Apesar da insatisfação em relação aos investimentos em infraestrutura realizados para a Copa do Mundo, é consenso, no entanto, que em matéria de infraestrutura aeroportuária o legado será mais bem aproveitado pelos usuários.
Os bilionários investimentos são tanto privados quanto públicos, a despeito dos atrasos na entrega das obras na maioria dos aeroportos ainda administrados pelo governo. Por força dos contratos de concessão assinados até 2012 (São Gonçalo do Amarante, Guarulhos, Brasília e Viracopos), estima-se que a iniciativa privada tenha investido cerca de R$ 6,5 bilhões, somadas as construções de novos terminais e ampliações daqueles existentes, bem como em serviços oferecidos aos usuários (empresas aéreas e passageiros). Dessa conta estão excluídos os investimentos a serem feitos nos aeroportos de Confins e Galeão pelo tardio processo de licitação.
Após o Mundial, as obrigações contratuais, sobretudo de investimento, nesses aeroportos não acabam. Além de custos com operação e manutenção do alto padrão de qualidade exigidos pela ANAC, até o termo final dos respectivos contratos, as concessionárias estão obrigadas a realizar ainda mais investimentos. Eles podem decorrer de obrigações contratuais ou dos próprios planos de gestão apresentados pelas operadoras à agência.
Dos três aeroportos do leilão 02/2011, Viracopos é o que ainda realizará intervenções mais relevantes. Ao contrário dos investimentos iniciais cujo cronograma coincidia com a realização da Copa, as novas obras devem ocorrer a partir da demanda que, no modelo adotado pela ANAC, funciona como gatilho para realizar investimentos ainda durante a concessão. Assim, está previsto o início da construção da segunda, terceira e quarta pistas de pouso e decolagem quando a demanda atingir, respectivamente, 178 mil, 351 mil e 456 mil movimentos anuais, além da implantação de RESA (Runway End Safety Area, ou na tradução literal, área de segurança de fim de pista) até 31 de dezembro de 2018.
Para Guarulhos, exige-se ainda o alargamento das pistas de pouso e decolagem, e de rolamento até 31 de dezembro de 2016, bem como a implantação de RESA em prazo igual ao de Viracopos. Já em Brasília, a implantação de RESA é a única exigência de investimentos adicionais após a Copa com prazo igual ao dos demais aeroportos.
Após o megaevento de futebol, os acionistas privados das concessionárias poderão de fato ver seus negócios darem o retorno esperado nos leilões de 2011/2012. Pois, passada a fase das principais obras, os grupos privados poderão começar a movimentar o mercado de fusões e aquisições, embora qualquer alteração da composição societária da concessionária até 2017 somente ser possível com a anuência prévia da ANAC, mesmo que não implique mudança de controle acionário.
Aeroportos regionais
Do total dos recursos públicos utilizados para preparar o Brasil para a Copa, foram investidos em torno de R$ 3 bilhões em aeroportos administrados exclusivamente pela Infraero. Realizadas as contratações e executada a maior parte dos contratos, a pergunta que se coloca é: como ficarão os contratos não concluídos (ou mal-acabados), bem como demais investimentos públicos em infraestrutura aeroportuária regional?
Quanto às falhas, estas devem ser apuradas pela Infraero a fim de identificar quem deu causa aos atrasos (contratante ou contratado) e outros danos (defeito, atraso etc.), respeitando sempre o contrato celebrado entre as partes e a legislação aplicável ao caso concreto.
Se a solução para os problemas com as obras contratadas pela Infraero fica a cargo da estatal, a continuidade desse investimento público dependerá exclusivamente de planejamento da Secretaria de Aviação Civil (SAC). Diferentemente dos aeroportos federais já concedidos cujas melhorias já estão definidas, os aeroportos administrados exclusivamente pela Infraero ou por estados e municípios não têm essa garantia.
Ainda em 2012, a presidente Dilma Rousseff anunciou o “Programa de Investimento em Logística: Aeroportos”, com investimento de R$ 7,3 bilhões no reaparelhamento, reforma e expansão da infraestrutura aeroportuária de 270 aeroportos, promovendo a construção de novos terminais de passageiros, ampliação de pátios de aeronaves, revitalizações de sinalizações e de pavimentos. Com o objetivo de ampliar o acesso da população brasileira à aviação, o governo previu, ainda, política de subsídios no preço das passagens de voos regionais, e programa de isenções tarifárias para os aeroportos com movimentação inferior a 1 milhão de passageiros por ano. Contudo, por enquanto, há apenas declarações de que, ainda em 2014, o governo federal discutirá projeto de lei para criação dos referidos subsídios e publicará de editais de licitação das obras.
Recurso não é o problema para o setor. O Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), criado pela MP nº 527/2011, posteriormente convertida na Lei nº 12.462/2011, recebe recursos de diversas fontes, dentre as quais as outorgas pagas pelas concessionárias dos aeroportos federais, assim como os adicionais tarifários de 35,9% de que tratam a Lei 7.920/1989 e a Lei 9.825/1999. É
; sua obrigação desenvolver e fomentar o setor de aviação civil e de infraestrutura aeroportuária e aeronáutica civil, inclusive em ações que visem a reduzir o tempo de viagem aérea.
O emprego desses recursos será feito por licitação promovida pela SAC ou por instituição financeira pública federal – o Banco do Brasil já será o gestor do fundo e possivelmente realizará as licitações também, que poderão ser regidas pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC).
O RDC, do ponto de vista jurídico, é um dos importantes legados que o Mundial deixará para as contratações de obras públicas. A construção, ampliação e reforma dos aeroportos administrados exclusivamente pela Infraero já foram licitadas pelo RDC, regime instituído pela MP nº 527/2011, como iniciativa do governo federal de propor regime de contratação mais célere que a Lei Geral de Licitações (Lei Federal nº 8.666/1993). O processo (legislativo e político) de conversão na Lei Federal nº 12.462/2011 foi conturbado, entre outros motivos, em razão da urgência com que o governo federal necessitava realizar as contratações.
O RDC é verdadeira alteração na lógica das contratações públicas. Sem dúvida a vasta experiência da Infraero – assim como do Dnit –, sobretudo nos anos que antecederam a Copa, contribuiu para consolidar o regime que possivelmente permanecerá em todos os níveis federativos. Duas são suas principais inovações. A primeira é a já citada celeridade do processo licitatório. A segunda inovação é a possibilidade de a empresa contratada também ser responsável pela elaboração do projeto básico e executivo, com a adoção plena no Brasil do tipo contratual chamado de EPC (engineering procurement contract) para obras públicas. Após a Copa, esse regime já será utilizado na reforma dos aeroportos regionais com recursos do FNAC.
*Patricia Pessôa Valente é advogada da Sampaio Ferraz Advogados.
Fonte: GTA
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