Último trecho do Rodoanel Mário Covas tem a obrigação de superar etapas anteriores e se firmar como exemplo de eficiência gerencial e executiva em obra rodoviária. Quanto à vitória das empresas espanholas, mercado adota a postura de “ver para crer”
Guilherme Azevedo
Investimento total: R$ 5,6 bilhões (R$ 3,9 bilhões nas obras e R$ 1,7 bilhão nas desapropriações, reassentamentos e compensações ambientais). Quarenta e sete km de extensão total, cruzando três municípios. 117 obras de arte especiais, recobrindo 22 km. Sete túneis, atravessando 13 km de terra e rocha. Cerca de 10 mil trabalhadores diretos nas frentes e 30 mil trabalhadores no apoio (indiretos). Três mil famílias reassentadas. Quatro mil caminhões em operação. São alguns números orçados e estimados que ajudam a dar a dimensão física e humana do projeto do trecho Norte do Rodoanel Mário Covas (SP-21), cujas obras estão marcadas para começar em março.
O resultado final da licitação foi conhecido no dia 15 de janeiro, e a assinatura dos contratos com os futuros empreiteiros, formalizando o processo, ocorreu no dia 7 deste mês (fevereiro). Sobressai a expressiva participação na obra de construtoras com matriz na Espanha. O projeto está subdividido em seis lotes e há espanhóis em quatro deles: em dois (lotes 1 e 5), em parceria com construtoras brasileiras tradicionais; em outros dois (lotes 4 e 6), sozinhos.
Já há permissão formal para a instalação de canteiros, uma vez que a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB, ligada ao governo paulista) concedeu a primeira licença para os trechos considerados prioridade 1, que abrangem 45% do traçado. Outras licenças, para os trechos qualificados como de prioridade 2 e 3, podem sair ainda no primeiro semestre, liberando obras nas áreas restantes do trecho Norte.
O traçado geral do Rodoanel Mário Covas, que terá 177 km no total. As obras no trecho Norte (em amarelo) devem começar em março
Traçado
O Rodoanel Norte fará a interligação dos trechos Oeste (já construído) e Leste (em construção). A definição de seu traçado foi motivo de embate acalorado e talvez o principal para a demora de uma década e meia, mais ou menos, no avanço do projeto. Foram estudadas por engenheiros e técnicos, ao longos dos anos, oito alternativas de trajeto, para a escolha de uma.
O traçado acolhido tem 44 km de extensão e segue por três municípios: São Paulo, Guarulhos e Arujá. Também estabelece uma ligação rodoviária, de pouco mais de 3 km, com o Aeroporto Internacional de Guarulhos (Cumbica), obra que integra o lote 6. O prazo de conclusão de todo o projeto executivo é de 36 meses. Significa que, se as obras tiverem início efetivamente em março, deverão estar prontas até março de 2016.
O trecho Norte começa na confluência com o trecho Oeste, na Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, antiga estrada Campinas/São Paulo (SP-332). Interligará diretamente (em trevo) com a rodovia Fernão Dias (BR-381, principal conexão rodoviária São Paulo/Belo Horizonte) e com a rodovia Presidente Dutra (BR-116, que une São Paulo e o Rio de Janeiro), onde termina (em trevo). Serão quatro faixas de rolamento no trecho que vai do fim do Rodoanel Oeste até a intersecção com a Fernão Dias (inclusive nos cinco túneis); do trevo com a Fernão Dias até o fim do trecho Norte, na Dutra, o número de faixas diminui para três em cada sentido (inclusive nos dois túneis). Cada faixa de rolamento terá largura constante de 3,6 m, assim como o acostamento, com 3 m de largura. O projeto estabelece refúgio de 1 m e canteiro central com 11 m. Todo o traçado será recoberto de pavimento asfáltico, salvo o interior dos túneis, que terá pavimento de concreto, como item de segurança contra incêndios. Os dois sentidos da via correm paralelos do início ao fim do trecho Norte.
