O programa nacional de biodiesel foi criado para ser uma das estrelas do governo Lula. O sonho do Planalto era transformar o biodiesel numa espécie de novo etanol: um combustível vegetal mais limpo que o diesel comum, que incentivasse a agricultura familiar, gerasse empregos no campo e colocasse o Brasil ainda mais em destaque na área de combustíveis alternativos. Desde o início do programa, há quatro anos, a produção cresceu em escala exponencial e o número de investidores se multiplicou.
Até agora, porém, quase ninguém conseguiu ganhar dinheiro com o biodiesel. De uma capacidade instalada de 340 milhões de litros por mês, a produção brasileira está atualmente em torno de 120 milhões de litros – o que obriga todas as empresas a trabalhar com margens baixas ou, muitas vezes, negativas.

Segundo empresários e especialistas no setor, os gargalos que impedem que o mercado de biodiesel cresça são:

1) a falta de uma matéria-prima vegetal viável para a expansão acelerada do programa; 2) o sistema de leilões de compra de biodiesel realizados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP); 3) a indefinição sobre o papel da Petrobras no setor de biodiesel; e 4) a entrada de investidores demais no setor em um curto espaço de tempo, o que deve manter o excesso de capacidade de produção nos próximos anos.

Mesmo com todos esses problemas, no entanto, os especialistas são unânimes em considerar que o programa de biodiesel vai deslanchar muito mais rápido do que o etanol. Da criação do Pró-Álcool em 1975 à explosão de vendas dos carros flex, foram quase 30 anos de pesquisas. O governo, os usineiros, as empresas de combustíveis e as montadoras tiveram que desenvolver tecnologia para aumentar a produtividade da cana, criar uma megaestrutura logística para distribuir o etanol para todos os estados do país, estruturar uma rede de postos aptos a abastecer veículos a etanol e construir motores capazes de ter praticamente o mesmo rendimento movidos a álcool ou a gasolina, entre outros avanços.

No caso do biodiesel, em que os motores já estão adaptados, o único problema que se repete é o de desenvolver a cadeia logística para o transporte do combustível das usinas até as refinarias da Petrobras onde será feita a mistura ao diesel. Esse é um desafio relativamente pequeno, no entanto, quando comparado ao de diversificar a base de matérias-primas para a produção do biodiesel. Hoje 80% da produção tem como origem o óleo de soja. “Das cinco matérias-primas tradicionais definidas pelo programa do governo para servir de base para o biodiesel [mamona, algodão, girassol, dendê e soja], apenas a soja tem sustentado, na prática, o projeto”, afirma o chefe de Comunicação e Negócios da Embrapa Agroenergia, José Eurípedes da Silva.

O efeito nocivo da dependência quase exclusiva da soja não está relacionado à oferta de matéria-prima. “Temos uma oferta abundante de soja, que ocupa a maior área plantada entre todas as culturas no Brasil”, diz o analista Bruno Boszczowki, da consultoria Agra FNP.
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Segundo especialistas, um eventual risco de escassez só ocorrerá no Brasil quando o percentual da mistura de biodiesel ao diesel dobrar dos atuais 4% para 8%.

O primeiro problema da soja é sua baixa produtividade. Só 18% de cada grão pode ser usado para fazer óleo – o resto vira farelo para alimentação de animais.

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“Então, se aumentássemos a produção de soja para abastecer o mercado de biodiesel, estaríamos gerando quatro vezes mais farelo. Isso significaria ração mais barata para frangos e suínos, entre outros”, afirma o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em biodiesel, Donato Aranda

O presidente da Brasil Ecodiesel, José Carlos Aguilera, afirma que alguns mercados a soja também é vista como matéria-prima exclusiva para a alimentação. “Já conversei com pesquisadores alemães que me disseram que sabem que a soja é uma matéria-prima viável para o biodiesel. No entanto, eles dizem que na Alemanha o biodiesel de soja não entra para não colocar em risco a oferta de alimentos em todo o mundo”, diz. Além disso, a soja é uma commodity cujo preço varia de acordo com a demanda e a especulação no mercado internacional. No início do ano passado, quando os preços da soja dispararam, toda a cadeia de biodiesel teve suas margens bastante comprimidas. Por último, a soja é uma cultura extensiva desenvolvida em grandes propriedades e não beneficia a agricultura familiar como o governo gostaria.

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Matérias-primas alternativas

As quatro culturas apontadas como mais promissoras para a produção de biodiesel são pinhão manso, girassol, dendê e mamona. Todos têm um teor de óleo superior ao da soja, com produtividade em torno de 40%. No entanto, também não faltam problemas. Segundo Silva, da Embrapa Agroenergia, uma vez que o pinhão manso não é originário do Brasil, o país ainda não possui o domínio tecnológico para explorá-lo em larga escala. Embora os estudos já estejam em andamento, serão necessários pelo menos cinco anos para que os primeiros resultados sejam divulgados.

