Esse projeto de construção e monitoramento de um trecho experimental de acostamento no km 166 Pista Sul da rodovia Dutra, em Jacareí, SP, foi executado com 100% de material asfáltico fresado, o qual foi estabilizado com agente rejuvenecedor. O material fresado é um resíduo recorrente da manutenção do pavimento rodoviário, que requer destino adequado e a reciclagem deste material é fundamental para mitigar o consumo de recursos naturais.A boa gestão desse resíduo atende ao critério ambiental do ESG, do inglês Environmental, Social and Governance.
A técnica do material fresado estabilizado com agente rejuvenescedor propõe a utilização de 100% do fresado asfáltico para preenchimento de acostamento e reparos localizados. As etapas deste estudo contemplaram preparação da amostra, análise laboratorial, construção do trecho experimental, monitoramento do mesmo e definir a cadeia de processo dessa técnica. O trecho experimental descrito demonstra ser uma excelente solução ao longo do monitoramento.
O material fresado é um resíduo das atividades de conservação, restauração e demolição de pavimentos asfálticos, que apresenta excelentes características mecânicas para seu reaproveitamento. O fresado pode ser reutilizado puro ou estabilizado com cimento, cal, emulsão asfáltica, ligante asfáltico, dentre outros. Existem no mercado alguns produtos para a estabilização do material fresado chamados de rejuvenescedores. Estes produtos ou aditivos estabilizam o material fresado devido à sua atuação química para rejuvenescer o ligante asfáltico oxidado do fresado. Neste relatório é apresentada a experiência com agente rejuvenescedor.
1.1.1 FRESADO
O fresado utilizado foi oriundo da manutenção do pavimento da Rodovia Presidente Dutra. Algumas características deste fresado:
• Umidade higroscópica de 1% (recomendada até 2%);
• O fresado foi britado e fracionado como mostra a Figura 1, para tentar atingir uma faixa granulométrica.
1.1.2 AGENTE REJUVENESCEDOR
O agente rejuvenescedor é descrito como “High Performance Cold Patch Additive”, ou Aditivo de Elevado Desempenho para Reparos a Frio. Algumas características oferecidas com a utilização do material são:
• Ativação do ligante remanescente do fresado;
• Permite reaproveitar 100% do material fresado;
• Não demanda o emprego de outros aditivos cimentantes; · Não demanda utilização de CAP;
• É misturado a frio (mais sustentável). A Ficha Técnica deste produto está nos Anexos desse artigo técnico.
2 METODOLOGIA
O método empregado no desenvolvimento desta pesquisa foi incialmente a preparação da amostra do material fresado, seguido da análise laboratorial, com os métodos de ensaio de caracterização do material, dosagem e ensaios mecânicos [1 a 12]. As etapas da análise laboratorial são divididas em 3 etapas descritas na Tabela 1. Após a análise laboratorial foi realizada a construção do trecho experimental, através da elaboração do projeto de mistura, britagem e fracionamento do fresado, dosagem e execução da obra. Para verificação do desempenho da mistura foi realizado o monitoramento após dois meses, um ano e três anos da execução.
3 DESENVOLVIMENTO
3.1 PREPARAÇÃO DAS AMOSTRAS Aproximadamente 30 toneladas de material fresado, necessário para construção do trecho experimental foi coletado no depósito do km 158, Pista Norte, Jacareí-SP e transportado para o canteiro de obras da construtora contratada, no km 11 da Ayrton Senna. Uma amostra deste material foi britada no equipamento KLEEMANN, de forma que o material passasse integralmente na peneira de 1 ¼” (31,5 mm). Posteriormente à britagem, a equipe do CPR coletou este material para realizar uma análise laboratorial, conforme apresenta a Figura 2.
3.2 ANÁLISE LABORATORIAL
3.2.1 Caracterização do Fresado Posteriormente à britagem, foi realizada a análise granulométrica do material conforme Tabela 2 e Figura 3. Fração passando na peneira 19mm A partir da granulometria encontrada na caracterização do material fresado decidiu-se caracterizar o material em duas frações, uma passando na peneira de 19 mm e retida na peneira 9,5 mm, e outra o material passando na peneira 9,5 mm, de forma independente. Em ambas as frações granulométricas foram determinados os teores de ligante asfáltico, como apresenta a Tabela 3. Tabela 3. Teor de ligante asfáltico nas frações de fresado A partir da análise granulométrica decidiu-se fazer a composição da mistura na seguinte proporção, 55% de material retido na peneira 9,5mm e 45% de material passante na peneira 9,5mm.
Os resultados da mistura obtida são apresentados na Tabela 4 e a Figura 4 mostra a composição granulométrica da mistura obtida. 3.2.2 Dosagem e Ensaio Mecânico Devido à falta de metodologia de dosagem com a utilização de agente rejuvenescedor em material fresado, o laboratório da CCR elaborou um procedimento para verificar as propriedades da mistura. No material fresado foi adicionado o agente rejuvenescedor e aguardou-se um período de armazenamento em laboratório durante 24 horas, para que o rejuvenescedor pudesse ativar o ligante asfáltico oxidado do fresado. Posteriormente foram moldados os corpos de prova para a compactação Marshall, com 75 golpes por face, e estes corpos de prova foram curados durante três dias em estufa ventilada na temperatura de 40°C. Posteriormente, os corpos de prova foram curados durante 24 horas na temperatura de 25°C em duas condições, uma seca e outra saturada. A seguir, estes corpos de prova foram rompidos por compressão diametral para determinação da resistência à tração por compressão diametral (RT).