Esquema de construção dos túneis, na maquete eletrônica da Dersa
Conforme o traçado definido, a área dos lotes 1 a 4 está situada praticamente inteira na Zona Norte de São Paulo. O lote 1 (6,42 km), que será construído em conjunto pela Mendes Júnior e a espanhola Isolux Corsán, atravessa os bairros de Taipas, Jardim Ana Rosa, Jardim Vitória Régia, Jardim Damasceno e Jardim Paraná. O lote 2 (4,88 km), de responsabilidade da OAS, segue pelo Jardim Paraná, Jardim Vista Alegre e Jardim Pery. O lote 3 (3,62 km), também vencido pela OAS, se localiza fundamentalmente em área de proteção ambiental da Serra da Cantareira. O lote 4 (9,09 km), que será executado pela espanhola Acciona Infraestructuras, se estende parte pela Zona Norte da capital paulista (Jardim Brasil Novo, Jardim Corisco e Vila Ayrosa) e parte por Guarulhos (Parque Continental e Jardim dos Cardosos). O lote 5 (7,88 km), cuja execução será de responsabilidade da Construcap e da espanhola Copasa, se situa em Guarulhos, nos bairros Parque Primavera, Recreio São Jorge, Vila União e Jardim Bananal. E o último lote, o 6 (11,96 km mais o acesso ao aeroporto de Guarulhos), que será construído pela espanhola Acciona Infraestructuras, segue pelos bairros de Ponte Alta, Jardim São João, Vila Carmela, Vila Rica e Cidade Soberana, em Guarulhos; e Golf Club, em Arujá.
Ocupação humana e preservação ambiental
Mas o que de há de específico nesse trecho do Rodoanel, quando comparado com os demais do projeto? Debruçado sobre o amplo mapa do Rodoanel, desenrolado sobre a mesa comprida de seu escritório, o diretor de engenharia da Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), Pedro da Silva, vai pontuando as diferenças (e as semelhanças). Tem autoridade para isso: é o responsável pelo desenvolvimento, coordenação e gestão de todos os projetos rodoviários da companhia e acompanha o Rodoanel desde a instalação do primeiro canteiro de obras, em 1998, do trecho Oeste, o primeiro a ser concluído, em 2002. Vale lembrar que o projeto básico de todo o Rodoanel, que terá, quando concluído, 177 km de extensão total, é de responsabilidade da Dersa. A companhia respondeu também pela coordenação das obras de construção do Rodoanel Oeste e Sul (obras públicas, cujo empreendedor &eacu
te; o Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo, DER-SP, órgão vinculado ao governo estadual paulista) e exercerá o mesmo papel agora, com as obras do Rodoanel Norte. O trecho Leste é uma obra privada e está sendo construída pela concessionária SPMar, que hoje administra e explora comercialmente o trecho Sul e exercerá a mesma função no Leste.
Pedro da Silva, da Dersa
No memorial de Pedro da Silva, a grande dificuldade de execução do Rodoanel Oeste, que foi entregue em outubro de 2002 e tem um total de 32 km, foi a elevada antropização da área do traçado, isto é, a densa ocupação humana da região por onde passou, como os municípios de Osasco, Cotia e Barueri, na Grande São Paulo. “Tivemos uma dificuldade muito grande de fazer. Depois da faixa de domínio de 130 m, havia casas do lado. Então você passava no meio dos bairros”, recorda o engenheiro. No trecho Sul, concluído em março de 2010 com 57 km de extensão (mais interligação com 4,4 km), o maior obstáculo foi de outra natureza, ou melhor, a própria natureza: a vasta região de mananciais que abastecem com água São Paulo e municípios de sua região metropolitana, entre eles, a represa Billings. “Era uma área de extrema fragilidade ambiental. E fizemos uma obra sem nenhum tipo de problema com as empresas que abastecem a cidade.” O trecho Leste, com 45 km de extensão e conclusão prevista para março do ano que vem, o diretor da Dersa o classifica como misto, pois há áreas densamente habitadas, como Suzano e Itaquaquecetuba, e outras de relevância ambiental, como os vales do rio Tietê e Guaió.
Agora, o trecho Norte: para o engenheiro Pedro, é uma junção das características dos trechos Oeste, de forte ocupação urbana, principalmente na Zona Norte de São Paulo e no município de Guarulhos, e Sul, com aspectos ambientais em relevo, sobretudo na região do parque estadual da Serra da Cantareira, área de proteção ambiental, que o traçado tangencia e atravessa. Daí a opção, que é talvez a principal particularidade deste trecho do Rodoanel, pela travessia por túneis; serão sete, no total, mais do que em qualquer outra seção do empreendimento (veja reportagem nesta edição). “No parque, não se pode causar nenhum dano; e, na área urbana, tem o problema operacional, do ruído, do impacto sobre o trânsito, os caminhões etc. Isso, para nós, vai ser um desafio, porque temos um cronograma a seguir e temos que cumpri-lo”, sublinha o dirigente da Dersa.
