De nada adiantam as explicações enviesadas. No entendimento do cidadão comum, a lei que criou a ficha limpa, tornando inelegíveis políticos condenados antes do dia 7 de junho último, data em que ela foi publicada no Diário Oficial da União, começa a ficar suja. As brechas legais ali encontradas são tantas e de tal amplitude, que muitos daqueles peixes graúdos teoricamente alcançáveis pelos dispositivos da lei, começam a escapar pelo ladrão.

Lembro a fase da montagem do sonho. Movimentação do Sul ao Norte para o preenchimento do abaixo-assinado, até se conseguir o que se julgava impossível: cerca de 1,5 milhão de assinaturas de eleitores exigindo o que deveria ser uma obviedade da cidadania: que os políticos com ficha suja fossem banidos do exercício da política.

Muitos acreditam que o melhor meio de bani-los – e nisso estão cobertos de razão – é através do voto. Mas a arma do marketing, as engrenagens, os achegos de bastidores, não deixam de ser instrumentos muito fortes e eficientes de convencimento. Tanto assim, que os espertos acabam voltando à cena política, invariavelmente com pompa e circunstância. Então se bolou a possibilidade prática: uma lei que, afastando os fichas- sujas, acabasse dando uma oportunidade ao eleitor.

Qual nada. Começaram a passar-lhe a perna, a partir mesmo do momento em que a lei entrou em processo de elaboração. Depois, tentaram reduzir-lhe a força no Parlamento, arrancando-lhe a mão, um braço, um olho. A política não poderia dobrar-se a uma legislação nascida de um abaixo-assinado.

Hoje, quem vê as fotos nos jornais, com os tradicionais fichas-sujas se exibindo às gargalhadas, têm a impressão de que mais uma vez foi ludibriado e de que o sonho acabou. O colunista da FSP, Jânio de Freitas, redigiu uma frase que tem tudo para permanecer: "Nesta nova etapa do regime eleitoral, pós-ditadura, não há razão para dizer que os altos tribunais têm contribuído para aprimorar as eleições e a confiança do eleitor nas decisões judiciais".

Fonte: Estadão