O 1º Fórum da Construção da revista O Empreiteiro colocou em debate as questões mais cruciais da infraestrutura brasileira, ao mesmo tempo em que apresentou subsídios para um Projeto de Nação
O fórum, promovido pela revista O Empreiteiro e a Totvs, em São Paulo, neste mês (outubro), abriu um importante espaço para que especialistas pudessem expor sua visão sobre o momento vivido pelo Brasil e sobre as prováveis perspectivas que se espera do futuro.
Entre os temas abordados estão:
– Desenvolvimento Brasil, Projeto de País para o 3o Milênio, com os palestrantes Rogério César Souza (economista-chefe do Iedi); Raul Velloso (economista), Frederico Poley (Diretor do Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro) e Laércio Consentino (presidente da Totvs).
– Ética na relações de mercado, com Anis Kfouri Júnior (presidente da comissão de fiscalização da qualidade do serviço público da OAB-SP) e Eduardo Capobianco (presidente da Transparência Brasil e vice-presidente do Grupo Construcap).
– As mudanças climáticas ao longo do tempo e as previsões possíveis, com Patrícia Madeira (meteorologista da Climatempo).
– Impacto das mudanças climáticas nas obras de engenharia, com Luiz Brandão (Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro) e Willy Alvarenga Lacerda (Instituto Geotécnico de Reabilitação de Encostas e Planícies).
– Habitação social, João Abukater Neto (diretor técnico do CDHU),
– Sustentabilidade, com Nelson Kawakami (Green Building Council Brasil).
– A experiência de sucesso de Barcelona, com Alex Giménez Imirizaldu (arquiteto e urbanista catalão)
– Construindo o legado da Copa 2014 e Olimpíada 2016, com Pedro da Luz Moreira, vice-presidente do IAB-RJ e José Roberto Bernasconi diretor da Maubertec e presidente da Sinaenco-SP.
Trajetória positiva
O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro vem apresentando uma evolução positiva, desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso até o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com acentuado incremento nos anos mais recentes.
Segundo Rogério César Souza, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvim
ento Industrial (Iedi) e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), observou-se uma tendência de crescimento consistente do índice, a não ser em 2009, em função da crise financeira internacional. Entretanto, as previsões para 2010 são otimistas. Só no primeiro semestre, o IBGE apontou um crescimento do PIB de 8,9%.
As taxas de variação anual foram de 5,7% (2004); 3,2% (2005); 4,0% (2006); 6,1% (2007); 5,1% (2008); e –0,2% (2009). Nos últimos quatro anos, a taxa média de evolução do PIB foi de 1,1% ao trimestre. Nesse panorama, o valor adicionado pela indústria brasileira cresceu, em média, a uma taxa de 0,9% ao trimestre nos últimos quatro anos, o que, segundo o economista, representa um índice histórico muito favorável para a economia do País.
O consumo das famílias apresentou, em média, aumentos de 1,5% ao trimestre nos últimos quatro anos, enquanto que os investimentos da economia brasileira tiveram um avanço de 2,2% ao trimestre, no mesmo período. O saldo positivo dos investimentos em relação ao consumo é um bom sinal, que deveria ser almejado e mantido nos próximos anos, segundo Rogério.
Ele lembra que, desde 2003, a participação dos investimentos no PIB vem numa expansão constante, chegando a 20,1% no terceiro trimestre de 2008 (quando sofreu interrupção momentânea, pela crise financeira internacional). Atualmente, nesse quesito, o País apresenta uma taxa aproximada de 18%, mas o ideal é que se atinja, até 2013, o patamar de 23,0% do PIB por trimestre.
