade. Acompanhei os estudos detalhados, inclusive um trecho de 600 m construído no Canal da Mancha, instrumentado e analisado por uma universidade inglesa, adotado como modelo para evitar um estouro de preço. Assim mesmo o investimento superou em muito o valor orçado (vamos tomar cuidado com o nosso TVA).
Grandes obras alteram muito a natureza, há uma enorme responsabilidade da engenharia e há dificuldades de toda parte para atingir custos corretos de investimentos.
Todo início de ano, na primeira aula que ministrava no curso de grandes estruturas, na Escola Politécnica, mostrava aos alunos a história de projeto e construções de grandes pontes e grandes barragens e os acidentes ocorridos ao longo da história da Engenharia quando os desafios eram maiores que os conhecimentos. A profissão envolve enormes desafios e domínio de conhecimento.
Pontes como obras de arte, ou seja, solução única para aquele vale, para aquelas encostas, para aquele rio superando seus vãos 500, 600 vezes o tamanho do ser humano, e barragens superando mais de 100 vezes a escala humana em sua altura, com grandes alterações no ambiente natural.
É muito difícil orçar obras de grande porte no Brasil e mesmo em países adiantados, onde é um imperativo o planejamento governamental que facilita os estudos e projetos.
Um projeto de qualidade baseado em levantamentos e ensaios adequados (topográficos, hidrológicos, geológicos e outros) é um elemento fundamental e deve ser elaborado com todos os dados e contemplar estudos de alternativas para escolha do melhor investimento.
Podemos, creio eu, distinguir três tipos de obras de engenharia: obras de grande porte; obras especiais; e obras correntes.
As primeiras devem ser executadas com projeto executivo, fiscalização independente e responsável pelo investimento competente; muitas vezes, por administração direta, pois não existem termos de comparação com outras executadas (muitas pessoas acreditam que é possível estabelecer o preço, por exemplo, com segurança, como se fosse um produto industrializado como 30 milhões de Fuscas).
Obras especiais são aquelas de maior dificuldade, em que há diferentes interfaces a considerar no projeto e construção.
As obras correntes são aquelas em que há grande experiência no meio técnico e há condições de comparação com outras obras concluídas.
Vamos tratar de obras especiais e correntes, que são as mais usuais em concorrências governamentais.
Classifico, no conjunto das obras especiais, aquelas de metrôs e de barragens de porte médio, miniusinas hidrelétricas, centrais térmicas, aeroportos, plataformas fixas e flutuantes para exploração de petróleo, grandes refinarias, túneis subaquáticos, autoestradas especiais (Rodovia dos Imigrantes), indústrias químicas, siderúrgicas, entre outras.
Este tipo de obra deve ser executado com projeto executivo precedido de projeto básico, que deve conter estudo de alternativas e uma coleção de levantamentos adequados. Fixada a alternativa, novos levantamentos complementares serão executados para o desenvolvimento do projeto executivo. A contratação do projeto deve, necessariamente, ser contemplada pela modalidade de melhor técnica.
O projeto executivo deve fornecer as quantidades de serviços, a composição dos preços unitários e o orçamento detalhado com preço final do investimento (faço um parêntese, como exemplo, pois tem sido comparado terraplenagem de pistas de aeroportos com valores praticados pelo Dnit, bem como terminais de aeroportos com preços de edificações praticados em financiamentos da Caixa Econômica Federal).
A concorrência deste tipo de obra deve ser precedida da capacitação do construtor, que terá o projeto executivo à disposição para consulta e assim poderá mostrar sua experiência, o parque de equipamentos, a qualificação do pessoal principal etc. para a natureza do empreendimento.
Após a seleção, os aprovados apresentarão a proposta final, cujo preço não poderá variar mais que 10% acima ou abaixo.
Este processo, desde o projeto até a oferta de construção, pode demandar dois anos, o que contraria a falta de planejamento de nossos governantes, que têm visão imediatista: contratar logo para influir na próxima eleição.
Estas ideias podem parecer “poesia”, mas eu lembro que o Brasil já é a sexta economia do planeta e está na hora de adotar práticas já consagradas em países adiantados.
Outras maneiras também são possíveis, como as com que já trabalhamos em outros países, onde o órgão público define o projeto básico, que é fornecido sem quantidades de serviços mas com especificações rigorosas sobre possíveis materiais e sistemas a serem utilizados e contrata, por preço fechado, o desenvolvimento do projeto, a construção e a montagem. A parceria público-privada deve abrigar esta forma de contratação.
Este sistema pode abreviar os prazos do processo de investimento e, rigorosamente fiscalizado, atingirá os objetivos desejados.
A ideia para contratar obras correntes tratarei, se for o caso, em outro artigo para a revista O Empreiteiro.

*O engenheiro João Antonio del Nero é presidente da Figueiredo Ferraz Consultoria de Projetos S.A.

Fonte: Padrão