Preocupação com a sustentabilidade começou ainda na concepção do estádio. No entanto, foi preciso convencer os agentes envolvidos da importância de se obter a certificação Leed, que acabou sendo incorporada pela própria Fifa
Joás Ferreira
Apreocupação com a sustentabilidade foi a tônica desde a concepção do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, previsto para ser inaugurado em março a fim de receber jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo.
“Todos os preceitos decorrentes da certificação Leed (Leadership in Energy and Environmental Design), que já tínhamos na cabeça como arquitetos, foram rigorosamente seguidos. A nossa meta é obter o selo Leed Platinum, que é o nível máximo de certificação, para o qual é preciso atingir de 80 a 100 pontos de classificação. O nosso projeto tem a possibilidade de chegar a 87 pontos”, destaca o arquiteto Eduardo de Castro Mello, que, com o filho Vicente de Castro Mello, respondeu pelo projeto.
Com o aval do cliente (que é o governo do Distrito Federal) para caracterizar o estádio como sustentável, foi necessário empreender alguns acordos com o consórcio construtor, porque o contrato inicial, que não previa isso, sofreu reajuste de quase 5% a mais no custo final da obra, se comparado a um projeto convencional. O Tribunal de Contas da União (TCU) também teve de ser convencido das mudanças no projeto para aceitar o acréscimo no orçamento.
Um dos argumentos, segundo o arquiteto, foi o fato de que esse capital investido a mais tem retorno garantido em cerca de apenas sete anos, a partir do momento em que a obra esteja concluída e efetivamente em funcionamento. “Na comparação entre um estádio convencional e um projetado com as condicionantes Leed é possível economizar até R$ 7 milhões por ano com a operação do modelo sustentável”, analisa Eduardo.
Essa diferença, segundo ele, pode ser creditada a sistemas como iluminação, que usa equipamentos de baixo consumo de energia e de grande rendimento de luminosidade (será usado o LED, por exemplo, que não aquece o ambiente e reduz o uso do ar-condicionado); coleta de água da chuva (na cobertura e em todo o entorno do estádio), que será armazenada em cinco cisternas de grande porte, para aproveitamento em bacias sanitárias, lavagem de pisos e irrigação; e aproveitamento de luz solar para geração de energia elétrica etc.
O plano da “Copa Verde” foi iniciado em 2008. “A ideia era que o projeto com essas características de sustentabilidade não podia ficar restrita ao estádio de Brasília. Por isso, houve consenso dentro do ‘time de arquitetos’ vinculado às praças esportivas, de que os projetos deveriam caminhar no sentido de desenvolver ecoarenas, com preocupações ambientais e econômicas. Até então, nem a Fifa nem o BNDES haviam se manifestado a respeito. No começo tivemos de quebrar algumas barreiras”, lembra Eduardo.
Modelo virou padrão
No entanto, segundo ele, quando o BNDES decidiu financiar com R$ 400 milhões cada uma das sedes que optassem por construção verde, já ficou definida como condição a existência de algum tipo de certificação. A Fifa, quando lançou, em 2011, o seu novo manual de normas, também colocou como exigência a certificação dos estádios. Antes disso, havia apenas uma recomendação baseada no plano da Copa da Alemanha, de 2006, que não teve tempo de ser implantada efetivamente na competição seguinte, em 2010.
“Essa incorporação definitiva ao manual da Fifa, no final das contas, acabou sendo uma contribuição da arquitetura brasileira para a Copa que será realizada aqui e para as futuras competições”, constata o arquiteto.
Além desses acréscimos, a Fifa estabelece uma série de normas. O projeto dos estádios é uma dessas definições que todos têm de se adaptar e respeitar. “Alguns criticam essas definições da federação, mas eu não vejo o porquê disso. Afinal, elas não são descabidas e a federação tem uma enorme experiência na elaboração de Copa do Mundo e sabe o que é melhor para esse tipo de evento esportivo”, comenta ele.
