Trabalhadores chineses e guineenses labutam lado a lado sob o sol em uma construção em um lado decadente da cidade, levantando o último símbolo de uma aliança antiga e robusta: um estádio com 50 mil assentos de US$ 50 milhões.

A cidade está lotada desses presentes de amizade, que começaram a aparecer quando Guiné era um Estado socialista isolado e em dificuldade no final dos anos 1950.

Mas até agora Guiné não conseguiu o que realmente deseja da economia que cresce mais rapidamente no mundo: um acordo de bilhões de dólares para construir a infra-estrutura de que tanto necessita, oferecendo em troca acesso às vastas reservas de bauxita e minério de ferro dessa nação empobrecida.

Com a queda mundial dos preços das commodities e o caos cada vez mais profundo de vários parceiros africanos, a China voltou atrás em alguns de seus planos mais arriscados e agressivos, procurando as mesmas garantias que as empresas do Ocidente há tempos buscam para seus investimentos: estabilidade econômica e política.

"A situação política não é muito estável", Huo Zhengde, embaixador chinês em Guiné, disse em entrevista, explicando a hesitação em investir bilhões no país, onde um grupo de militares tomou o poder após a morte do presidente de longa data em dezembro. "Os mercados internacionais não estão favoráveis."

Há apenas um ano, a China parecia subverter uma ordem há décadas em funcionamento na África, ocupando o vazio deixado por grandes empresas ocidentais, tímidas demais para investir no continente rico em recursos, mas de Estados frágeis, enquanto os mercados de cobre, estanho, petróleo e madeira alcançavam novos patamares. Na nova disputa pelos recursos africanos, a China buscou uma fatia substancial.

Com uma abordagem sem imposições e um apetite voraz pelo risco, a China parecia oferecer à África uma alternativa econômica e política à assistência cheia de condições e à reestruturação econômica que os países ocidentais e as agências humanitárias internacionais impuseram ao continente por anos, freqüentemente com conseqüências pouco inspiradoras. A China em ascensão, buscando parceiros e recursos, parecia estar assinando cheques em branco.

Hoje, a busca chinesa por commodities não foi interrompida. Companhias estatais buscam barganhas de estanho e ferro em lugares mais estáveis como Zâmbia e Libéria. Mas as companhias chinesas agora adotam acordos mais rígidos e evitam os cantos mais caóticos do continente. Governos africanos que sofrem com receitas declinantes estão percebendo que ainda podem precisar da ajuda do Ocidente.

"Vimos no passado recente companhias chinesas investindo em países pelos quais ninguém se interessava," disse Philippe de Pontet, analista do Eurasia Group, uma firma de pesquisa privada. "Isso pode estar mudando". Em 2007, a China anunciou um acordo de US$ 9 bilhões com o Congo para ter acesso à sua reserva gigante de cobre, cobalto, estanho e ouro em troca da construção de rodovias, escolas, represas e estradas de ferro indispensáveis para reerguer um país do tamanho da Europa Ocidental e arrasado por mais de uma década de guerra.

Mas esse acordo agora é incerto, com a queda dos preços tendo deixado o Congo em uma posição de negociação muito mais fraca. De repente, o país também se encontra necessitando da ajuda do Fundo Monetário Internacional, que se recusou a anular sua antiga dívida, embora o Congo tenha tomado empréstimos da China oferecendo em troca mais minerais. A instabilidade política e étnica do Congo permanece grave, e sua economia beira o colapso.

Há um ano, esses fatores pareciam irrelevantes. As companhias chinesas não hesitavam em fazer acordos na busca por petróleo nas águas infestadas de piratas da Somália, ou em conseguir metais industriais em lugares como o Zimbábue.

Diferente de muitas empresas ocidentais, as companhias estatais de petróleo chinesas não hesitavam em fazer negócio com o governo do Sudão, que se tornou um pária internacional devido ao conflito em Darfur. A China criou um novo modelo de investimento africano: acordos mutuamente benéficos entre nações soberanas sem nenhuma das interferências comuns entre doadores e investidores ocidentais, com suas exigências de padrões trabalhistas e ambientais, bem como respeito à democracia e aos direitos humanos.

