A senadora deixa o Senado para assumir o Ministério da Agricultura, mas larga uma bomba de efeito retardado nas mãos de seus colegas do Congresso: o Projeto de Lei 559/13, que revisa a Lei 8.666, promulgada em 1993 pelo então presidente Itamar Franco

Nildo Carlos Oliveira

 

A Lei 8.666/93 é boa. Resulta de um amplo movimento de entidades da engenharia e da construção, que a debateram pelo País afora no começo dos anos 1990, até a sua promulgação. Mas, com o passar do tempo, se desatualizou. Carece de aperfeiçoamentos e adequações. Em razão desses desajustes, ela deixou brechas para a elaboração e aplicação de outro mecanismo de licitações e contratações: o Regime Diferenciado de Contratações, o RDC, usado pelo governo inicialmente para licitar obras na época da Copa do Mundo e, depois, em outras obras, numa clara tentativa de sepultar, como fato consumado, a lei referida.

 

Carlos Eduardo: Aplicaçãoadequada da lei
 

No vácuo deixado, de um lado pela desatualização da 8.666 e, de outro, pela característica mais evidente do RDC (a possibilidade da contratação integrada), a senadora relatou as discussões na Comissão Temporária de Modernização da 8.666, esperando identificar um denominador comum: o resultado foi o PLS 559, considerado sem pé nem cabeça pelas entidades da engenharia que tomaram conhecimento de seu teor.

A Comissão de Obras Públicas (COP), da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), presidida pelo experiente Carlos Eduardo de Lima Jorge, da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop), se colocou na linha de frente dos trabalhos para examinar aperfeiçoamentos na 8.666 e a contribuição que adviria daquele projeto de lei. A partir de parecer do advogado Benedicto Porto Neto, que o estudou exaustivamente para a COP, Carlos Eduardo concluiu ser o projeto da senadora “um verdadeiro retrocesso nas licitações públicas”.

“A questão central para mim”, diz o presidente da COP, “não é tanto a revisão da 8.666, embora ela mereça, sim, certos aperfeiçoamentos e atualizações; mas a aplicação incorreta de aspectos da lei”. E ele cita a má qualidade dos projetos apresentados nas licitações. “Por isso”, assinala, “defendemos que o tema da revisão da lei seja discutido amplamente no Congresso, sem regime de urgência e com a participação das entidades e de todos os segmentos da sociedade interessados”.

 

O destino do PLS 559/13
O projeto de lei da senadora Kátia Abreu prevê algumas mudanças na lei vigente e vai além: pretende substituir a Lei 10.520/2002, que instituiu o pregão eletrônico, e a Lei 12.462/11, que instituiu o RDC. Pretende extinguir as figuras da carta-convite e de tomada de preços e prevê a possibilidade da contratação de obras por técnica e não melhor preço, nos casos em que a qualidade do bem ou serviço seja o dado mais importante.

O parecer do advogado Benedicto Porto Neto vai a minúcias no exame do projeto de lei e, de saída, questiona o que lhe parece confuso e contraditório, no texto, considerando que “a clareza é requisito fundamental em qualquer lei, sobretudo naquela que define o regime jurídico das licitações públicas”.

Ele considera que o PLS não traz avanço algum aos regimes da 8.666 e aos instrumentos do pregão e do RDC. “Ao contrário”, diz o parecer, “representa retrocesso em alguns pontos, tornando ainda mais complexa e difícil a condução de licitações, na medida em que poderá provocar novos litígios. Além disso, e sem oferecer nenhuma vantagem ou contrapartida, aniquilará com a cultura formada em torno, principalmente, da 8.666, construída a partir de debates doutrinários e decisões de nossos tribunais, nos mais de 20 anos de sua vigência”.

E por aí vai a manifestação do advogado, que atenta para a confusão que o PLS pode provocar. Haja vista que o projeto define obras e serviços de engenharia (expressão adotada no art. 77 para identificar as obras e serviços que podem ser contratados por pregão) como aqueles que possam ser definidos por “especificações usuais”.

O parecer sustenta que a 8.666 foi editada com o deliberado propósito de restringir ao máximo o julgamento de propostas apresentadas nas concorrências, com base em critérios técnicos. E estes podem ensejar margem de subjetividade. O PLS segue caminho inverso, na medida em que amplia a possibilidade de adoção do critério de julgamento das propostas com base nos critérios de técnica e preço.

Ao final, o parecer aponta o melhor destino para o projeto de lei da senadora: o descarte puro e simples e integralmente. Cabe ao Congresso, daqui em diante, desarmar essa bomba e livrar-se do imbróglio. O melhor que se pode fazer atualmente, nas licitações públicas, é deixar outros instrumentos, como o RDC, de lado, e se voltar à aplicação, em sua plenitude, da velha e boa 8.666/93, priorizando-se o trabalho da COP, para que ela seja adequadamente aperfeiçoada.

Fonte: Revista O Empreiteiro