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O girassol apresenta área plantada restrita. Já o dendê possui limitações geográficas: só pode ser plantado em áreas localizadas 5 graus de latitude abaixo ou acima do Equador, o que restringe o plantio a alguns estados do Norte e Nordeste.

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Além disso, as primeiras colheitas só podem ser feitas após um intervalo de oito anos.

De todas as matérias-primas propostas, no entanto, a mamona, a mascote do programa de biodiesel, é a menos viável. Primeiro porque seu óleo tem um valor de mercado três vezes superior ao pago pelo biodiesel. As sementes de mamona são disputadas pelas indústrias química, cosmética e farmacêutica. Além disso, a mamona só atinge a especificação necessária para ser transformado em biodiesel por meio de misturas a partir de outras fontes de gordura.

Leilões

O presidente da Brasil Ecodiesel, José Carlos Aguilera, aponta os leilões de biodiesel promovidos pela ANP como outro entrave para o desenvolvimento do mercado. Os leilões foram criados como forma de garantir a comercialização do biodiesel produzido mesmo por pequenos produtores em um momento em que o mercado ainda não estava formado. Aguilera diz, no entanto, que o mercado já amadureceu e que os leilões passaram a ser um empecilho.

Hoje os leilões favorecem as empresas que esmagam a soja para produzir óleo e farelo – o que não é o caso da Brasil Ecodiesel. “Caso o valor do litro de óleo de biodiesel seja inferior ao de soja, as empresas podem reduzir suas ofertas e mesmo assim se manter em operação. Para nós, ficar fora de um leilão significa suspender as atividades de uma fábrica”, diz Aguilera, que teve que paralisar duas fábricas no terceiro trimestre por esse motivo.

No entanto, a principal crítica ao modelo dos leilões trimestrais recai sobre o critério utilizado pela ANP para definir os preços de referência. A agência estipula um teto para o preço do combustível que será vendido pelas usinas à Petrobras. Segundo as empresas, na maioria das vezes, ele não recompõe os custos. “Chegou o momento de o governo abandonar os leilões e deixar que um mercado livre de biodiesel se desenvolva”, diz Aguilera.

Segundo a ANP, o cálculo do preço máximo de referência leva em consideração principalmente as cotações de mercado das matérias-primas acrescidas dos custos médios de produção e dos tributos. Apesar das expectativas do setor, o Ministério de Minas e Energia confirmou na última quinta-feira que o 15º leilão de biodiesel acontecerá no fim de agosto. Tanto o Ministério quanto a ANP informaram que a suspensão dos leilões não está na pauta de discussões nesse momento. Segundo fontes do setor, a manutenção dos leilões teria por objetivo fiscalizar e manter a qualidade do produto final e garantir a posição monopolista da Petrobras na produção de biodiesel.

O papel da Petrobras

Executivos do setor dizem que a indefinição sobre o papel da Petrobras cria insegurança entre as empresas do setor – principalmente na hora de conseguir empréstimos bancários para financiar os investimentos. No setor de etanol, a Petrobras não possui investimentos representativos na produção e planeja se tornar uma grande distribuidora do biocombustível tanto no Brasil quanto para outros países do mundo.

Já na área de biodiesel, a Petrobras acena ter interesse em também ser produtora. A empresa já possui três usinas e pode abrir mais duas até o final do ano. Como a empresa é a grande compradora do produto, acaba por ter o poder de decidir que empresas vão ou não sobreviver nesse mercado. “Esse jogo é muito desigual. Só o que eles gastam em café é mais do que todo o meu faturamento”, diz, ironicamente, o representante de uma empresa do setor. “Eu acho que eles se arrependem de ter deixado a Cosan crescer tanto em etanol e não vão abrir mão de um papel de protagonista em biodiesel”, completa.

Dos entraves que atrapalham o desenvolvimento do biodiesel no Brasil, o que parece mais fácil de ser contornado é o aumento do percentual adicionado hoje ao diesel mineral – que elevaria a demanda pelo biocombustível para patamares mais próximos ao da capacidade de produção. Segundo o Ministério de Minas e Energia, o governo já estuda antecipar de 2013 para 2010 o aumento da mistura do biodiesel ao diesel de 4% para 5% do total. Cada ponto percentual de elevação representa um adicional de 400 milhões de litros na demanda, uma vez que o Brasil consome 40 bilhões de litros por ano de diesel mineral.

Enquanto os demais nós que envolvem o programa de biodiesel não são desatados, unir forças pode ser uma saída para as empresas que ainda patinam. “A tendência é que permaneçam no mercado apenas as grandes que não tem o biodiesel como única atividade”, afirma Silva, da Embrapa Agroenergia. “Resta saber quem será a Cosan do biodiesel.

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Nós bem que gostaríamos”, diz Aguilera, da Brasil Ecodiesel.

Fonte: Estadão