O maior desafio é transformar os estádios em equipamentos urbanos permanentes
e evitar equívocos como os que ocorreram nas instalações para os
Jogos Pan-americanos de 2007 no Rio de Janeiro
Sem grandes surpresas, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) estabeleceu as cidades brasileiras que receberão os jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014. A seleção verde-amarela estará formada por Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
Pode-se dizer que os "jogadores" (cidades) escolhidos estão realmente entre os mais qualificados e, até certo ponto, preparados para enfrentar o desafio de representar o País nesse que é um dos maiores eventos desportivos do planeta. São cidades que já possuem um mínimo de infraestrutura para recepcionar os times competidores, suas delegações e os milhares de turistas que serão atraídos pelo evento. Mas a pré-qualificação não as dispensa da necessidade de realizar novos investimentos e obras de infraestrutura, principalmente de transportes.
A responsabilidade é muito grande. O mundo estará de olho em todos os lances desse evento. Cada jogada será acompanhada, cada ponto da organização será registrado e cada investimento será testado, seja em infraestrutura, segurança ou conforto para os turistas, equipes e torcedores. Números da C.A. indicam que cada um dos jogos da última Copa, realizada na Alemanha, foi assistido pela TV por cerca de 560 milhões de pessoas de 240 países diferentes. No acumulado, 30 bilhões de telespectadores acompanharam a Copa Alemã de 2006. Comparativamente, por exemplo, as Olimpíadas de Pequim de 2008 atraíram apenas 4,4 bilhões de espectadores em todo o mundo.
Além da preparação do País e das cidades-sede para hospedar esse megaevento, o Brasil também será observado muito de perto no que diz respeito ao seu desempenho esportivo. Afinal, o "país do futebol" não poderá fazer feio em seu próprio território, em que pese a triste e trágica memória da Copa de 1950, na qual o escrete canarinho deixou escapar o "caneco" ao perder para o Uruguai, na última hora, em pleno Estádio do Maracanã. Naquela ocasião, o futebol fez jus plenamente ao chavão de que "é uma caixinha de surpresas".
Fato positivo
Com o invejável currículo de ter acompanhado pessoalmente nada menos que 14 Copas do Mundo, o veterano, experiente e competente jornalista esportivo Orlando Duarte vê com bons olhos a realização do certame no Brasil: "Eu, ao contrário do que alguns pensam, só vejo coisas positivas. Se tivermos obras – e teremos – quem ganha é a construção civil e o operariado, porque haverá, certamente, um movimento produtivo intenso em torno dessas obras. O turismo será incrementado, porque virão para o Brasil pessoas de todos os países do mundo, aumentando a demanda por hotéis, restaurantes, serviços, transporte aéreo e terrestre e comércio em geral".
Embasado nas muitas copas que já viu, Orlando destaca que foram poucos os países que realmente construíram estádios especificamente para a competição. Historicamente, a maioria deles adaptou ou reformou o que já existia. Entre os que mais investiram, o jornalista destaca a Coréia do Sul e o Japão, que construíram sofisticadas instalações com uso exagerado de tecnologia, para a Copa do Mundo de 2002.
Embora o Brasil possa apresentar deficiências, que evidentemente deverão ser sanadas, Orlando acredita que o País tem as praças esportivas necessárias e suficientes para abrigar os jogos e que as cidades-sede também estão aptas para receber esse grande evento esportivo e poderão muito bem se beneficiar, posteriormente, das obras que serão desenvolvidas.
No aspecto esportivo, o jornalista lembra que o Brasil é o único país que conquistou todos os seus cinco títulos mundiais fora do próprio território. Esse, segundo ele, ainda é um feito inédito, na história da Copa do Mundo. "Quando o campeonato foi realizado aqui, em 1950, nós perdemos. Mas, naquela ocasião, nós construímos o Maracanã, o maior estádio do mundo. Era um período de pós-guerra, em que o mundo vivia uma enorme crise econômica. Na Europa, nenhum país tinha condições de assumir esse compromisso. Ficou então por conta do Brasil que, longe de ser uma potência econômica, conseguiu se desincumbir a contento dessa missão", analisa o jornalista.