A empresa contabiliza a necessidade de remoção de mais de duas mil famílias que vivem sem escritura pública das casas, na Zona Norte da capital paulista, principalmente na região de Taipas, e outras mil em Guarulhos (o número total é estimado hoje em 3,459 mil famílias). Serão ainda desapropriados 2,1 mil imóveis regulares ao longo do trajeto. Equipes de apoio à Dersa estão percorrendo os bairros por onde o Rodoanel Norte passará, visitando imóvel por imóvel, para medir e avaliar suas condições, de modo a elaborar um laudo com valores de indenização. Para as famílias vivendo em áreas irregulares, haverá também a possibilidade de optar por unidade habitacional da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) ou do programa Minha Casa, Minha Vida, informa a Dersa.
A busca por uma gestão eficiente
À parte os obstáculos físicos, ambientais e sociais do empreendimento, um outro tem sempre a possibilidade de se colocar à frente, inviabilizando, não poucas vezes, a própria conclusão da obra, não sem antes sorver milhões (ou até bilhões) de recursos públicos. Na mente de todos ecoam, fantasmagoricamente, as cifras cada vez maiores de obras que nunca terminam, como a transposição das águas do rio São Francisco e a ferrovia Norte-Sul. É a distância abismal que se encontra entre o projeto básico do empreendimento e o projeto executivo dele, que vai descobrindo, no canteiro, coisa que o povo, e também Deus, duvida. E os aditivos ao contrato que se vão multiplicando, sem fim. Culpa do projeto básico, falho e incompleto? Culpa da (má) gestão das obras em execução, incapaz de antecipar problemas e evitar paralisações da frente, pesadelo de todo empreiteiro? Sem desculpa.
Trabalhos de cortes e aterrosno km 87,5 do trecho Leste
Escavações no túnel Santa Luzia (trecho Leste) já chegaram a mais de 2 mil m
O Rodoanel Norte tem tudo para se tornar um modelo para outras obras públicas no País, pelo menos é no que confia o diretor da Dersa e os empreiteiros que zelam por sua reputação. Como argumento, há a experiência dos acertos (e erros) das fases anteriores. Pedro acredita que o grande aprendizado do empreendimento, até aqui, foi o aprimoramento do projeto básico dele. “Nosso nível de conhecimento da informação, do básico para o executivo, hoje está muito próximo. Diminuímos essa divergência.” Ele lembra que, no trecho Oeste, as mudanças imprevistas foram tantas, que os aditivos chegaram a cerca de 80% do valor original. No trecho Sul, segundo Pedro, os aditivos caíram exponencialmente e ficaram em 9% do originalmente contratado. “No trecho Norte, devemos ter 0% de aditivo em função do contratado, que é realmente o sonho de toda grande obra.” O projeto básico de engenharia atual contou com o apoio geral do consórcio consultor Engevix Planservi Rodoanel Norte e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), este nas áreas de geologia e geotecnia, a um custo total de R$ 35 milhões.
A precisão anunciada pela Dersa, se efetivamente alcançada, não significa, contudo, que não haverá surpresas (boas ou más, mais econômicas ou mais dispendiosas) durante a execução. O próprio engenheiro reconhece que, do modo como o processo de licitação é conduzido, hoje, isso é impossível. A solução seria, então, só abrir concorrência com o projeto exec
utivo em mão, com tudo detalhado a fundo? O diretor da Dersa acredita que isso não seja factível, uma vez que, nesses termos, o início de uma grande obra poderia demorar quase indefinidamente e atrasar a entrega de um equipamento necessário à população. De acordo com o engenheiro, haveria o risco, também, de, mesmo com um projeto executivo em mão, que é necessariamente mais custoso que o projeto básico, devido ao nível de detalhe, ao número de sondagens e intervenções na área de interesse, vê-lo reprovado, por exemplo, pelos órgãos ambientais. E todo o investimento seria perdido. Há ainda quem defenda, como o engenheiro Luiz Célio Bottura, presidente da Dersa na década de 1980 e um dos mais respeitados estudiosos/gestores na área de transportes, que se licite apenas pelo critério de desempenho, sem a elaboração de um projeto básico. “Dessa forma, por desempenho, se pode contratar qualquer obra, ferrovia, concessão de estrada. Deixa-se de pôr o governo na responsabilidade de tudo”, valoriza Bottura, ele mesmo reconhecendo o caráter polêmico de sua proposta. O governo apenas indicaria os pontos obrigatórios, os objetivos gerais do empreendimento, para o contratante realizar estudos e encontrar a melhor solução. Fica a sugestão para o debate.
O que parece não haver, pelo menos por ora, são garantias seguras contra o imponderável, mesmo na engenharia. Mas decerto planejamento, responsabilidade e talento reduzem os imprevistos e os riscos, respeitam orçamentos e ajudam a encontrar as soluções mais criativas e eficientes. Não se espera menos da maior obra viária do Pa
Fonte: Padrão
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