Algumas autoridades do País têm procurado subverter o sentido geral da palavra malfeitos. Vem da infância, de um leve resquício da memória, a expressão materna sobre as traquinagens do filho: "Esse menino está reinando, praticando malfeitos."
O garoto endiabrado entrou no quintal do vizinho; por acaso, a bola que acabara de chutar danificou uma vidraça; na escola, na hora do recreio, brigou com o colega e ambos foram levados para a diretoria; um deles não conteve a inveja diante da limpeza do caderno da colega e achou por bem rabiscar algumas páginas; no pátio do condomínio, um menino esvaziou o pneu da bicicleta do companheiro de brinquedo. Malfeitos.
Como vemos, é imensa a relação de malfeitos que poderia ser ampliada e enriquecida com as histórias das aventuras de cada um. E, falar malfeito, nos remeteria, de imediato, com a ajuda do Aurélio, a outras patifarias, maiores ou menores, mas que não teria a ideia central de reduzir responsabilidades de homens públicos apanhados com as fuças na ratoeira.
Daí, que consideramos fora de propósito a referência de algumas autoridades, a atos de improbidade administrativa, até de ministros, que acabam caindo lá do alto, empurrados pelas denúncias de corrupção, como "malfeitos". O que têm ocorrido, a partir de denúncias da imprensa e de auditorias de órgãos públicos, são delitos graves e jamais traquinagens de meninos.
Atos de corrupção têm desviado recursos da saúde, do saneamento, dos transportes, da energia, da habitação e de outras finalidades nobres, destinadas a melhorar a qualidade de vida da população, para bolsos de delinqüentes. Tentar amenizar o impacto das notícias de crimes perpetrados contra a sociedade, recorrendo a palavras mais leves, é também uma forma de agressão. Agressão à inteligência alheia.
Fonte: Estadão
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