Segundo Eduardo, as condicionantes da Fifa “são muito coerentes”: “Nós, que atuamos na área de instalações esportivas há muito tempo, sofríamos com isso, porque sabíamos que tinha de ser feito assim, mas não obtínhamos o respaldo dos clientes, principalmente por causa do aspecto de custo final. Então, o fato de termos uma norma que regula tudo isso é excelente porque, pelo menos, põe ordem na casa e representa um upgrade na construção de instalações esportivas”.
A arena dialoga com as edificações do entorno
No que tange ao conceito arquitetônico, havia um aspecto a considerar: “O estádio está localizado no Eixo Monumental de Brasília, que é tombado como Patrimônio Cultural da Humanidade. Além disso, todos os palácios existentes ao longo desse eixo, como Planalto, Itamarati, Alvorada, Justiça etc., têm uma filosofia uniforme de arquitetura que são os pilares na fachada, as grandes varandas que circundam a edificação e o edifício propriamente dito, na parte central do terreno. Os prédios, em geral, são envidraçados e protegidos do sol intenso de Brasília pela grande varanda, que reporta inclusive a conceitos da arquitetura da casa dos bandeirantes, que também tinha grandes varandas circundantes”.
Em relação ao estádio, Eduardo diz que se optou por uma solução harmoniosa com o entorno, que “conversasse” esteticamente com os demais edifícios. Por isso, segundo ele, o estádio propriamente dito foi posicionado na parte interna, atendendo a todas as normas da Fifa, circundado por uma grande passarela caracterizada pelo conjunto de colunas, o anel que dá sustentação pa
ra a cobertura e as rampas de acesso. Ele tem uma fachada de 360º, com ampla possibilidade de acesso ao seu interior. O cálculo da estrutura de concreto foi realizado pelo Escritório Técnico Arthur Luiz Pitta (Etalp).
Está prevista ainda uma interligação entre o estádio e o Centro de Convenções, através de um túnel, de forma que o centro possa usar o estacionamento do estádio. Durante a Copa esse centro vai abrigar mais de três mil profissionais de imprensa de todo o mundo.
Cobertura
Parte da cobertura do estádio, caracterizada por uma membrana branca, que se apoia em treliças e arcos metálicos, é de TPFE (politetrafluoretileno ou teflon) revestida com dióxido de titânio (TiO2). Eduardo explica que esse tipo de material faz com que a sujeira e a poluição sofram uma reação química (promovida pelo TiO2 e a ação do sol), sendo facilmente desprendidas. Na parte central da cobertura (transparente), foram utilizados painéis de policarbonato em balanço.
O campo de jogo (o gramado, propriamente dito) não será coberto, embora já exista projeto elaborado para que isso aconteça, o que será decidido pela empresa operadora do estádio, que será escolhido por licitação ou pela constituição de uma Parceria Público-Privada (PPP). A sua iluminação noturna forma o que se chama de “anel de fogo”.
Por baixo da estrutura de cobertura, será aplicada uma tela, também de TPFE, que formará uma espécie de forro, com a função de esconder em parte a armação metálica da cobertura, dando uniformidade e garantindo o sombreamento necessário nas arquibancadas. “Os sistemas de cobertura e de ventilação da arena foram testados e aprovados em túnel de vento”, destaca o arquiteto.
O anel externo da cobertura (de concreto e que pode ser identificado pela cor escura) é revestido por painéis fotovoltaicos, que possui capacidade para gerar 2,5 MW durante o dia. “Essa capacidade está acima da demanda do estádio. O excedente será repassado para a Companhia Energética de Brasília (CEB) e o valor correspondente será abatido da energia fornecida pela CEB no período noturno. Esse item mais o da captação e reaproveitamento das águas pluviais já garantem cerca de 40 pontos no índice de classificação para a desejada certificação LEED”, calcula Eduardo de Castro Mello.
