Projeto poderá ser executado por meio de PPP. Concluído, deixará paisagem icônica apenas na memória, e na pintura de Pancetti e literatura de Jorge Amado

Nildo Carlos Oliveira

 

Tudo pode acontecer. Afinal, o projeto está pronto. Só faltava, até fins do mês de junho passado, para ser viabilizada a aprovação do contratante. E o presidente de uma das empresas do consórcio projetista, a Enescil, se revelava convencido de que, ainda neste segundo semestre de 2015, o governo da Bahia poderia providenciar a licitação da Parceria Público-Privada (PPP) da construção da ponte Salvador-Itaparica, que deixará em segundo plano a maior ponte até hoje construída no Brasil: a Rio-Niterói.

 

A ideia para a ligação Salvador-Ilha de Itaparica não é de hoje. Na esteira dessa possibilidade, o governo baiano lançou, em 2010, conforme diz o engenheiro Rogério Giglio, da Maia Melo (PE), o Procedimento de Manifestação de Interesse, para os estudos preliminares de viabilidade técnica, ambiental e econômico-financeira e jurídica com vistas à estruturação do projeto e concessão do Sistema Viário Oeste de Salvador (SVO), que incluía a construção da ponte.

 

Mas, esses estudos, segundo o engenheiro Catão Francisco Ribeiro, da Enescil (SP), pecavam pela falta de arrojo. As soluções ali recomendadas não se coadunavam com o que considera “a grandiosidade da obra”.

 

Diante disso, e com base naqueles estudos, o então governador do Estado, Jaques Wagner, resolveu contratar a empresa de consultoria internacional McKinsey & Company, que tem expertise em projetos de desenvolvimento, infraestrutura e financiamento para governo em todo o mundo, a fim de estudar a viabilidade do empreendimento, analisar o projeto segundo a sua magnitude e prever meios para reduzir custos. É que o preço da construção da obra, em valores de hoje, estava orçado em mais de R$ 10 bilhões, o que seria demasiadamente oneroso.

 

Obra de arte especial precisará vencer 12 km de mar aberto
 

O projeto teria de considerar algumas peculiaridades: provocar saudável impacto econômico em Salvador, Itaparica e em outros municípios de sua área de influência; permitir a criação de um novo polo industrial e logístico na região metropolitana; promover a reconfiguração da rodovia BA-001 e melhorias em outras estradas que servem àquela capital e criar os meios para beneficiar mais de 4 milhões de pessoas com investimentos públicos e privados três vezes maiores do que os recursos que poderão ser aplicados nas obras que, se iniciadas este ano, deverão ser concluídas até 2019 ou começo de 2020. Além do projeto da ponte, a Maia Melo elaborou o projeto da reconfiguração da BA-001 e de uma nova rodovia (variante) em Itaparica, com 21 km de extensão.

 

O governo, orientado por aquela consultora internacional, mandou fazer o edital, cuja elaboração teve a participação da Universidade de São Paulo, por intermédio do professor Fernando Stuck. Na licitação do projeto o vencedor foi o consórcio internacional formado pelas empresas Enescil e Maia Melo, do Brasil, e COWI, da Dinamarca, com larga experiência em estruturas desse porte na Escandinávia. Ele apresentara proposta de R$ 22,5 milhões, com deságio de 15,4% em relação ao valor inicialmente estimado.

 

Extensão superaria à da ponte Rio-Niterói

 

A maior ponte brasileira

A maior ponte brasileira, a viabilizar-se via PPP, se inspira em várias outras obras desse tipo no mundo, sobretudo a Rio-Niterói. Esta, incluindo os acessos, alonga-se por 13.290 m sobre a baía de Guanabara. Já a ponte Salvador-Itaparica terá 15 km de comprimento. Contudo, com mais de 40 anos de uso, a Rio-Niterói prossegue como exemplo internacional do ponto de vista de obra de arte bem-acabada, com soluções ainda consideradas inovadoras. E não se trata de uma corrida pela maior extensão da ponte.

 

Há algumas peculiaridades que mostram os diferenciais avaliados entre uma obra e outra. De início, será necessário superar as dificuldades para vencer a extensão de 12 km de mar aberto na Baía de Todos os Santos, apontada como uma das maiores do mundo e a maior do Brasil. Ela espraia-se por mais de 1.200 km² e registra profundidade de mais de 60 m. Enquanto as águas da baía de Guanabara praticamente não se renovam, as da Baía de Todos os Santos se renovam em cerca de 60% ao dia. E, enquanto a maré, lá na Guanabara, é da ordem de 1,5 m, no mar da Bahia ela chega a 3 m de variação.

 

Diferentemente da Rio-Niterói, que tem 26,6 m de largura, a Salvador-Itaparica terá 32,40 m de largura, com tabuleiro único. Ela incluirá uma faixa a mais para o tráfego ida e volta. Será, portanto, maior que a Rio-Niterói em largura, em extensão e no comprimento sobre o mar.

 

Catão Ribeiro informa que ela terá algumas características inovadoras. O tabuleiro será disposto a 125 m acima do nível do mar. Segundo ele, atualmente não há ponte marítima cujo tabuleiro seja tão alto assim. Foi dimensionada com essa altura porque há um estaleiro operando em São Roque do Paraguaçu, que monta plataformas para exploração de petróleo, e que deverão ser movimentadas, ao menos cerca de 40 vezes ao ano, passando sob a ponte.

 

Como construir uma ponte móvel, para atendimento àquelas operações, seria muito oneroso, a solução foi projetar o tabuleiro com aquela altura de vão para navegação, prevendo-se, por conta da grande extensão da obra sobre o mar, suave rampa de subida e descida. Catão afirma que a Salvador-Itaparica será recorde mundial com o maior vão de concreto protendido: 550 m. A Rio-Niterói tem 300 m em seu trecho central.

 

A exemplo do que ocorreu com a Rio-Niterói, a nova ponte empregará equipamento Bade-Wirth para executar as fundações. Só para lembrar: para as fundações da Rio-Niterói foram utilizadas plataformas flutuantes com pernas elevatórias sobre as quais operavam os equipamentos de cravação e escavação, os equipamentos de perfuração tipo Wirth e, os de cravação, que incluíam a entubadeira Bade.

 

Com um tabuleiro de 125 m sobre a linha d’água e com o mastro dos estais com 275 m de altura, a obra de arte especial subverterá a imagem da grande baía. Por isso, é bom preservar na memória o que há, antes que o cenário de hoje só possa ser observado iconograficamente ou nas telas de José Pancetti ou nos romances do mestre Jorge Amado.

Fonte: Redação OE