Imagem do governo sai embaçada do encontro com os construtores
A medida presidencial que zerou a Cide-Combustível, a adoção do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) e o ritmo lento das obras do PAC 2 provocaram críticas dos construtores ao governo na reunião da Comissão de Obras Públicas da CBIC
Nildo Carlos Oliveira
O 84º Encontro Nacional da Industria da Construção (Enic), realizado de 27 a 29 deste mês em Belo Horizonte (MG), trouxe uma série de novas informações técnicas, políticas e econômicas sobre a importância setorial dessa atividade no PIB brasileiro. Ele é apontado como responsável por 5,8% do PIB nacional enquanto a construção civil, em seu conjunto, responde, por 41% dos investimentos fixos no País, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mas, se de um lado o setor se revela com tal importância na macroeconomia, de outro parece que não vem merecendo, por parte do governo, o reconhecimento que ele deveria merecer. E, o mal-estar ocasionado pelo que o governo fala, em relação ao que pratica, poderá ter desdobramentos futuros, caso algumas das medidas que ele tem adotado não venham a ser revistas.
Esse clima ficou evidente na reunião da Comissão de Obras Públicas, Privatizações e Concessões (COP), da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), durante e posteriormente à participação do secretário do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Maurício Muniz Barretto de Carvalho. Ele apresentou um vídeo mostrando os investimentos e as obras do PAC 1 e do PAC 2, com diversos empreendimentos em curso na área da infraestrutura.
Embora admitisse, depois, que muitas dessas obras, sobretudo a Transposição do Rio São Francisco, estão com ritmo lento, começou a receber críticas de representantes de entidades da construção civil da Paraíba e de Pernambuco. O representante do Sinduscon da Paraíba, por exemplo, chegou a dizer que as informações oficiais, ali apresentadas, não condiziam com a realidade dos fatos. “São falácias”, comentaram outros participantes. Gustavo Miranda, presidente do Sinduscon-PE, informou que, mesmo que as obras principais da Transposição venham a ser concluídas, muita água ainda terá de correr até que sejam construídas as obras adicionais para levá-la, centenas de quilômetros adiante, até o destino final.
A Cide-Combustível e o RDC
José Alberto Pereira Ribeiro, presidente da Associação Nacional de Obras Rodoviárias (Aneor) criticou, na mesma sessão, a medida presidencial que zerou a Cibe-Combustível. A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico resultou de um cuidadoso trabalho de vários anos, em especial da Aneor, em defesa de recursos vinculados para a infraestrutura dos transportes, incluindo manutenção, conservações e aberturas de novas rodovias. E, a partir da Lei 10.336, de 19 de dezembro de 2001, que criou essa contribuição, o panorama em favor da infraestrutura de transportes, começou a mudar. Hoje, zerar a Cide, significa desviar um volume da ordem de R$ 7,4 bilhões daquela destinação específica.
O representante do governo, Maurício Muniz, até argumentou que as obras do PAC independem dos recursos da Cide. Contudo, com as obras do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) paralisadas, e, agora, com a incerteza gerada por conta da falta dos recursos da Cide, as empresas que operam obras rodoviárias se sentem “sem os pés no chão”.
José Alberto Ribeiro considera que, se tal medida não for revista, todo um trabalho de convencimento, análises econômicas e de gestões junto ao governo e de aglutinação das entidades em favor de recursos específicos para a infraestrutura de transportes, será um grande retrocesso que resultará em imenso prejuízo para as empresas que investiram em homens e máquinas para tocar as obras rodoviárias. No fundo, o governo, zerando a Cide, deu um tiro no pé.
Maurício Muniz, ao ponderar sobre atrasos das obras do PAC, abriu um novo flanco para as críticas dos construtores. Ele disse que muitos dos atrasos poderiam ser atribuídos à qualidade dos projetos . Tal afirmação levou o engenheiro José Roberto Bernasconi, do Sinaenco-SP, a rebater: “A má qualidade do projeto é consequência direta da má qualidade da contratação”. Ele salientou que tudo tem o seu tempo: tempo de projetar e tempo de construir. E que o projetista, para elaborar um projeto, precisa que lhes sejam oferecidos os meios necessários mínimos para visitar os locais da obra que deverá ser projetada. Recorrendo a uma metáfora, disse: “Hoje, em muitos casos, não é dado ao projetista sequer a oportunidade de conhecer o paciente”.
Bernasconi criticou a adoção do Regime Diferenciado de Contratações (RDC), segundo ele, um retrocesso em relação à Lei 8.666, promulgada em 1993. Nessa crítica foi secundado pelo ex-presidente da CBIC, Luiz Roberto Andrade Ponte, para quem o RDC vem reproduzir, no regime de contratação de obras, “toda aquela iniquidade que condenamos no passado e que foi o motivo da elaboração da 8.666”.
Crescimento setorial
A construção civil, no Brasil, pelos dados coligidos pelo IBGE, representa 21% do Produto Interno Bruto da indústria nacional. Possui mais de 3 milhões de trabalhadores formais em todo o País e registrou, no primeiro trimestre deste ano, em relação aos três últimos meses de 2011, um crescimento de 1,5%.
O presidente da CBIC, Paulo Safady Simão, ressaltou, no encontro, que para a melhoria do nível do crescimento do País, é preciso elevar a proporção de investimento em relação ao PIB. “Ao invés de caminharmos para a relação investimento/PIB de 25%, que é considerado o necessário para um desenvolvimento sustentado de nossa economia, assistimos hoje a uma queda dos investimentos do patamar de 20 % para 18,7 %. O nosso setor, que responde por quase metade dos investimentos, pode contribuir significativamente para reverter esta equação”, afirmou.
Analisando o atual quadro econômico, alguns construtores consideram que a construção civil continua, sim, a deslanchar positivamente. Mas isto acontece porque as empresas vêm executando empreendimentos já contratados. O importante, segundo eles, é verificar se depois de cumpridos os atuais contratos, o mercado prosseguirá ensejando a oportunidade para a contratação de novos empreendimentos. Só a partir de então poderão ser avaliados os reflexos da crise externa no comportamento setorial.
A situação na infraestrutura é diferente
: as obras rodoviárias, que concentram número expressivo de empresas e trabalhadores, estão paralisadas por conta dos problemas surgidos no Dnit no ano passado. Contudo, a medida do governo, que zerou a Cide-Combustível, poderá agravar esse quadro. E o Brasil carece de novas perspectivas de obras, numa escala permanente, além daquelas previstas para a Copa de 2014 e para a Olimpíada de 2016.
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