Depois de controvérsias sobre o local a ser construída, a usina de dessalinização de Fortaleza deve iniciar suas obras em 2025, com previsão de conclusão dois anos depois. Com capacidade de produção de 1 m³/s, o empreendimento vai incrementar a oferta de água para consumo humano na região metropolitana da capital do Ceará em 12%. Investimento na usina ultrapassa R$ 500 milhões.
A polêmica sobre o local de instalação da Dessal, que atrasou o projeto, ocorreu porque as empresas de telecomunicação alegavam risco à cobertura da internet no Brasil, uma vez que a captação de água ficava próxima dos cabos submarinos de fibra óptica que ligam Fortaleza às Américas Central e do Norte, à Europa e à África. Os cabos são revestidos de borracha, cobre e gel de silicone. Para as teles, a proximidade de estruturas de captação da água do mar com os equipamentos poderia causar prejuízo à conexão.
Com parecer contrário da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o risco de judicialização da questão pelas empresas de telecomunicação, o governo do Ceará optou por mudar a usina de lugar, para ficar mais distante dos cabos submarinos. Ela continuará na Praia do Futuro, mas em um novo terreno, a cerca de 1 km do local anterior.
“O governo do Ceará, por meio da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), informa que a Planta de Dessalinização do Ceará (Dessal do Ceará) será construída em um novo terreno na Praia do Futuro, a cerca de 1 km do local anterior. No local inicialmente planejado, o governo implantará um Centro de Tecnologia, aproveitando a boa disponibilidade de redes de dados já existentes”, diz a Cagece, em nota.
Para Renan Carvalho, diretor-presidente da SPE Águas de Fortaleza, apesar de toda a polêmica sobre o assunto, não havia nenhum risco às estruturas existentes. “No mar, a tubulação foi afastada em 500 metros do último cabo e, em terra, as travessias já são executadas rotineiramente”, salienta.
Segundo Carvalho, a Águas de Fortaleza, formada pelas empresas Marquise, PB Construções e Abegoa Água, que firmou Parceria Público-Privada (PPP) com a Cagece para construir e operar a Dessal, contratou especialistas reconhecidos no meio acadêmico e pelo mercado para apresentar estudos sobre a segurança do equipamento. Um deles foi a Danish Hydraulic Institute (DHI), consultoria dinamarquesa comprometida em compartilhar conhecimentos sobre ambientes aquáticos.
Já o outro estudo foi assinado por um consórcio formado pela Universidade Federal do Ceará, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Universidade Estadual Darcy Ribeiro. “Ambos os estudos constataram que a Dessal não oferece risco às estruturas já existentes na Praia do Futuro, seja na parte terrestre ou marítima”, assinala Carvalho.
O executivo lembra ainda que houve entendimento de que a alteração de terreno da planta não representa prejuízo para o processo de dessalinização, visto que se manterá na Praia do Futuro e assegurará às empresas de cabos a possibilidade de expansão de suas estruturas.
De acordo com a Cagece, a partir das novas decisões, estão sendo feitas as atualizações necessárias, o que inclui adequações do projeto em aspectos como geotecnia, topografia, plantas e layout. Além de resoluções formais junto a órgãos federais, como Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e Marinha, assim como ajustes nas licenças ambientais prévia e de instalação. “Esses procedimentos devem ser realizados ao longo do segundo semestre de 2024. Após essas etapas, será iniciada a construção da planta”, afirma a Cagece. “Atualmente, o projeto básico está concluído, mas terá de passar por revisão visando adaptação ao novo terreno definido pela Cagece. Após a revisão completa da licença de instalação as obras terão início”, acrescenta Carvalho.
