A construção da linha de transmissão da energia produzida em Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira (Rondônia), até Araraquara (SP), vencendo uma distância da ordem de 2.400 km, colocou à prova a capacidade da engenharia para superar adversidades climáticas, topográficas e geológicas

 
Foi uma aventura. O programa previa a construção e instalação de um dos maiores sistemas de transmissão do mundo do ponto de vista da extensão. Com a licença de instalação dos canteiros liberada em junho de 2011 e energização prevista para setembro de 2013, não havia tempo a perder. As coordenadas foram colocadas para as empresas de engenharia contratadas, que trataram de se ajustar ao cronograma, organizar as equipes, prover as máquinas e equipamentos necessários, examinar os meios para atender às limitações da logística e avançar para o campo.
 

Mas não se tratava de um campo qualquer. Na trajetória deveriam ser transpostos quilômetros de selva fechada, rios, extensas áreas alagadas do pantanal mato-grossense, áreas urbanas e outras interferências. Seriam atravessados 82 municípios, antes de se chegar ao destino final.

 

A Linha de Transmissão IE Madeira, construída ao longo daquele traçado, deveria injetar uma capacidade de transmissão de até 6.300 megawatts ao Sistema Integrado Nacional (SIN), escoando a energia daquelas duas usinas hidrelétricas, recém-construídas no rio Madeira, proximidades de Porto Velho (Rondônia), até Araraquara, no interior paulista.

 

O sistema, selecionado em leilão realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), incorpora a tecnologia de transmissão em corrente contínua com tensão nominal de 600 kV (sistema HVDC). No conjunto, foram montadas 4.930 torres: 1.050 autoportantes e 3.870 estaiadas.

 

Engenheiro Francisco Luiz Moura, da Sistema PRI

 

Para se chegar à fase de construção, montagem e operação da linha de transmissão, administrada pelo Consórcio Interligação Elétrica do Madeira, controlada pela Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP) – 51%; Furnas – 24,5% e Chesp  – 24,5% –  a  engenharia precisou superar as adversidades mencionadas. E é isto o que estamos contando, a partir de depoimento do engenheiro Francisco Luiz Moura, diretor da Sistema PRI Engenharia, gerenciadora das obras e também do coordenador do núcleo responsável pelas equipes de fiscalização, Marcelo Pereira Ribeiro.

 

Na prática, a teoria é outra

As dificuldades nessa obra, a exemplo do que costuma acontecer em outros empreendimentos da engenharia, surgiram no momento de sair da teoria para a realidade prática. O traçado não seria uniforme e isento de todo tipo de interferências imprevistas. Havia aldeias indígenas e até comunidades de quilombolas no meio do caminho obrigando a mudanças inevitáveis, sítios a serem analisados por arqueólogos, além da necessidade de cuidados excepcionais, do ponto de vista ambiental. 

 

Nas áreas de mata, conforme explicou o engenheiro Francisco Moura, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) restringiu a abertura da linha em apenas 4 m, a fim de permitir a recomposição mais rápida da flora depois da implantação da linha. Nesses locais, as torres de transmissão foram projetadas para que os cabos ficassem acima da copa das árvores, em altura às vezes superior a 60 m. 

 

 Obviamente a restrição de faixa, para as operações de execução das fundações e montagens das torres, limitou a mobilização de equipamentos de grande porte para içamento das peças.  Tornou-se necessário o uso de helicópteros para o transporte dos equipamentos e montagem manual das torres, empregando-se, nesse trabalho, apenas cordas e roldanas.

 

Marcelo Pereira Ribeiro, coordenador das equipes de fiscalização do projeto

 

Outros obstáculos naturais tiveram de ser superados nas áreas alagadas do pantanal, onde pontes e plataformas de madeira foram improvisados para possibilitar o acesso de operários, técnicos e máquinas para a execução das fundações e das montagens. Nessas áreas as torres foram construídas com até 87 m de altura.

 

A superação de obstáculos naturais incluiu a transposição de seis linhas de transmissão energizadas, paralelas, de 138 kV a 500 kV e já  em operação por outras concessionárias. A travessia sobre essas linhas foi executada com vão de 660 m entre as torres. No conjunto, a linha de transmissão do Madeira transpôs 169 travessias: 56 linhas de transmissão, 96 rodovias e quatro ferrovias, cinco delas nas proximidades de aeroportos, um gasoduto e sete rios e lagos.

 

Limitação de espaço para os trabalhos de execução das fundações e montagem de torres exigiu uso de helicóptero
para transporte de equipamentos

 

 Por causa dos obstáculos apontados e dos limites da logística, o planejamento da obra, liderado pelo gerente do projeto – Anderson Meneses do IE Madeira -, considerou uma divisão, no traçado, de oito trechos com extensões semelhantes (de 300 km a 350 km) a fim de ampliar e facilitar a possibilidade de contratação das empresas construtoras. Em cada trecho, cuidou-se de montar um canteiro principal onde eram armazenadas as ferragens das torres, os cabos e isoladores, dentre outros materiais. Foram instalados 20 canteiros de apoio com ferramentas, equipamentos e máquinas para a distribuição, avançada, de torres e cabos.

