O termo nem sempre diz coisa com coisa. Pode ser uma referência estática. Está ali, mas pode não ter significado maior na vida do paulistano. Só será importante, na medida em que o envolva. Represente solução para o mais grave problema da cidade: permitir que ela ande; que todas as ruas e avenidas e todos os demais espaços urbanos não se transformem em um imenso e permanente estacionamento em todas as horas do dia. A beleza pode ter efeito apenas estético, se não representar solução para a necessidade que a justificou.

É por isso que o espectador anônimo da inauguração da ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira comenta: “Cartão postal? E daí? Ela é uma solução urbanística?” Pode ser e pode não ser.

Ninguém coloca em dúvida a beleza da engenhosa obra que amarra em um só nó estético arquitetura e cálculo estrutural. A capacidade do mestre Catão Francisco Ribeiro aliada aoss cuidados formais delineados pelo arquiteto João Valente. Obra dessa natureza, que adota tabuleiros centrais sobrepostos, estaiados e em curva, não é para diletantes; somente para profissionais com quilômetros de estudos e experiências em pontes do gênero aqui e no mundo.

O reconhecimento, extensivo aos construtores e ao engenheiro Norberto Durant (Emurb), considera os operários, dentre eles, o operador da grua que movimentou gente e materiais, a 140 m de altura. Eram trabalhadores preparados para suportar o vento, o sol, a chuva e o medo. E suportar, sobretudo, a fedentina do canal do rio Pinheiros. O canal de esgoto que envergonha o paulistano e pode até deslustrar aquela obra de arte.

Agora, a obra precisa ser complementada. É parte de um complexo viário – o Real Parque. Teoricamente tende a reduzir em até 45 minutos o tempo de viagem do motorista que utiliza a marginal para alcançar os diversos bairros da zona sul.

Mas o receio dos paulistanos procede. Ele teme que, depois do cartão postal em funcionamento, os administradores durmam sobre as próprias glórias ou as glórias alheias. E as complementações fiquem para as calendas, como tantas obras ficaram. O receio tem outras raízes, dentre elas, a exclusão.

A tendência tem sido a seguinte: entregue uma obra – e mesmo na fase até de pré-planejamento – a população do entorno é induzida, a ferro e fogo – a mudar-se para lá longe, se possível, para os confins da periferia mais remota. E, de lá, continuará a ser excluída, caso a cidade, um dia, com suas obras, a rigor, projetadas para resolver problemas pontuais, lhe chegue aos calcanhares. É como a sátira de Bocage: “Fugiria mundos e mundos. E dos mundos lá no fim, cairia fora dos mundos, se te visse olhar pra mim”.

Não chegaria ao extremo de dizer que os cartões postais são dispensáveis. Alguns que vemos aí pelo mundo são até detestáveis. A ponte estaiada molda um perfil de beleza, transpondo um símbolo da miséria urbana, o rio Pinheiros, do ponto de vista de saneamento. Mas a sua importância desaparecerá, caso não se dê mais um passo para a melhoria geral do sistema viário paulistano.

A cidade precisa organizar-se a fim de superar a fase das soluções pontuais e não continuar refém das improvisações. Com a desculpa de deixar para amanhã o que deveria ter sido feito no século passado, ela caminha às pressas, sobre quatro rodas, para o congestionamento total. E, aí, não haverá cartão postal que dê jeito.

Fonte: Estadão