Dificuldades
Não tão otimista quanto Orlando Duarte, mas certamente confiante de que o País reúne condições para encarar o desafio de hospedar uma Copa do Mundo de Futebol, desde que arregace as mangas e comece logo a trabalhar, o Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) vem estudando tecnicamente o assunto há algum tempo.
A entidade já publicou, inclusive, alguns trabalhos analíticos sobre as condições dos estádios brasileiros, apontando seus principais problemas, com o objetivo de indicar o caminho para que se atenda tanto às exigências da Fifa quanto às necessidades de se garantir conforto, qualidade e segurança para os frequentadores dessas praças esportivas.
Mais do que isso, o Sinaenco também está preocupado com as demandas de obras de infraestrutura necessárias para a copa em setores como transportes, energia, telecomunicação, saneamento, hotelaria, saúde e educação. Com essa ênfase, o presidente nacional do sindicato, José Roberto Bernasconi, destaca "a urgência para o desenvolvimento de planos e projetos executivos, de forma que as obras realizadas para o evento esportivo fiquem como legados para a sociedade e não se transformem em elefantes brancos".
Bernasconi, afirma que serão necessários cerca de R$ 100 bilhões em investimentos pú
blicos e privados para a realização da Copa 2014. "É fundamental discutir as necessidades de investimentos e o cronograma das obras para o mundial. É essencial destacar também a importância do planejamento e da contratação de projetos executivos para a realização de obras de qualidade, que são imprescindíveis ao evento e que devem cons tituir um legado para a sociedade pós-copa". Segundo Bernasconi o mundial da Fifa é uma das maiores oportunidades da história para melhorar a infraestrutura das cidades e que o Brasil não poderá perder esta chance. "O mundial pode ser uma excelente vitrine ou uma frágil vidraça. Devemos decidir qual o Brasil que queremos em 2015", ressalta o presidente do Sinaenco.
O medo é que os empreendimentos e os investimentos, após a copa, sejam mal ou pouco aproveitados. E, mais do que isso, que os orçamentos acabem por escapar do controle, a exemplo do que aconteceu com os jogos Pan-Americanos do Rio-2007. Inicialmente, previa-se um aporte financeiro de cerca de R$ 400 milhões, entretanto, o evento acabou custando R$ 3,6 bilhões aos cofres públicos.
De acordo com o ministro do Esporte Orlando Silva Jr., entretanto, para evitar que isso também aconteça com a Copa do Mundo de Futebol e que a União tenha de cobrir os gastos assumidos por estados e municípios, os diversos níveis de governo terão de discriminar, por meio de contrato com a Fifa, quais serão suas obrigações para a realização do evento.
O Sinaenco, segundo Bernasconi, desde 2007, vem insistindo sobre a necessidade de se antecipar o planejamento e desenvolver os projetos básicos e executivos para a Copa 2014. Isso deveria estar pronto, segundo a entidade, até o início de 2010. "Infelizmente, esse cronograma já está atrasado, em função de uma série de postergações nos vários níveis de governo", constata o presidente da entidade.
Com o recente anúncio das cidadessede, Bernasconi enfatiza a importância de se desenvolver rápida e eficientemente os projetos de cada estádio, praça, rodovia ou aeroporto, entre outras obras que serão fundamentais para a realização do evento esportivo. Segundo ele, em função do atraso, "a arquitetura e a engenharia consultiva brasileira correm o grave risco de verem escritórios estrangeiros serem contratados, às pressas e sem licitação, sob a alegação de que já têm experiência no projeto de estádiospadrão da Fifa".
O sindicato, de acordo com a publicação da entidade Vitrine ou Vidraça – Desafios do Brasil para a Copa de 2014, gostaria que o exemplo da Espanha fosse seguido pelo Brasil. Aquele país, a partir de 1985, vislumbrando a realização das Olimpíadas de 1992, desenvolveu um plano estratégico visando à sua inserção no mundo globalizado, elegendo como datamarco o ano de 1992 (quinto centenário da descoberta da América). Como resultado, ressalta o documento, no ano escolhido, Madri foi capital cultural da Europa, Sevilha foi sede da Exposição Universal e Barcelona, a sede das Olimpíadas. O resultado é que a Espanha renovou sua infraestrutura e a economia foi substancialmente incrementada, tanto que hoje o país recebe 40 milhões de turistas/ano e exibe uma renda per capita de US$ 27 mil.