Essas políticas se mostraram populares entre governos africanos e o comércio entre a África e a China cresceu para mais de US$ 100 bilhões em 2008, em comparação a menos de US$ 10 milhões nos anos 1980. Líderes africanos falaram abertamente sobre a oferta chinesa de uma alternativa aos ditames de instituições ocidentais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Mas aqui em Guiné, que possui um dos maiores depósitos de bauxita, um mineral necessário para a produção de alumínio, essa esperança desapareceu.

"Os chineses mudaram sua estratégia," disse Ibrahima Sory Diallo, economista sênior do Ministério de Finanças de Guiné e defensor do investimento chinês. "Eles não vão injetar US$ 5 bilhões em um país instável e em um clima de mercado incerto."

Colonizadores franceses um dia chamaram Guiné de um escândalo geológico, devido aos seus ricos depósitos de valiosos minerais. Apesar de anos de mineração e bilhões em lucros, Guiné continua sendo um dos países mais pobres e subdesenvolvidos da África.

Por isso, não é surpresa o fato do governo de Guiné, primeiro sob comando de Lansana Conte, que governou por 24 anos até sua morte no ano passado, e depois sob os militares que o substituíram, desejar o dinheiro e o conhecimento em construção civil da China.

A China tem assegurado minerais na África por meio da assinatura de acordos para grandes projetos de construção em troca de minérios. Em Angola, esse tipo de acordo garantiu o acesso chinês às reservas do segundo maior produtor de petróleo africano, que agora prospera após emergir destroçado de uma guerra civil que durou décadas. China e Angola anunciaram a parceria como sendo um modelo de investimento chinês no continente, uma relação de ganho mútuo para os países.

Mas essa fórmula se mostrou problemática em uma crise econômica. Os governos africanos estão agora percebendo que esses acordos são em essência empréstimos que comprometem receitas futuras e que a queda nos preços poderá deixá-los com pilhas gigantescas de dívidas.

É isso que parece ter acontecido no Congo. Considerando os preços atuais, o Congo terá dificuldades para atingir suas rigorosas metas de produção previstas no acordo chinês, disse Patricia Feeney, diretora executiva do Rights and Accountability in Development, um grupo ativista com sede na Grã-Bretanha.

"Os congoleses esperavam tanto poder contar com os chineses e dar as costas para doadores ocidentais que no processo provavelmente ignoraram pessoas que estavam dispostas a ajudar," Feeney disse.

Em Guiné, a China recuou em um acordo para a construção de uma represa hidroelétrica de US$ 1 bilhão que autoridades do país davam como certo.

"A represa não é um presente; é um investimento," disse Huo, embaixador chinês. "É isso que benefício mútuo significa."

Guiné está cada vez mais desconfiada do investimento chinês. Muitas pessoas vêem as empresas chinesas como sendo tão exploradoras quanto as ocidentais, se não forem mais. Após os militares tomarem o poder em dezembro, o governo fez uma busca em empresas chinesas que supostamente vendiam medicamentos falsos, mas a ação acabou gerando a pilhagem de negócios chineses, com a explosão de um ressentimento há tempos suprimido.

Hamidou Conde trabalha sem camisa sob o sol escaldante, cavando um buraco para as fundações de um novo hospital sendo construído por uma empresa chinesa, mais um símbolo da amizade entre China e Guiné.

Conde, 35 anos, que tem duas mulheres e quatro filhos, disse que cavava sobre a rocha dura com uma pá, enxada e machado há dois meses, mas ainda não havia recebido nenhum pagamento de seu chefe chinês. "Trabalhamos como escravos," Conde disse. "E, como escravos, não recebemos pagamento. Os chineses não trazem nada a Guiné."

Fonte: Estadão