Guilherme Azevedo, Joás Ferreira e Tatiana Bertolim

As opiniões de especialistas em infraestrutura de transportes sobre o trem de alta velocidade (TAV) brasileiro se dividem entre o fato de que a iniciativa não deveria ser prioridade do governo e a necessidade de melhoria do projeto de implantação do meio de transporte.
Frente ao nível de degradação e precariedade a que chegou a infraestrutura brasileira, o consultor em transporte Josef Barat diz que um investimento como o que se prevê para o trem de alta velocidade “soa como supérfluo e desnecessário, porque há outras prioridades importantes”.
Para ele, não se deve comparar a iniciativa do TAV com as demais demandas existentes no País. “O dilema não é esse. O dilema é a questão do transporte de carga, principalmente o ferroviário, diante de um investimento que, no final das contas, só vai favorecer o transporte de passageiros. Mesmo que ele favoreça um traçado densamente povoado, o volume da demanda é relativamente pequeno”, argumenta Barat.
A prioridade, na visão do consultor, deveria ser o investimento pesado na infraestrutura, nas instalações de apoio e no sistema multimodal que possa ser promovido pela ferrovia. O País, segundo ele, tem de ver “a ferrovia como um segmento importante para escoamento da produção, barateamento do abastecimento interno de mercadorias e ampliação da competitividade das exportações. A ferrovia deve ser vista como um instrumento de apoio ao desenvolvimento econômico e à melhoria da competitividade”.
A viabilização e a sustentabilidade econômica do TAV, segundo ele, são muito complicadas: “Tanto assim, que o governo já teve de adiar por várias vezes a licitação das obras. Isso em função de que ele não é essa maravilha que se apregoa, porque representa um risco muito grande. Para mitigar esse risco, o governo entra com uma série de facilidades. No final, se as coisas ficarem muito difíceis, ele vai acabar tendo de subsidiar”.

Saturação da ligação Rio-São Paulo

O empresário Guilherme Quintella é um dos principais estudiosos de transporte ferroviário no Brasil. De acordo com ele, o trem de alta velocidade tem algumas condicionantes importantes no Brasil. “Nós temos o problema da malha entre Rio e São Paulo, que está próxima de uma saturação. E as alternativas para atender a essa demanda?”, pergunta.
A ampliação rodoviária não é a melhor solução, de acordo com ele. “Vamos para uma solução aérea. Na alternativa aeroviária também não se tem como aumentar a demanda. A outra opção é fazer um sistema ferroviário que não seja de alta velocidade. Um sistema que ande a 200 km/h ou pouco menos que isso, em que o investimento inicial é menor, mas a conta do projeto é muito maior. Não faz o menor sentido imaginar que é melhor fazer um trem rápido que não seja o atualizado. Ou se faz o adequado ou não se faz”.
O especialista sugere que o governo faça um detalhamento maior do projeto para que não subsistam dúvidas sobre a iniciativa. “Ou que exista não o projeto como o que é apresentado hoje, entre R$ 30 bilhões e R$ 60 bilhões. Não pode ser 100 ou 200, hipoteticamente, porque não inspira nenhum tipo de confiança”, expõe.
Também entrevistado pela revista O Empreiteiro, o economista Roberto Macedo, crítico contumaz do TAV brasileiro, reitera sua opinião em relação ao projeto, dizendo taxativamente: “Sou cada vez mais contrário”. Ele afirma que a iniciativa é “muito cara e inoportuna em face de outras prioridades, como os metrôs e a melhoria da precária infraestrutura de transportes”.
Macedo diz que “o TAV não se justifica pela falta de densidade de tráfego”. Dá como parâmetros os trens-bala chineses, que carecem dessa demanda, e o exemplo da linha Tóquio-Osaka, onde a densidade de tráfego existe com números impressionantes. Uma demanda que, segundo ele, “está longe de existir aqui”.
Macedo acrescenta que, no Brasil, não haverá demanda para tantas ccomposições, como na linha do Japão. E questiona: “Por aqui, já se fala até de criar cidades em torno da linha, por essa razão. Afinal, nosso TAV atenderia às cidades ou as cidades seriam criadas para atender ao TAV?”.
Nem o avanço tecnológico para o transporte ferroviário nacional de passageiros, que poderia representar a implantação do TAV, convence Macedo: “Seria um benefício ínfimo diante da imensidão dos custos e dos benefícios muitíssimos maiores que viriam de projetos alternativos como os que foram citados [metrôs e melhoria da infraestrutura de transportes]”.

Dúvidas ao projeto

O Comitê Brasileiro de Túneis (CBT), que defende a implantação do TAV, divulgou manifesto exigindo maior detalhamento do projeto antes que o leilão seja realizado. “Um investimento dessa magnitude, se não for bem estudado, vai ter elevação de custos e vai ter bobagem depois”, afirma Hugo Cássio Rocha, presidente da associação.
Apesar dos percalços, Rocha avalia que o País tem muito a ganhar se o TAV, finalmente, sair do papel. “Será que chineses, europeus, coreanos e japoneses estão todos errados?”, questiona o presidente do CBT, referindo-se aos países que investiram em trens de alta velocidade. “Se é a melhor opção política, eu não sei. Mas é uma oportunidade única de desenvolvimento de uma tecnologia que o Brasil não tem”, diz.
“A questão pega em um problema de base no Brasil, que é o planejamento de longo prazo”, afirma o professor Orlando Fontes Lima Jr., coordenador do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes da Unicamp. “Como não existe um pensar conjunto, as empresas não têm segurança para entrar no projeto.”
Na avaliação da professora Eliana Senna, da Escola de Comércio de Grenoble, na França, projetos que reúnem governo e setor privado requerem um compromisso público de que haverá continuidade naquele planejamento para ser bem-sucedidos. “Os técnicos envolvidos no projeto precisam estar qualificados e bem embasados para preparar a licitação e evitar que o processo seja paralisado, como já aconteceu com o TAV brasileiro”, avalia.
Eliana observa que, sem isso, fica difícil responder a perguntas básicas – por que aquele investimento é necessário e qual será a demanda, por exemplo. “Se esse conhecimento fosse e
quacionado, seria mais fácil explicar para a sociedade por que o País precisa de um trem de alta velocidade”, afirma a professora.

Fonte: Padrão