Em contrapartida ao exemplo espanhol tão bem-sucedido, pode-se citar o planejamento equivocado no caso da China, que fez do estádio Ninho de Pássaro sua maior obra e símbolo dos Jogos Olímpicos de Pequim. O empreendimento consumiu quatro anos de trabalho e cerca de US$ 500 milhões para ser concluído, e, no entanto, passados os jogos, apresenta grande ociosidade na maior parte do tempo. No decorrer deste ano, estão previstos apenas dez eventos para essa praça esportiva.
Infraestrutura urbana
O mesmo documento do Sinaenco também lista uma série de desafios que o Brasil deverá enfrentar para a realização da Copa 2014. O primeiro deles refere-se à viabilização de estádios ou arenas multiuso que atendam plenamente aos requisitos do Manual da Fifa. Condição essa que extrapolaa obra propriamente dita e se expande para a viabilização econômica desses equipamentos como empreendimento privado ou, no máximo, como parceria público-privada, já que o governo federal tem dito reiteradamente que não destinará recursos federais para a construção de estádios.
Assim sendo, um empreendimento privado pressupõe o retorno dos investimentos aplicados, o que só poderá ser concretizado se a arena, além de acolher jogos, também apresentar condições de ser alugada para shows em geral e outros eventos diversificados. No que diz respeito exclusivamente a partidas de futebol, muitas capitais brasileiras não têm a demanda mínima de jogos (60 por ano, com metade da lotação total e ingresso com preço médio de R$ 30,00) necessária para tornar os estádios sustentáveis financeiramente.
Outro importante desafio apontado pelo estudo do Sinaenco tem a ver a melhoria da infraestrutura urbana e regional das cidades-sede da Copa 2014. O acentuado afluxo de turistas para ver a Copa 2014 exigirá, de imediato, melhoria aeroportuária e ampliação da rede hoteleira. É bom que se lembre que o evento, se bem sucedido, implicará aumento da procura de turistas mesmo depois da Copa.
Os setores de energia e telecomunicações também passarão por um teste rigoroso teste de competência e qualidade de serviços e tudo deverá funcionar a contento. Uma falha, por pequena que seja, na transmissão de um jogo importante, refletiria negativamente na imagem do País para todo o mundo.
Em função do incremento da demanda provocada pelos turistas, nacionais e estrangeiros, as cidades também deverão priorizar o aprimoramento da mobilidade urbana, ou seja, transporte de massa, uma necessidade que já vem de longa data e poderá ser atendida, mesmo que parcialmente, com o advento da Copa. Nesse sentido, algumas cidades já estão anunciando seus investimentos nesse quesito. Resta ainda os problemas de policiamento e segurança.
São Paulo líder em recursos
O governador José Serra e o prefeito Gilberto Kassab já apregoam, aos quatro ventos, previsão recorde de investimentos, se comparados com os demais estados. Nos próximos cinco anos, pretende-se investir R$ 32 bilhões na cidade de São Paulo, que deverão atender, entre outras, algumas das demandas mais importantes de infraestrutura, com obras da Linha 5 do Metrô (que passará a 1.20 metros do estádio do Morumbi) e do Rodoanel, a expansão do sistema metroviário de trens urbanos daCompanhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), em toda região da Grande São Paulo, com acesso a todas as direções, incluindo os aeroportos.
No caso específico do trecho Sul do Rodoanel ário Covas, somado ao trecho Oeste, a obra permitirá a interligação das rodovias Bandeirantes, Anhangüera, Castello Branco, Raposo Tavares, Régis
Bittencourt, Imigrantes e Anchieta. Só essa obra, sob responsabilidade da Dersa, que é coordenada pela Secretaria de Estado de Transportes, tem investimento previsto em R$ 4,18 bilhões.
