No começo houve aquela história da perereca. – Uma rãzinha encontrada no entorno das obras de um viaduto que era construído na BR-101, proximidades de Osório (RS). As obras, caras, foram paralisadas para a realização de estudos do habitat do anfíbio. Caso não fossem tomados cuidados, o avanço dos trabalhos poderia contribuir para a extinção da espécie. Houve um Deus nos acuda. Onde já se viu parar um viaduto por causa de uma perereca. E as críticas, veladas ou ostensivas, voltaram-se para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, acusado de meter o bedelho em tudo e de sair em defesa até daquele humilde bichinho.

Indício da mudança dos tempos. Se estes fossem outros, não haveria Ibama nem perereca ou outro qualquer obstáculo que provocaria a paralisação de obras de infraestrutura. Mas a paralisação tinha um notável significado: respeito aos bichos e às coisas que a natureza – e somente ela – sabe criar e construir. Apesar disso, a perereca virou motivo de piada. Pior ainda: na boca de um presidente da República, que deveria ser o primeiro a alinhar-se aos que a defendiam.

O presidente Lula da Silva já se referiu, em pelo menos meia dúzia de vezes, ao episódio da perereca. Mais recentemente disse que quer vê-lo contado em sua biografia. E até emitiu a idéia de homenageá-la construindo-lhe um monumento. Tudo para criticar a paralisação de uma obra por conta de um obstáculo que, em seu entendimento, não deveria a dimensão que lhe é emprestada.

Mas a piada pronta não ficou por aí. Surgiram outros casos de igual ou menor potencial de galhofa. A história da pedra, semelhante a um machadinho indígena que, depois comprovou-se, não passava mesmo de uma pedra. Sobre o problema de cronograma da obra, provocado por conta da pedra, disse o presidente: "E ninguém arca com o prejuízo, com a responsabilidade, ninguém diz quanto o povo brasileiro está pagando por esses atrasos".

O fato mais recente, que está atrasando uma obra do Departamento de Infraestrutura de Transportes (DNIT), ocorreu na Serra do Cafezal, em um trecho da BR-116 (Régis Bittencourt), em fase de duplicação. Ali, uma pista adicional deixou de ser construída porque um papagaio de peito roxo, que se dá ares em trecho da mata atlântica, vive, deita, rola e se procria por ali mesmo. O receio de que as obras em curso acabassem provocando danos ao pequeno universo do papagaio e de sua espécie, prejudicou o cronograma da duplicação.

Mas não é de hoje que obras vez ou outra têm de mudar de rumo por conta de obstáculos naturais ou de espaços construídos. Veja-se o caso do prédio do antigo Senado, no Rio de Janeiro. Para preservá-lo, e em atendimento à forte reivindicação da sociedade, as obras do metrô carioca tiveram de tangenciá-lo. Não foi derrubado por conta dessas obras, embora, mais tarde, e por outros motivos, viesse a ser colocado abaixo.

Construir, derrubando, alagando, erradicando animais e populações, requer estudos cuidadosos e prévios. Sobretudo, porque destruir é fácil. Construir e, depois, preservar, é muito mais difícil e, em se tratando dos valores da natureza, absolutamente impossível. De forma que têm razão os preservacionistas, quando impõem dificuldades às ações invariavelmente predatórias da ação humana.

Perereca, papagaio, pedra indígena, construções seculares e outros bens naturais ou resultados da criação da inteligência humana, encontrados no caminho das obras públicas, precisam ser objeto de análises, antes de serem triturados pelas máquinas. O tema não pode ser objeto de galhofa. Um presidente não deve brincar dessa forma, colocando em ridículo, as coisas sérias.

Fonte: Estadão