Mesmo os mais céticos encontraram pontos positivos na reunião do G-20 na semana passada, em Washington. Bastaram alguns dias para decepções globais.

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Começou por aqui mesmo. Os primeiros a contrariar as propostas ali levantadas foram Brasil e Argentina.
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Entre as 46 resoluções e/ou recomendações, o G-20 sugeriu que os países evitassem elevar barreiras tarifárias e outras que comprometessem o comércio internacional. Sábia posição antiprotecionista, pois na crise a reação espontânea dos países é tentar proteger suas empresas e seus mercados nacionais, fechando ou limitando tanto exportações quanto importações.

Parece fazer sentido quando se toma caso a caso, mas, se todos os países fazem a mesma coisa, provocam uma paralisia no comércio mundial, o que prejudica a economia de todos e de cada um.

Por isso foi importante quando o G-20 reforçou a tese segundo a qual o mundo precisa de mais, e não de menos comércio. E de quebra pediu um esforço extra para reviver as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Mas, na segunda-feira seguinte à reunião do G-20, representantes dos governos brasileiro e argentino reunidos em Buenos Aires decidiram propor uma elevação da tarifa do Mercosul para a importação de diversos produtos, incluindo vinhos, lácteos, madeira, móveis, têxteis, produtos de couro e pêssegos. Funcionários dos dois lados deram diversas desculpas.
São poucos produtos, pouca coisa. Mas, caramba, precisa proteger até pêssego?

Depois foi a Índia que elevou a tarifa de importação de aço. A Rússia limitou as suas importações de carnes. Todos eles integrantes do G-20.

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E a vida seguiu assim. Por outro lado, o G-20 também disse que seus integrantes haviam prometido aplicar rapidamente políticas de estímulo fiscal, ou seja, aumento do gasto público. E vejam vocês: o que era para não fazer – atrapalhar o comércio mundial – muitos fizeram; o que convinha fazer – iniciar logo as políticas de estímulo – os governos ou estão atrasados ou fizeram coisas pífias.

O maior problema, sem dúvida, está nos EUA e, mais especialmente, no time do presidente eleito, Barack Obama. Não é o caso de ser estraga-festas, mas têm vindo sinais preocupantes do pessoal de Obama.

Outro dia, o sempre bem informado Wall Street Journal (WST) publicou uma longa reportagem com bastidores da equipe do presidente eleito, para relatar que a turma pensa grande e longe. O diagnóstico: a crise abre oportunidade para grandes mudanças na concepção e na prática da política econômica, todas na direção de uma maior intervenção do Estado no mercado.

O pessoal lá está simplesmente querendo criar mecanismos – de montanhas de subsídios a ajudas financeiras diretas – para orientar e dirigir os empréstimos bancários, para orientar e encaminhar os investimentos das empresas a determinados setores, para fortalecer empresas nacionais e, no limite, para vigiar determinadas companhias, especialmente as que recebam ajuda ou isenções e subsídios do governo. O WST cita que uma das idéias é colocar um funcionário do governo na diretoria das companhias envolvidas na política nacional.

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Isso mesmo, um fiscal do governo dentro das empresas.

Na pátria do capitalismo liberal, seria uma revolução sem tamanho. O pessoal parece estar consciente. Fontes disseram ao WST que a crise permite fazer coisas que antes nem sequer podiam ser cogitadas.

Tudo isso vem da esquerda do Partido Democrata, que desconfia do que chama de big pharma, big finance, big oil das grandes corporações e também não gosta da globalização, do livre comércio.

Se for por aí, estamos literalmente perdidos. Um governo americano intervencionista e protecionista é tudo de que o mundo não precisa.
Primeiro, que esse tipo de política econômica não funciona, como, aliás, sabemos muito bem aqui, no Brasil. As políticas de intervenção e proteção deixaram carroças e atrasos. No caso de bancos, simplesmente essas intervenções levaram à quebra de bancos públicos e privados.

Agora, isso de colocar um fiscal do governo, nem os países mais atrasados tiveram essa idéia. Primeiro, porque é inútil. Impossível querer controlar as modernas e imensas organizações. Segundo, porque é muita bobagem achar que funcionários do governo saberão melhor para onde levar a companhia.

Mas não é o caso de discutir isso agora.

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O ponto é outro: a equipe de Obama, ou parte dela, parece sofrer daquela ingenuidade infantil de quem chega pela primeira vez ao governo no bojo de um bonito movimento de mudança nacional.

Também conhecemos isso por aqui. Lembram-se dos imensos planos e das enormes esperanças depositadas no primeiro governo civil, que se chamou, sem modéstia alguma, “Primeiro Governo da Nova República”? Lembram-se do “mudar tudo” da turma de Lula?

A Nova República naufragou. Envolvida com planos e expectativas, foi derrotada pela realidade da superinflação. Lula não fracassou, mas não porque mudou tudo, e sim porque teve a santa intuição de manter e preservar as bases da política econômica.

O que fará Obama? O lado animador é que ele está recrutando um monte de gente que trabalhou para Bill Clinton, que representou um Partido Democrata adaptado aos tempos da globalização. Foi Clinton que impulsionou os acordos de livre comércio.

A ver. O fato é que, neste momento, em vez de idéias revolucionárias, a equipe de Obama precisaria estar definindo coisas práticas, como o que fazer com as montadoras, como apoiar os governos estaduais e prefeituras, onde aplicar dinheiro público. E rapidamente, como dizia o G-20.

Fonte: Estadão