Se a mudança de local resolveu os conflitos com as empresas de telecomunicações, abriu outra frente de divergência, agora com cerca de 120 famílias que moram na nova área escolhida para a Dessal. O local tem oito hectares e ficará ao lado de uma das sedes da Petrobras Transporte S.A. (Transpetro) e do gasoduto da Petrobras que chega até ao ramal petrolífero. De acordo com o governo do Ceará, as famílias ocupam uma área de terreno de marinha, pertencente à União. Apesar disso, o Executivo estadual vai buscar acordo com os moradores para achar uma solução.
A Cagece informa que a planta tem o compromisso de minimizar ao máximo o impacto à população do entorno. “As famílias ocupantes do novo terreno da Dessal receberão uma solução pelos órgãos do Estado e SPU. A equipe social da Cagece está realizando encontros in loco com a comunidade. Em 8 de julho, foi realizada uma reunião entre Cagece, PGE e Secretaria das Cidades com o objetivo de ouvir e mapear cada morador e traçar um perfil de expectativa. O próximo passo será elaborar um plano de ação. O objetivo, nesse primeiro momento, é realizar reuniões com a população para avaliar o pleito e o interesse dessa comunidade, para depois traçar uma estratégia que melhor atenda às expectativas das pessoas”, diz a empresa.
Mais de 700 mil pessoas beneficiadas
Com duração de 30 anos, o contrato de PPP da Cagece com Águas de Fortaleza terá um valor total de R$ 3,1 bilhões. Desse total, mais de R$ 500 milhões devem ser investidos pela concessionária na construção da planta de dessalinização e instalação das tubulações.
A concessionária será responsável também operação e manutenção das unidades integrantes dos sistemas físicos, operacionais e gerenciais e pelo fornecimento de água potável nos reservatórios do Mucuripe e Praça da Imprensa. Já a Cagece tem o compromisso de distribuí-la à população. Em termos de potabilidade, a água dessalinizada atende aos parâmetros estabelecidos pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O equipamento estará pronto no primeiro trimestre de 2027 e irá beneficiar cerca de 720 mil pessoas da capital e da região metropolitana de Fortaleza. O projeto envolve obras no mar (captação e emissário submarino) e obras em terra – adutora de água bruta, planta de dessalinização, adutoras de água tratada e de descarte de salmoura. Inclui, ainda, montagem eletromecânica de equipamento de alta tecnologia para processos de pré-tratamento, osmose, dessalinização e fluoração.
A tecnologia de dessalinização empregada será a osmose reversa. “Essa é a tecnologia com desenvolvimento mais avançado e mais utilizada nas plantas de dessalinização modernas do mundo”, enfatiza Renan Carvalho. O pré-tratamento se dá por filtragem direta e o pós-tratamento conta com remineralização, correção de PH e fluoração. Os principais componentes e equipamentos utilizados na planta de dessalinização envolvem filtros de areia e de cartucho, recuperador de energia e bombas de alta pressão.
Segundo Carvalho, o fornecimento e a supervisão da montagem da planta serão feitos pela empresa israelense IDE Technologies, que possui um amplo portfólio em projetos dessa envergadura em vários países. Israel é líder mundial na tecnologia de dessalinização – cerca de 80% da água potável consumida pela sua população é proveniente do mar. A IDE tem no currículo projetos, além do país sede, no Chile, EUA, Índia, Singapura e Taiwan e Austrália.
Em termos construtivos, o maior desafio do projeto são as obras marítimas. “Precisaremos construir estruturas de captação de água bruta e descarte da salmoura em um mar bastante ativo, com correntes e ventos relevantes. Apesar do aspecto positivo para dispersão da salmoura, essa condição de mar impõe ao projeto restrições construtivas significativas”, afirma Carvalho.
O descarte da salmoura resultante do processo de dessalinização será feito por meio de tubulação distante 800 metros da costa marítima com utilização de dispersores mecânicos. “Na atual localização, conseguiremos fazer aproximação do continente com a construção de cofferdams, sem necessidade de túneis e grandes estruturas de perfuração, o que simplifica bastante a execução”, completa o executivo.