Nildo Carlos Oliveira
Não havia como evitar: bastou apenas uma gota d água – o aumento das tarifas de ônibus – para o copo transbordar. E, com as pauladas, as balas de borracha e os gases nos olhos do povo, a situação derivou para as amplas multidões pacíficas, fortalecidas pela convicção da legitimidade dos direitos civis. O governo teve de recuar. Democracia é isso: deixar de esconder-se atrás das colunas dos palácios para olhar e sentir as ruas.
A gente sabe que é muito difícil o governo compreender que o povo sabe. Sabemos que muitos dos programas considerados sociais constituem apenas um meio para garantir o voto de cabresto das famílias pobres para os que secularmente detêm o poder. Bolsa-família, bolsa isso e bolsa aquilo – ou o famigerado “vale-cultura”. Seria importante que o governo colocasse as cartas na mesa, diante de uma nação amadurecida e fizesse uma autocrítica. Para o poder, tudo; para a população, as sobras.
Alguns fatos ilustram essas reflexões. Um deles está na leitura de uma manchete: Frota de ônibus encolhe, mas o número de passageiros cresce 80% em oito anos. Isso acontece em São Paulo e dá uma medida do que vem sendo praticado contra os usuários do transporte coletivo via ônibus.
Em outras páginas dos jornais está a informação de que Renan Calheiros, presidente do Senado, está montando uma máquina de comunicação para aumentar a presença da TV e da Rádio Senado nos Estados. Para esse fim, aplicará recursos da ordem de R$ 15 milhões, somente este ano. Mas, já se sabe: mais do que difundir a imagem do Senado onde quer que seja, a finalidade é difundir a imagem dos senadores ou do presidente do Senado nos rincões mais longínquos.
Enquanto isso, crianças estudam em escola provisória “há mais de 20 anos, na cidade de São Paulo”, relata reportagem do Estadão. E há, ainda segundo a mesma reportagem, 10.838 escolas no País funcionando em barracões, paiós, galpões, igrejas e, pelo que se sabe, até debaixo de árvores. Assim, um dia o copo teria mesmo de transbordar.
Fonte: Nildo Carlos Oliveira
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