Recordo-me do tempo em que o leite era entregue à porta de casa em embalagem de vidro, juntamente com o pão, embrulhado em papel. A indústria do petróleo já prosperava e logo vieram embalagens plásticas, no começo ainda retornáveis.
Sim, as garrafas PET de refrigerantes eram devolvidas aos supermercados, que ainda embalavam as compras em sacolas de papel. Sabe-se lá se por quais interesses comerciais, praticidade ou corte de custos, de repente as sacolas passaram a ser feitas de plástico e as garrafas se tornaram descartáveis. E as fraldas, e as seringas, e as caixas de leite, e quase tudo o mais. Até os aparelhos de telefonia celular.
Mas tudo isso são bobagens perto dos crimes ambientais perpetrados em Alberta, no Canadá, onde se retira óleo de areias betuminosas, das quais o país tem reservas gigantescas, seis vezes maiores que as da Arábia Saudita, em petróleo-equivalência.
O processo de retirada do óleo impregnado na areia consome gigantescas quantidades de água e gás natural, em uma operação realizada a inclementes temperaturas de até -40º C. Somente a holandesa Shell pretende extrair 500 mil barris diários, de um total de 1,2 milhão, ininterruptamente durante 50 anos. A Imperial Oil, conhecida no Brasil como Esso, terá uma cota de 300 mil barris diários pelo mesmo meio século, investindo US$ 7,1 bilhões.
O trabalho, extremamente árduo e sujo, é feito por imigrantes de vários países.
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A chuva ácida resultante das atividades destrói a vegetação, e enormes lagos artificiais de águas envenenadas por hidrocarbonetos carcinogênicos e metais pesados completam o cenário pré-apocalíptico.
Estima-se que as areias canadenses contenham 180 bilhões de barris de óleo-equivalente, e a conversão de betume em óleo cru sintético contribui entre três e cinco vezes mais para o efeito estufa do que a extração tradicional de petróleo. A transformação de um barril de areia betuminosa em petróleo sintético para uso em refinarias comuns consome 14 m³ de gás natural e muita água.
A Rede para a Conservação da Natureza (WWF) observa que estas atividades poderão levar o mundo a um processo irreversível de mudanças climáticas.
Com a recuperação da economia mundial a demanda crescente por energia redundará na continuidade e ampliação de novas e perigosas formas de obtenção de hidrocarbonetos, presentes em grande quantidade também sob o leito submarino do Ártico.
Mas este velho mundo sempre colocou os interesses político-econômicos à frente de questões cruciais para a humanidade, e não há sinais de mudanças no horizonte. A Terra tem tempo de sobra pela frente, uns cinco bilhões de anos até a extinção do Sol, mas a humanidade e os animais não suportarão meros cem anos de exacerbação do efeito estufa.
Ainda assim, os homens parecem tomados por uma inarredável paralisia. O último encontro internacional sobre o clima, em Siracusa, Itália, terminou sem nenhum compromisso para enfrentar as mudanças climáticas.
Além dos países do G-8, participaram como convidados Brasil, China, Índia, México, Indonésia, África do Sul, Austrália, Coreia do Sul e Egito.
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Na reunião, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, pediu aos membros do G-8 que reduzam suas emissões de CO2 em 20% até 2017 e em 25% até 2022.
Bem antes, em maio de 2007, Roger Agnelli, presidente da Vale, defendia a utilização das usinas termoelétricas a carvão no Brasil, argumentando que se fossem tão danosas, ineficientes e sujas, os Estados Unidos não estariam construindo mais de 150, como se o então governo Bush estivesse minimamente preocupado com o problema.
Há alguns anos as grandes potências já disputam as reservas de gás e petróleo do Ártico, cerca de 25% do total mundial, e agora temos o pré-sal, que deve também existir no outro lado do Atlântico, na costa de Angola.
Não é realista acreditar que fontes alternativas possam substituir grande parte do consumo diário mundial de 85 milhões de barris de petróleo, além do carvão, fonte de 70% da energia gerada na China, que pretende construir mais 500 termoelétricas a carvão na próxima décad. Segundo a China Coal Industry Development Research and Consulting, a demanda carbonífera do país em 2002 atingiu 1, 37 bilhão de toneladas!
Portanto, com o perdão da desestimulante franqueza, creio que a humanidade continuará emitindo quantidades cavalares de gás carbônico e metano, e a prova disso são os enormes investimentos em poços de petróleo no pré-sal, nas areias canadenses, nas usinas térmicas a carvão, gás natural ou óleo combustível, e a crescente disputa pelas reservas de hidrocarbonetos do Ártico.
Mas nem por isso deixaremos de seguir lutando contra a geração de energia por fontes sujas. A queniana Wangari Maathai, Nobel da Paz, segue combatendo o desflorestamento, desta vez no Congo, a segunda maior floresta tropical depois da Amazônica. Ela diz: nós sabemos o que é preciso fazer; por que não o fazemos?
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E aduz: “Os políticos, em todos os lugares, estão pondo o imediato à frente do longo prazo”. O planeta em si dispõe de bilhões de anos até se extinguir; a vida não.
Dia cinco de junho, o fotógrafo francês Yann Arthus Bertrand, que mostrou pela primeira vez a fragilidade do planeta em A Terra Vista de Cima (The Earth from Above), lança seu filme gratuito HOME (CASA), com uma série de imagens de florestas tropicais, desertos e oceanos, vistos de cima de cima, para evidenciar os danos que as mudanças climáticas, o desenvolvimento e a superexploração estão causando ao planeta.
O filme foi produzido por Luc Bresson, filmado em 54 países ao longo de 217 dias.
HOME será apresentado em première por todo o globo sexta-feira, cinco de junho, Dia do Meio Ambiente. Será exibido na televisão, pelo canal National Geographic, em DVD e online, pelo Youtube.
A obra é apoiada pelo Projeto de Florestas Tropicais do Príncipe (PRP), tocado pelo Príncipe de Gales para buscar meios de reduzir o desflorestamento das florestas tropicais.
HOME é um filme pela compensação do carbono – todas as emissões de carbono serão compensadas com o apoio a projetos de desenvolvimento limpo.
Fonte: Estadão
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