Gastos crescem mais que investimentos
Outro aspecto importante, apontado pelo palestrante, é que o Brasil conquistou níveis de maturidade institucional e econômica reconhecidos internacionalmente. Isso se reflete, por exemplo, na queda expressiva do Risco Brasil (que teve um rápido pico na primeira eleição de Lula) e no crescimento dos negócios da Bolsa de Valores. O Ibovespa sofreu com a crise financeira internacional, mas, alcançou números recordes e vem mantendo altos patamares, mesmo durante o recente processo eleitoral vivido pelo País, que colocou na presidência a ex-ministra Dilma Rousseff.
Entre os problemas existentes, o economista aponta como preocupante as contas do governo. “O governo gasta muito e esse gasto tem sido crescente, em relação ao PIB. Em 2009, as despesas da administração pública federal atingiram 22,2% do PIB e o investimento público cresceu timidamente (4,37% do PIB), o que é muito pouco para atender às necessidades em infraestrutura”, comenta.
O saldo negativo da balança comercial da indústria brasileira de transformação, estimado em R$ 25 bilhões, atualmente, também é uma questão preocupante, pois indica uma grande diferença entre o que se exporta e o que se importa, nesse segmento importante da economia.
Rogério César de Souza também salienta que muitos produtos importados estão chegando ao Brasil a preços competitivos e que isso nem sempre acontece em função apenas dos baixos salários praticados pelos países de origem, como a China, mas também por causa da infraestrutura eficiente, da tributação baixa, etc.
Por outro lado, para ele, o desenvolvimento não pode ser dissociado das políticas macroeconômicas e dos avanços sociais na educação, saúde, na distribuição da renda e nas condições de moradia e de vida da população.
Um muro no caminho
O bom momento vivido pelo Brasil se reflete no crescimento econômico, na geração recorde de empregos e numa série de outros fatores positivos. Entretanto, conforme alerta Laércio Consentino, presidente da Totvs, se o País não se preparar adequadamente para o futuro, é bem provável que ele encontre, lá na frente, um muro e o choque será inevitável. “É preciso que se faça logo algo para tirar o muro de lá ou para providenciar uma passagem estratégica para a transposição desse muro”, alerta Consentino.
A imagem, criada por ele, prevê o que pode acontecer com o País se as providências necessárias não forem adotadas rapidamente, para suportar as demandas futuras do País, decorrentes do seu expressivo crescimento. Entre os exemplos dessas demandas, ele cita os eventos esportivos internacionais, como a Copa 2014 e a Olimpíada 2016, que representam oportunidades estratégicas para a renovação urbana das cidades brasileiras.
A ameaça dos gastos da União
O gasto da União é rígido, excessivo, desfocado e pouco eficiente, de acordo com o economista e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, no início dos anos 1990, Raul Velloso.
No que diz respeito ao rombo da Previdência, por exemplo, Velloso destaca que o INSS tem a maior parte (dois terços) dos seus gastos financiada com recursos de orçamento. Esses gastos, segundo ele, são saldados a “custos pesadíssimos”, oriundos dos impostos em geral. “Apenas um terço tem a cobertura das contribuições, propriamente ditas”, diz ele.
Esse é um problema muito complicado que, segundo Velloso, se agrava a cada dia e não tem sido levado em consideração pelos políticos brasileiros.
Esse é apenas um item, há muitos outros que são tão ou mais problemáticos. “Ou o País faz projeções razoáveis, numa perspectiva plurianual, para a maioria desses itens, e começa a discutir como deverá enfrentar essa realidade, daqui em diante, ou continuará administrando o dia a dia, se safando devagarzinho e esperando o ‘tal do muro’ que está lá na frente”, alerta Raul Velloso.
As mudanças populacionais
“O nosso País vem passando por transformações populacionais num ritmo muito acelerado”, de acordo com o economista Frederico Poley Martins Ferreira, diretor do Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro, órgão ligado à Secretaria do Planejamento e Gestão de Minas Gerais.