 

Para agilizar a instalação dos canteiros ao longo do traçado e ajudar na identificação de obstáculos naturais, seguiam à frente equipes integradas por arqueólogos, geólogos, geógrafos, topógrafos e engenheiros ambientais.  A localização, por exemplo, de um sítio arqueológico ou de espécies vegetais e animais que requeriam cuidados especiais na
travessia, eram analisados e catalogados para possíveis alterações na sequência das obras.

 

Nos canteiros móveis o desenvolvimento das obras se dava considerando a especialização de cada equipe. As atividades de fundações, montagens e lançamento foram planejadas considerando as frentes de trabalho, compostas de equipes especializadas em cada subatividade. Como exemplo dessa iniciativa, havia as equipes de escavação, forma, armação e concretagem das fundações. Da mesma forma, as atividades de montagem das torres foram também subdivididas. Havia equipes para separar as peças, proceder às montagens em solo e fazer o içamento e esticamento (no caso das torres estaiadas).

 

A rigor, era uma ampla linha de produção avançando nas diversas frentes de trabalho, operando para atender os prazos na velocidade programada. As construtoras adotavam providências para manter os suprimentos necessários ao fornecimento das refeições às equipes. E cuidavam também de manter equipes preparadas para socorro médico regular e de emergência.

 

Acesso provisório para execução das fundações em área alagada
 
Foram posicionadas 4.930 torres para atender o Linhão do Madeira

 

A etapa das fundações

Ao longo dos vários trechos foram executadas perto de 5 mil fundações dos mais diversos tipos, adaptadas às condições de cada terreno, considerando-se a viabilidade de acesso e velocidade na execução.  Entre os diversos tipos de fundação adotados incluíram-se aquelas realizadas com sapatas, tubulões, blocos sobre estacas, blocos pré-moldados, blocos ancorados em rocha, estacas helicoidais, estacas-raiz e fundações em áreas alagadas.

 

Em especial nas áreas da região do pantanal, foram previstas fundações pré-moldadas, metálicas ou com estacas-raiz. Contudo, houve casos em que as construtoras optaram pelo emprego de estacas helicoidais. Concluíram que estas, embora exijam cuidados maiores do ponto de vista de ensaios (tanto é que ali houve ensaios de tração em 100% das estacas),  são de execução mais rápida. Os ensaios foram realizados como garantia adicional de que elas efetivamente atenderiam aos esforços de tração previstos.

 

No geral, as fundações das torres para uma linha de transmissão têm um diferencial em relação às adotadas para edificações prediais. Elas precisam considerar que as torres podem alcançar até mais de 80 m de altura e se encontram permanentemente sujeitas à ação e à variação dos ventos, com esforços de tração e compressão nas fundações. Há exemplos, na literatura técnica de obras desse tipo, de torres que chegaram a ser arrancadas “pela raiz” pela força dos ventos. Daí, os cuidados excepcionais, invariavelmente adotados, para prevenir acidentes futuros.

 

Cabeamento especial

Contudo, não é apenas o planejamento prévio para superar adversidades naturais ou o fato do linhão do Madeira ser formado por linhas de 600 kV de tensão, que chama a atenção para as condições técnicas dessa obra. Um dado importante foi a necessidade de uso de cabeamento especial, mais grosso do que o comumente utilizado em linhas de transmissão de 500 kV. Os cabos de alumínio, com 44,25 mm de diâmetro, foram fabricados exclusivamente para esse empreendimento.

 

Os cabos condutores foram produzidos com alumínio sem alma de aço e naquelas dimensões, tendo em vista o lançamento em dois polos com feixes de quatro cabos por polo. A utilização dessa bitola de cabos, apontada como inédita até então no mercado brasileiro, exigiu, em contrapartida, a fabricação de equipamentos especiais de lançamento, como puller, bandolas e freios.  As emendas nos cabos são do tipo pré-formadas para garantir agilidade nos trabalhos. Foram realizadas cerca de 19 mil emendas.

 

Levando-se em conta o volume de trabalho realizado e o padrão de qualidade no conjunto de obra dessa dimensão, pode-se afirmar que a linha de transmissão do Madeira é uma experiência que enriquece as diversas técnicas de construção do sistema, ali empregadas.  É mais uma obra que fica, como legado, na memória da engenharia brasileira. 

 

 

 

Ficha Técnica – Linha Transmissão do Madeira

Valor do contrato: R$ 2,2 bilhões

Extensão: 2.385 km

 

Trechos e construtoras

• Trecho 1A – 340 km – entre Porto Velho (RO) e Presidente Médice (RO) – Construtora Toshiba

• Trecho 1B  – 289 km – entre Presidente Médice (RO)

e Colorado do Oeste (RO) – Construtora Toshiba

• Trecho 1C – 299 km – entre Colorado do Oeste (RO) e Vale de São Domingos (MT) – Construtoras Alusa/Tabocas

• Trecho 2A – 275 km – entre Vale de São Domingos (MT)

e Jangada (MT) – Construtoras Alusa/Tabocas

• Trecho 2B – 285 km – entre Jangada (MT) e São José

do Povo (MT) – Construtora Toshiba

• Trecho 2C – 282 km – entre São José do Povo (MT)

e Serranópolis (GO) – Construtora Schain

• Trecho 3A  – 295 km – entre Serranópolis (GO) e Ouroeste (SP) Construtora Schain

• Trecho 3B – 297 km – entre Ouroeste (SP) e Araraquara (SP) – Construtora Schain

Fonte: Revista O Empreiteiro