Os testes foram realizados com 1,5% de agente rejuvenescedor, com a cura de 1, 3 e 7 dias. Os resultados laboratoriais demonstraram que os vazios de ar encontrados foram elevados (Figura 5), por esse motivo, foi recomendado o uso de 1,8% de agente rejuvenescedor em massa de RAP. 3.2.3 Ensaio Mecânico De forma complementar a construtora coletou material estabilizado no laboratório do Centro de Pesquisas Rodoviárias (CPR), e encaminhou ao Laboratório de Tecnologia de Pavimentação (LTP) da EP-USP, para realização do ensaio de afundamento de trilha de roda com simulador Francês. Conforme a Figura 7 ilustra, os corpos de prova apresentaram deformação superior a 15% após 100 ciclos de ensaio. Usualmente misturas asfálticas usinadas à quente com boa resistência à deformação permanente apresentam deformação inferior a 5% após 30.000 ciclos de ensaio.
Os resultados demonstram a necessidade de estudos referentes ao tempo de espera da compactação à liberação ao tráfego.
3.3 CONSTRUÇÃO DO TRECHO EXPERIMENTAL EM ACOSTAMENTO
Os resultados laboratoriais não foram muito satisfatórios como foi visto no item anterior, no entanto, considerando que este produto é novo no meio rodoviário, ainda não existem ensaios ou procedimentos laboratoriais que simulem adequadamente o seu poder estabilizante ao longo do tempo.
Entretanto optou-se por utilizar este aditivo na estabilização do fresado para a construção de uma pista experimental em acostamento na Rodovia Presidente Dutra, para avaliar seu desempenho em escala real.
Em 2018, conforme o programa de manutenção dos pavimentos da concessionária, o km 166, Pista Sul, Jacareí-SP, foi escolhido como trecho teste, pois previa a aplicação de camada de 4 cm reforço estrutural no segmento do 166+530 ao 166+620, em toda a plataforma da Rodovia, cujo acostamento poderia receber a solução com material fresado estabilizado com agente rejuvenescedor em segmento de 90,00 m x 3,00 m x 0,40 m, como preenchimento do degrau entre a faixa de rolamento e o acostamento.
3.3.1 Projeto
3.3.2 Britagem e Fracionamento do Fresado O material fresado disponível para a construção do trecho experimental foi britado e fracionado na KLEEMANN conforme definições laboratoriais, como mostra a Figura 9. 3.3.3 Dosagem O material fresado foi misturado com 1,8% de agente rejuvenescedor no equipamento WIRTGEN KMA-220 da construtora, com tempo de mistura de 20 a 30 segundos e a mistura ficou coberta com lona por 3 dias, como ilustra a Figura 10.
3.3.4 Obras A obra foi executada na madrugada do dia 13/12/2018. Esse trecho recebeu, previamente na mesma noite, reforço de 4cm nas faixas de tráfego 1 e 2, com mistura asfáltica usinada à quente convencional. O acostamento foi executado com o fresado estabilizado com 1,8% do agente rejuvenescedor utilizando os mesmos equipamentos de pavimentação, como ilustra a Figura 11. Na compactação do fresado com agente rejuvenescedor observou certa dificuldade, já que inicialmente foi aplicado o mesmo padrão utilizado para a mistura asfáltica usinada a quente, que consistia em uma passagem de rolo chapa lisa, seguida pelo adensamento com o rolo de pneus, e finalização com rolo chapa lisa (Figura 12). Observou-se que a mistura fresada estabilizada começou a se deslocar verticalmente com o passo dos rolos compactadores, e conforme aplicou-se maior número de passadas, maior foi a formação de “borrachudos”. Esse comportamento no trecho inicial foi imediatamente atribuído ao espargimento de material antiaderente com água nos rolos compactadores, aumentando a umidade da mistura. Assim, o emprego de antiaderente para os rolos compactadores foi eliminado para o segmento final do trecho experimental e observou-se um bom comportamento do material fresado estabilizado sob compactação. A Figura 13 apresenta a aparência final do trecho experimental finalizado na manhã seguinte.
3.4 MONITORAMENTO Até o momento foram realizados três monitoramentos, após dois meses, um ano e três anos de execução. 3.4.1 Após dois meses Após dois meses de execução do acostamento foi realizado um levantamento visual e extração de corpos de provas para realização de ensaios laboratoriais. Avaliação visual No levantamento visual, notou-se que devido ao acesso próximo ao trecho experimental, o tráfego circulou na interface entre a Faixa 2 e o acostamento antes do período total de cura da mistura de fresado estabilizado. Isto provocou uma leve deformação no bordo interno do acostamento, como pode se notar na Figura 14. Para mitigar este risco, sugere-se o aumento da largura da Faixa 2 para o concreto asfáltico usinado à quente. Desse modo, o tráfego ficaria afastado do acostamento, que seria executado em uma largura menor com o fresado estabilizado.
