Brasil precisa reformular estratégia de aproximação com a China e investir
menos tempo e energia em sua política de "Terceiro Mundo"
O BRIC perdeu o R, por ora, com a grave recessão na Rússia, cuja economia deve contrair-se em 7,5% em 2009, e a recuperação pode levar algum tempo, dependendo dos preços do petróleo. A China vai puxar a retomada global, estimada em 2% pelo Banco Mundial em 2010, e responderá pela metade desse crescimento, após a contração mundial de 2,9% estimada para este ano. Brasil e Índia estão no mesmo embalo, guardadas as diferenças de cada um na economia e em suas políticas. China é um dos maiores importadores de commodities, enquanto Brasil e Rússia são exportadores. China é um dos proponentes da rodada Doha, enquanto Índia e Brasil mantêm, em relação a isso, uma posição cética. Brasil está longe das regiões sensíveis onde os outros três competem entre si e são rivais políticos.
O Banco Central do Brasil projetou em fins de junho uma alta no Produto Interno Bruto de 0,8% este ano, contra a estimativa dos analistas do mercado que apostam no índice zero ou até mesmo negativo, enquanto o Banco Mundial calcula uma queda de 1,1% no PIB. A entidade estima uma alta de 6.5% na economia chinesa em 2009, e 5,1% na economia da Índia.
A primeira reunião dos líderes do BRIC em Yekaterinburg (Rússia) em junho passado simboliza o deslocamento do poder econômico do Ocidente para os países emergentes, que a recessão global tende a acelerar. Até a virada do ano, os emergentes pareciam acoplados ao mergulho dos países industrializados, desmentindo analistas que haviam antecipado o descolamento do BRIC da trajetória do Ocidente.
Um estudo do Fundo Monetário Internacional apontava justamente esse fenômeno, mas sua publicação em meados de 2008 bateu de frente com a eclosão da crise global. Uma releitura desse estudo mostra que em 2000 os países em desenvolvimento somavam 37% do PIB mundial, em termos de paridade de poder de compra, e chegaram a 45% em 2008. A participação do BRIC elevou-se de 16 a 22%. Quase 60% desse aumento no período ocorreu nos países emergentes, com o BRIC respondendo por metade desse avanço.
Se essa curva de crescimento for consistente, significa que quase metade da economia mundial está em processo de retomada. Há indícios também de que o fluxo de comércio e investimentos sul-sul está se fortalecendo, mesmo com a recessão dos países ricos. A China e os países árabes do Golfo estão adquirindo milhões de hectares de terra cultivável na África e Ásia. A China substituiu os Estados Unidos como o principal mercado de exportação para o Brasil e formatou um financiamento de US$ 10 bilhões para a Petrobras.
As necessidades chinesas de matériaprima provavelmente explicam a alta de 36% nos preços de insumos minerais e metais em 2009, embora ninguém saiba se essa demanda crescente se sustente. Quais são os fatores que podem fortalecer este descolamento do BRIC dos países industrializados? Primeiro, a dependência de suas economias com relação às exportações é menor do que se supunha. O Brasil e a Índia têm menos de 15% do PIB atrelados às exportações, enquanto a China mantém 34%, incluídos aí os produtos importados por empresas locais e reexportados.
Nesse bloco, os sistemas financeiros também são mais regulados e ficaram protegidos dos caos financeiro iniciado nos EUA. Os governos relaxaram suas políticas fiscais e lançaram generosos programas de incentivos para O consumidor interno, além deinvestimentos maciços em infra-estrutura econstrução.
O tamanho dos mercados domésticos também fez a diferença nesse cenário complexo, porque absorvem parte da produção que deixa de ser exportada. É o caso dos automóveis brasileiros e dos eletrodomésticos de linha branca que ganharam redução do IPI e reacendeu o consumo.
O governo brasileiro usou os bancos estatais para forçar a redução de juros no mercado, com relativo sucesso, dando mais fôlego para os financiamentos ao consumidor final. A compra das carteiras dos bancos menores pelas instituições de primeira linha e outras medidas injetaram US$ 69 bilhõesno mercado de crédito. O governo liberou ainda mais recursos para os projetos contemplados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), embora sua aplicação efetiva ainda sofra com a burocracia interna da máquina estatal, e lançou as bases do projeto para construir 1 milhão de moradias, priorizando a população de baixa renda.
O pacote de estímulo da China foi o exemplo mais notório, com a rapidez das medidas governamentais. Bancos controlados pelo Estado foram utilizados para negociar o equivalente a US$ 800 bilhões de empréstimos no mercado no 1º trimestre deste ano, mais do que todo o ano de 2008.
Isso está provocando uma nova onda de investimentos e de consumo. O número de carros vendidos na China igualou-se ao dos EUA, comparado ao dobro que os americanos compravam em 2006.
A força da economia indiana também está no seu mercado doméstico, onde desponta o exemplo do automóvel Nano, e na sua política cautelosa de semi-liberalização: não depender demais do capital externo, nem do consumidor de fora. Quando o crédito global evaporou-se na crise, as empresas indianas se valeram da poupança doméstica, que alcança quase 38% do PIB, tomando recursos dos bancos estatais que entesouram quase 70% dos ativos do setor financeiro.
Um grave senão na Índia é sua política fiscal, com aumentos generosos para o funcionalismo público, cancelamento da d&ia
cute;vida dos pequenos agricultores, e a expansão do sistema de assistência social no campo. Essas medidas tomadas antes da crise global garantiu a vitória do governo nas eleições recentes, mas abriu um rombo nas contas públicas. O feliz eleitor indiano aparentemente não está preocupado com este detalhe.
A questão colocada pelos analistas é quanto tempo a economia do BRIC vai suportar esses programas de estímulo e se os benefícios serão duradouros. O estudo do Banco Mundial publicado em 2008 revela que no principio daquele ano, a maior parte dos investimentos originava-se do setor privado nesses países. Já no final de 2008 esse fluxo de recursos partiu das empresas públicas e do governo. Em médio prazo, calculasse que a participação do governo e empresas públicas na economia vai se ampliar de forma expressiva.
A China, o Brasil e a Índia acumularam divisas com a preferência crescente dos americanos pelos produtos importados – que se acelerou de 2000 a 2008. Esse hábito foi abandonado agora e não se acredita que ocorra uma reincidência nos anos futuros. Algo parecido ocorre também na comunidade uropéia. O encolhimento do mercado externo vai exigir que os governos do BRIC assumam o papel de prover o fluxo de capital necessário – aumentando sua importância na economia. A história mostra que esse fenômeno era inevitável – os países ocidentais assistiram à expansão contínua do governo na economia até alcançar algo em torno de 50% do PIB. O BRIC parece estar trilhando o mesmo caminho.
Fonte: Estadão
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