Paisagismo
O trabalho de paisagismo do entorno da arena e do estacionamento também foi desenvolvido com vistas à certificação Leed. Eduardo informa que esse trabalho foi feito em parceria com Benedito Abbud. “O projeto vai utilizar biovaletas e pisos permeáveis que têm a função de captar as águas pluviais, sem deixar que se formem enxurradas, dirigindo o volume captado para um lago que será formado e que também permitirá o reúso da água. A vegetação usada é natural do cerrado e já está aclimatada. As espécies escolhidas têm períodos de floração diferentes, com o objetivo de se ter sempre a presença de flores. A irrigação será feita por via subterrânea, atingindo diretamente as raízes das plantas e eliminando a perda por evaporação comum ao sistema aéreo, por aspersão”, explica o arquiteto.
Três gerações envolvidas
Eduardo e Vicente são, respectivamente, filho e neto do arquiteto e atleta profissional Ícaro de Castro Mello, autor do projeto inicial do estádio de Brasília, que foi concebido e construído na década de 1970. Eduardo também assinou o projeto original e, por ser autor deste, seu escritório foi contratado para essa “reforma” sem a necessidade de licitação. Essa é uma obra que, além de trazer inovações tecnológicas e de se destacar como uma ecoarena, também pode ser considerada inédita no sentido de que reuniu, entre seus autores, três gerações de uma mesma família.
“Essa circunstância me dá, por um lado, um sentimento de muita alegria e de satisfação pessoal por estar fazendo esse trabalho. Mas, de outro, também provoca uma tristeza pelo fato de que o meu pai, em vida, não teve a oportunidade de um evento dessa magnitude, como a Copa do Mundo, em que pudesse contribuir com todo o seu conhecimento, acumulado em anos de atividade, tanto como atleta quanto como arquiteto”, constata Eduardo. Outra obra marcante do arquiteto Ícaro de Castro Mello foi o Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, que inclui o Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo.
Ficha técnica
Arquitetura: Castro Mello Arquitetos Ltda., Arq. Eduardo de Castro Mello, Arq. Vicente de Castro Mello
Fundações e estruturas: Etalp – Escritório Técnico Arthur Luiz Pitta, Eng. Arthur Luiz Pitta Jr, Eng. João Paulo Pitta
Instalações hidráulicas, elétricas e telecomunicações: MHA Engenharia Ltda., Eng. Eduardo Brito Neves, Eng. Shyoji Ykeda
Cobertura/projeto básico:
Arquitetura: Castro Mello Arquitetura Ltda.
Estrutura: Etalp – Escritório Técnico Arthur Luiz Pitta
Consultorias:
– Cobertura: GMP – Architekten von Gerkan, Marg und Partner, Arq. Ralf Amann, SBP – Schlaich Bergermann und Partner, Eng. Knut Stockhusen, Eng. Knut Goppert
– Acústica: Implante de Acústica, Eng. José Roberto Lobo
– Comunicação visual: Núcleo de Projetos e Edificações – PROEDI, Equipe de arquitetura da NOVACAP – GDF, Arq. Miriam Neves, Arq. Indiara Antunes, Arq.Yasmine Colombo, Arq. Hanna Reitsch
– Paisagismo: Castro Mello Arquitetos Ltda.
Consultoria: Arq. Benedito Abbud, Arq. Marcelo Vassalo, Arqta. Amanda Oliveira, Arqta. Lilian Massari
– Luminotécnica área externa: Castro Mello Arquitetos Ltda.
Consultoria: Peter Gasper Associados
– Sustentabilidade: Castro Mello Arquitetos Ltda.
Consultoria: ECOARENAS, Economista Ian Mckee, Arquiteto Vicente de Castro Mello
– Construção: Consórcio Brasília 2014, Construtora Andrade Gutierrez e Via Engenharia
– Fiscalização projeto e obra: Novacap – Cia. Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, Dra. Maruska Lima de Holanda – Diretora de Obras Especiais
– Proprietário: TERRACAP, Governo do Distrito Federal
Fonte: Padrão
Compartilhar
Compartilhar essa página com seus contatos!