O trecho Sul, que deverá ficar pronto em 2010, tem 61,4 km de extensão, sendo 57 km de pista e 4,4 km de vias, em Mauá. O tráfego na capital e Região Metropolitana de São Paulo será favorecido com a ampliação viária de Mauá, onde a avenida Papa João XXIII será duplicada para receber o tráfego proveniente do Rodoanel. Com a prevista extensão da avenida Jacu-Pêssego, será ampliado o acesso às rodovias Ayrton Senna e Dutra e ao Aeroporto Internacional de Cumbica.
Com o trecho Sul, segundo o governo do estado, o trânsito de São Paulo terá uma redução de 47% do movimento de caminhões na marginal Pinheiros, 43% na avenida Bandeirantes e redução de 12% no transporte de cargas.
Recentemente, o estado e a prefeitura anunciaram também uma série de intervenções na Marginal Tietê, uma das principais vias de tráfego da capital paulista, com destaque para a construção de novas pistas, pontes e viadutos e mudanças para reduzir gargalos e congestionamentos. Com isso, o governo e a prefeitura esperam que o tempo das viagens seja reduzido em 35%.
O projeto prevê que serão ampliados de cada lado 23 km de pistas, criando-se três novas faixas, além da construção de sete obras de artes especiais, sendo quatro novas pontes (Complexo Bandeiras, Cruzeiro do Sul, Tatuapé e Complexo Dutra/ Castelo Branco) e três viadutos para melhorar a fluidez das vias local, auxiliar e expressa.
O empreendimento total está orçado em R$ 1,3 bilhão e terá investimentos do governo do estado e das concessionárias que administram as rodovias Bandeirantes/Anhanguera e Ayrton Senna/Carvalho Pinto. A previsão de conclusão das pistas auxiliares é para março de 2010 e dos complexos/obras de arte, outubro de 2010. A Dersa, em conjunto com a CET, está desenvolvendo um plano de monitoramento e desvios para minimizar os impactos no trânsito durante a execução das obras.
A construção da Nova Marginal será dividida em três trechos. Um de responsabilidade da Dersa, que vai do viaduto da CPTM (região da Lapa) até a confluência com a rua Ulisses Cruz, no Tatuapé, num total de 15,2 km. A concessionária AutoBan é responsável pelo trecho de 4 km, que vai do viaduto da CPTM até o Cebolão (rodovia Anhanguera). Já a concessionária do grupo Ecorodovias, que assumirá a rodovia Ayrton Senna, será responsável pelo trecho do Tatuapé à rodovia, no total de 3,5 km.
Atualmente, a marginal Tietê apresenta filas de congestionamento de 30 km, em média, nos períodos de pico, representando 25% do total de congestionamento medido na cidade de São Paulo. Para se ter uma idéia, o desperdício de tempo significa 1,7 milhão de horas/ano e o de combustível, 1,5 milhão de litros/ano. Junto com o Rodoanel e o Complexo Anhanguera, a Nova Marginal pretende aliviar o trânsito nas principais interligações de bairros de São Paulo e evitar o trânsito de veículos de passagem por bairros e o centro da cidade. Entre os benefícios indiretos da obra está a criação de 2 mil empregos diretos e 6 mil indiretos.
O programa de compensação ambiental prevê o plantio de cerca de 83 mil árvores ao longo da marginal e vias de acesso, com melhoria de todo o calçamento existente. Haverá investimento no Programa Várzeas do Tietê (vinculado à Secretaria de Energia e Saneamento), com objetivo de preservação da área, incluindo a execução de ciclovia, como também estrada parque ao longo de 23,3 km de extensão, com os seguintes medidas:
- Reassentamento das famílias ao longo da várzea do Tietê, como também controle das vazões do trecho de jusante do rio;
- Melhoria das condições ambientais na área de intervenção (implantação de sistemas de saneamento / intervenções hidráulica e recuperação ambiental);
- Criação de opções de lazer, cultura, turismo, educação e prática de esportes para a população dos municípios lindeiros (implantação de parques);
- Garantia de sustentabilidade ambiental e econômica mediante a criação de unidade de conservação, como também o plantio de 65 mil árvores.
Das intervenções estruturais que serão feitas na Região Metropolitana de São Paulo, as mais expressivas referem-se à mobilidade urbana e transporte público, totalizando R$ 27,381 bilhões. São elas:
Fonte: Estadão
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