As mudanças populacionais, com destaque para a transformação da estrutura etária, por exemplo, têm impactos muito decisivos na identificação e estabelecimento de demandas e serviços para essa população. Os governos têm dificuldade para lidar com essas transformações, especialmente em função do ritmo em que elas vêm ocorrendo. Segundo ele, enquanto alguns países da Europa ocidental sofreram essas transformações ao longo de 150 anos, o Brasil mudou o perfil da sua população em apenas 60 anos.
Poley afirma que essa é, praticamente, uma revolução silenciosa, com consequências muito importantes, que não vêm recebendo a dev
ida atenção por parte dos políticos, autoridades governamentais e formuladores de políticas públicas. Nesse sentido, ele lembra que os investimentos e os tipos de serviços públicos (saúde, educação, infraestrutura, saneamento, etc.) também devem levar em consideração a estrutura etária da população de um país. Além do ritmo acelerado, o Brasil ainda acumula os problemas que historicamente deixaram de ser resolvidos.
Mudanças climáticas
A meteorologista da Climatempo, Patrícia Madeira, mestre na área de poluição atmosférica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), alerta para o impacto das mudanças climáticas no desenvolvimento do País. O aquecimento global é inegável e as diferentes regiões do Brasil estão sendo afetadas.
Segundo ela, o Sul sofre com inundações, vendavais e granizo. Na região Sudeste, além das inundações, há a ocorrência de deslizamentos com efeitos dramáticos como a morte de dezenas de pessoas. No Centro-Oeste, os incêndios são a cada ano mais crescentes, pois o período de estiagem vem aumentando. Já o Nordeste tem as secas prolongadas, somadas às inundações em épocas de chuvas intensas. No Norte, os incêndios florestais se intercalam com as inundações.
Paralelamente, o aumento da migração do campo para a cidade, concentrando a densidade demográfica, leva os centros urbanos a produzirem ilhas de calor que elevam as temperaturas em até três graus Celsius.
Esses fenômenos somados terão como consequência uma elevação de aridez nas regiões Norte e Nordeste, com diminuição das chuvas. Para o Centro-Oeste podem ocorrer mais eventos extremos de chuva e seca, com impactos no Pantanal e região do Cerrado; no Sul, altas taxas de evaporação e veranicos, com ondas de calor que podem afetar saúde, agricultura e geração de energia. Ou seja: o futuro reserva impactos climáticos negativos para o brasileiro.
O geólogo Luiz Brandão, gerente de geologia da Diretoria de Estudos e Projetos de Instituto de Geotécnica do Município do Rio de Janeiro(Geo Rio), e o eng. Willy Alvarenga Lacerda, ex-presidente da ABMS-Associação Brasileira de Mecânica de Solos, concordaram que os fenômenos climáticos necessitam de monitoramento permanente e de um programa de obras de prevenção de longo prazo, com a intervenção conjunta das três esferas de governo. Apontam para o sucesso do Geo Rio na estabilização de encostas no Rio de Janeiro e lembram que tal iniciativa poderia ser adotada em outros municípios brasileiros.
Willy salientou ainda que as obras preventivas são infinitamente mais baratas do que as verbas de socorro às vítimas, além da demora dos recursos em chegar às populações atingidas.
Habitação social
O diretor técnico da CDHU, João Abukater Neto, destaca a atuação da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo nas áreas de urbanização de favelas, regularização fundiária, melhoria da qualidade da habitação social e sustentabilidade, além de fornecer um panorama da situação dos domicílios no Estado. Entre janeiro de 2007, e outubro de 2010, a CDHU investiu R$ 1,99 bilhões vindos de 1% da arrecadação de ICMS no período, e entregou 64.993 unidades. Mais 53.926 apartamentos estão em construção. Segundo dados da estatal, 66,7% dos domicílio
s existentes são adequados, 22,9% inadequados e 10,4% são o déficit habitacional que corresponde a 1.217.550 moradias.