Na Figura 14 também apresenta-se uma visão geral do acostamento após dois meses de execução e deformação permanente no acostamento próximo à sinalização horizontal Ensaios de laboratório Foram extraídos corpos de prova para avaliar os vazios e a resistência à tração por compressão diametral. Os resultados são apresentados na Tabela 5. Os locais em que os CP foram extraídos estão descritos no controle de compactação, anexo neste relatório.
3.4.2 Após um ano Após um ano de execução foi realizado um levantamento visual e extração de corpos de provas para realização de ensaios laboratoriais. Avaliação visual De acordo com a avaliação visual verifica-se que o acostamento se encontra em boas condições, sem aparecimento de patologias. Ensaios de laboratório Foram extraídos corpos de prova para avaliar os vazios e a resistência à tração por compressão diametral. Os resultados são apresentados na Tabela 6.
3.4.3 Após três anos Após três anos de execução do acostamento, foi realizado um levantamento visual no local. Avaliação Visual De acordo com a Figura 15 verifica-se que o acostamento se encontra em boas condições, sem aparecimento de patologias graves ou deformação permanente. A Figura 16 mostra a comparação entre a resistência à tração da dosagem laboratorial e após dois meses e um ano da execução da obra. Observa-se o ganho de resistência ao longo do tempo.
4 CONSIDERAÇÕES
As principais conclusões podem ser resumidas da seguinte maneira: Ainda não existe norma, metodologia ou ensaios laboratoriais que indiquem ou estabeleçam o potencial dos agentes rejuvenescedores ao longo do tempo.
Deve-se cuidar da qualidade do armazenamento do material fresado na concessionária, para evitar contaminação do material fresado com a presença de materiais alheios ao fresado asfáltico O material fresado deve ser britado e peneirado, para um resultado adequado; Os equipamentos para se produzir a mistura poderão ser betoneiras comuns ou horizontais, pugmills ou até mesmo em usinas de PMF com adaptações Com a continuação dos estudos verificou-se que é suficiente usar ~=18% de agente rejuvenescedor sobre o teor de CAP do fresado e aguardar 7 dias para uma total ativação do CAP; Os equipamentos utilizados para espalhamento e compactação da mistura estabilizada de fresado com agente rejuvenescedor podem ser os mesmos usualmente empregados para misturas asfálticas usinadas à quente.
A compactação da mistura estabilizada de fresado deve ser realizada sem o espargimento de antiaderentes nos rolos compactadores. É importante continuar avaliando o tempo de cura após a compactação, para liberação ao tráfego; A faixa de tráfego mais próxima ao acostamento poderia ser executada em uma super largura, para afastar a possibilidade de tráfego pesado no acostamento. Os custos desta solução podem atingir uma economia de até 40%, dependendo do processo de produção da mistura. De acordo com o monitoramento, após dois meses, um ano e três anos de execução, o trecho experimental não apresenta patologias. Outros estudos estão em andamento com agente rejuvenescedor com as equipes de conserva, para utilização em remendos.
5 REFERÊNCIAS
ABNT NBR NM 248:2003 – Agregados – Determinação da Composição Granulométrica EN-00000/00-0000.00-GER-A1-PV/ME-E-012 – Massa específica e absorção de agregado graúdo – AASHTO T-85,2021 EN-00000/00-0000.00-GER-A1-PV/ME-E–010 – Massa específica e absorção de agregado fino – AASHTO T-84-13, 2021 EN-000/00-0000.00-GER-A1-PV/ME-E-002-R3 – Massa específica teórica máxima e densidade de misturas asfálticas para pavimentação – AASHTO T-209-05 [5] EN-GER-A1-PV/ME-E006 – Teor de Asfalto – AASHTO T-164 DNIT 136:2018 – ME – Pavimentação asfáltica – Misturas asfálticas – Determinação da resistência à tração por compressão diametral Nascimento, B. A. Estudo da utilização de mistura de material fresado com aditivo rejuvenescedor como alternativa à substituição de camada de rolamento e/ou acostamento: análise em trecho da BR-324, 18 de novembro 2020. Bernucci, L.B. et al. Pavimentação asfáltica: Formação básica para engenheiros. Rio de Janeiro: PETROBRAS: ABEDA, 2008. p. 7-475. CARGILL. Anova™ 1300 Mistura Fria Rejuvenescedora: Ficha de Dados de Produto. 2018. [10] DNIT. Pavimentos flexíveis – Pré-misturado a frio – Especificação de serviço. Revisão da Norma DNER – ES 317/97. 2002. Osmari, P.H. Avaliação do resíduo de óleo vegetal como agente rejuvenescedor de ligantes a partir de análises reológicas e de morfologia de superfície. 2016. Disponível em: . Acesso em: 30 maio. 2022. Santos, M.A.. Avaliação do Comportamento Mecânico de Misturas Betuminosas a Frio via Ensaios de Laboratório. 2002. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2022