Nildo Carlos Oliveira

A corrupção tem várias faces. Uma delas é a covardia. Uma covardia tão ou mais grave do que aquela do capitão do Costa Concordia, Francesco Schettino, que se escafedeu do navio abandonando para trás, com a rapidez de um rato, tripulantes e passageiros, o que provocou a frase célebre: “Volte a bordo, agora sou eu que estou mandando”.

A reflexão vem à tona por conta do relatório de inspeção divulgado pelo presidente do Crea-RJ, Agostinho Guerreiro, com informações técnicas sobre o que foi feito e, em especial, sobre o que não foi feito, depois das chuvas do ano passado que levaram destruição e morte a diversos municípios da região serrana do Rio de Janeiro.

Órgãos de governos estadual e federal liberam recursos para algumas prioridades: reconstrução de casas, pontes, viadutos, ruas, avenidas, praças, postos de saúde, hospitais e escolas. As denúncias são de que, em alguns dos municípios afetados pelas inundações de amplas áreas e deslizamentos de terra e pedras, nas encostas, nem sequer 10% das obras programadas puderam ser concluídas.

E, por que as obras não foram feitas?  Porque alguns prefeitos resolveram colocar o dinheiro público no bolso, deixando de aplicá-lo em favor de milhares de famílias sem teto e sem condições mínimas de subsistência. Praticaram, portanto, um ato de covardia tão abominável, quanto aquele praticado na escuridão do navio, pelo capital Schettino. 

O colunista da Folha de S. Paulo, Contardo Calligaris, lembra, comentando o episódio do Costa Concordia, a frase de Hamlet: “O covarde morre mil vezes, enquanto o corajoso morre uma vez só.” Pois bem. Os corruptos, que matam covardemente, de fome e miséria, milhares de pessoas por aqui, e que deveriam morrer mil vezes, invariavelmente nem sequer vão presos.  O capitão covarde está na cadeia.

O espaço da Cracolândia. E outros espaços urbanos
A ação policial e outras ações paralelas estão chegando tarde ao espaço em que ficou confinada a Cracolândia. Estão chegando tarde e jamais deveriam ter chegado. A administração pública deixou, ao longo dos anos, que aquele vazio urbano começasse a ser ocupado anárquica e equivocadamente. O resultado é aquela multidão de seres humanos manipulados pelo negócio da droga.

No fundo, o problema é de raiz. Faltou organizar a cidade para evitar que o bem público acabasse sob o domínio da degenerescência social. E não houve orientação da administração pública, para bloquear o problema, ainda a tempo de resolvê-lo, antes que ele se alastrasse e adquirisse as proporções que hoje a gente vê in loco e no vídeo. De repente, a dimensão é de tal ordem, que a solução passa a exigir uma operação de tamanho federal, com as consequências metastésicas previsíveis.

Nenhuma área urbana, desocupada por conta do avanço da cidade para outras regiões, deve ser abandonada. O planejamento da cidade deve estar atento para analisar e colocar em prática outros tipos e usos de ocupação. No caso da área da Cracolândia, a administração fechou os olhos para o geral e deixou que a ocupação predatória se encarregasse de deteriorá-la. Alguns projetos pontuais, que saíram do papel depois da desativação da antiga rodoviária, apenas douraram a pílula. O problema poderia ter sido resolvido ainda nos primórdios de sua feição social. Quando ele se torna argumento para operação policial expõe a constatação de que a administração pública foi incompetente. E chegou com atraso.

Outros espaços urbanos que vêm criando sérios riscos para a cidade, sobretudo para a sua mobilidade, são aqueles sob os viadutos, de que é exemplo o Viaduto da Pompéia. É necessário que a administração pública dê a esses espaços alguma utilidade adequada para prevenir deterioração e desastres.

Fonte: Padrão