Copa 2014 e Olimpíada
O presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco), José Roberto Bernasconi afirma que o Brasil está atrasado em relação a outros países que sediaram Copas e que a sociedade só terá um legado se o fruto dos investimentos não forem estádios que virem “elefantes brancos”, por exemplo, e sim que toda a construção da infraestrutura traga mobilidade urbana, saneamento, energia, telecomunicações, segurança, saúde , no turismo, e a hotelaria tenha capacidade para deixar no mercado de trabalho uma melhor qualificação dos profissionais. Para ele, a falta de planejamento pode comprometer o legado futuro.
O arquiteto Pedro da Luz Moreira, vice-presidente do IAB-RJ, criticou as decisões tomadas em gabinete fechados sobre as obras de infraestrutura urbana nas cidades-sede da Copa do Mundo 2014, as quais não poderão contar com o metrô para transporte do público em nenhum estádio. “Os torcedores terão que se contentar em ir de ônibus(velhos na sua maioria), pelos corredores exclusivos, de capacidade limitada”.
Quanto à Olimpíada 2016 no Rio de Janeiro, citou a decisão equivocada do governo fluminense em construir o metrô até a Barra da Tijuca, quando a remodelação total do ramal ferroviário de Deodoro existente seria muito mais econômica e rápida.
Joseph Young, diretor da revista O Empreiteiro, mostrou como a ODA-Olympic Delivery Authority, instituída pelo governo britânico para implementar o projeto da Olimpíada 2012 em Londres, estruturou o longo processo de planejamento que começou com a contratação de um consórcio de empresas de engenharia de gerenciamento para coordenar os trabalhos.
Embora o orçamento original de 2003, calculado em 4 bilhões, tenha inflado para £ 9,3 bilhões em 2007, o cronograma das obras está em dia, com a entrega das principais instalações em 2011, seguido por um ano de eventos que servirão para testar sua operação.
Outro objetivo almejado pela Olimpíada é resgatar a área de East London, a mais estagnada da região metropolitana, onde 45% dos residentes vivem abaixo da linha de pobreza, contra a média de 22% da capital britânica. Neste local de 2,5 km2 , a taxa de emprego atinge apenas 56% e as obras do Parque Olímpico recrutaram entre os locais apenas 20% da mão de obra, de mais de 10 mil vagas. As autoridades envolvidas estão cientes de que será um longo processo, cuja primeira etapa se materializará com a Olimpíada 2012.
Um legado com efeitos prolongados
Barcelona, muitos anos depois de sediar os Jogos Olímpicos, continua a desfrutar dos benefícios do evento, como transformação da cidade em termos sociais, políticos e culturais, tornando-a um dos destinos europeus mais procurados.
“A Olimpíada não somente ensejou uma grande transformação na cidade, como também despertou nos habitantes um enorme interesse pela arquitetura e urbanismo que dura até hoje”, destaca o urbanista barcelonês Alejandro Gimenez.
A realização do evento esportivo teve como principais consequências aumento considerável de turistas na região que passou de dois milhões (1992) para sete milhões, 15 anos depois, e diminuição expressiva do índice de desemprego, que alcançava o limite de 20%, na época da candidatura para abrigar o evento.
Ao contrário de edições anteriores, como a de Montreal (1976), a capital da Catalunha não sofreu um forte impacto com dívidas. O financiamento requereu um esforço menor da cidade, já que houve um bom equilíbrio entre os setores público e privado. As verbas foram compostas por 27% de doações de patrocinadores, 33,3% de vendas de direito televisivo, 2,1% licenças de uso de imagem gráfica dos Jogos, 18,6% de títulos em venda de bilhetes de loteria e moedas e selos comemorativos, 5,5% de vendas de entradas e apenas 9% de fundos públicos.
O projeto urbanístico “Plan General de Ordenación Urbana Del Área Metropolitana de Barcelona”, elaborado em 1976, por Oriol Bohigas, foi alavancado pela Olimpíada e contribuiu para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos de Barcelona.
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