Não será na data inicialmente prevista – maio próximo – que a estrutura estará recuperada paraas festas de comemoração de seu centenário.A complexidade do trabalho, inédito em obra desse tipo, no Brasil, pode adiar a festa para o fim do ano

Nildo Carlos Oliveira

Aponte pênsil de São Vicente resultou de planejamento elaborado pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito em fins da primeira década do século passado. Mas o objetivo primeiro da obra não era conferir-lhe a função de ponte. Foi construída para servir de suporte à instalação de uma tubulação com capacidade para escoar dejetos, que seriam lançados em mar alto. Assim, a população de Santos e de São Vicente seria preservada de doenças que as águas contaminadas poderiam provocar.

Contudo, a travessia passou a ser amplamente utilizada como tal, uma vez que facilitava também o acesso dos interessados à Fortaleza de Itaipu. Ao longo do tempo, a obra foi se tornando conhecida – e reconhecida – como um feito notável da engenharia brasileira. Ela tem vão livre de 180 m por 5 m de largura e piso de madeira situado a 6,5 m da maré mínima e a 4 m da maré máxima naquele sítio. As duas torres possuem 20 m. São sustentadas cada uma por quatro cabos de aço importados da Alemanha.

As condições estruturais da ponte, também chamada de ponte pênsil Saturnino de Brito, têm sido acompanhadas desde 1936 pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT). O engenheiro Ivanísio de Lima Oliveira, da Divisão de Estruturas daquele instituto, diz que um dos primeiros de seus colegas que prestaram trabalhos com aquele fim, em São Vicente, foi o professor Telêmaco van Langendonk, que mais tarde se tornaria um nome nacional em sua área de atuação (concreto armado) e viria a fundar, com Milton Vargas, uma das maiores empresas de projeto do País, a Temag Engenharia.

À época, Langendonk realizou uma primeira prova de carga para analisar a capacidade de resistência da ponte com vistas à passagem de veículos. E deu andamento a uma série de ensaios com a mesma finalidade. Depois disso, o IPT nunca mais deixaria de fazer-se presente nos trabalhos de monitoramento do comportamento da estrutura. Tanto é que em 1944 realizou novos ensaios no sistema de reforço nos cabos de aço, que haviam apresentado indícios de corrosão. Para prevenir problemas que a corrosão viesse a ocasionar, o instituto passou a repetir os ensaios sistematicamente, a cada dez anos.

Em 1990, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-SP), da então Secretaria dos Transportes do Estado, hoje Secretaria de Logística e Transportes, convocou o IPT para prestar serviços para a reforma. Esta consistiria na substituição do tabuleiro, todo ele de madeira – ipê – e da identificação da situação dos cabos de aço no interior das presilhas.

Em sua origem, a ponte se destinou a resolver problema de saneamento
Com a reforma serão substituídas as peças de madeira do tabuleiro e trocados os cabos de aço

“Naquele momento”, conta o professor Ivanísio, “constatamos que havia cabos de aço muito danificados. Tinha ocorrido infiltração de água pelo interior das presilhas, configurando-se um processo de corrosão continuada. Fizemos a contagem dos cabos, fio por fio, num trabalho que podemos considerar quase artesanal e verificamos que havia fios rompidos em cada um dos cabos. O procedimento foi precedido da classificação dos cabos totalmente rompidos, daqueles que apresentavam mais de 50% de rompimento e dos demais com seção reduzida entre zero e 50%.”

Passados seis anos, o IPT voltou a campo e seus engenheiros abriram algumas das presilhas para verificar se o processo corrosivo progredira ou fora estancado. Semelhante verificação foi feita em 1998. No período de 1990 a 1999 não ocorreram alterações de vulto. Contudo, cálculos posteriores demonstraram que o coeficiente de segurança estava em torno de 2.2, próximo, portanto, do limite estabelecido pela norma DIN (internacional). Finalmente em 2007 e 2009 o instituto concluiu relatório, encaminhando ao DER-SP, dando conta de que os cabos de aço teriam de ser substituídos. É o que atualmente está sendo feito.

O trabalho de recuperação

As obras de recuperação estão sob a responsabilidade de uma empresa com ampla experiência em reformar e restaurar obras de arte especiais e a realizar serviços do gênero em outros campos da engenharia – a Concrejato – que ainda recentemente concluiu os trabalhos de recuperação da ponte Maurício Joppert sobre o rio Paraná(OE 523/setembro/2013).

A engenheira Maria Aparecida Souket Nasser, gerente de obras especiais dessa empresa, diz que a ponte pênsil de São Vicente carece de um serviço minucioso, delicado, a ser realizado “com extrema sensibilidade, tanto pelo que a obra representa do ponto histórico local, quanto pela sua importância para a história da engenharia brasileira”.

O escritório Engeti Consultoria e Engenharia foi contratado para realizar o cálculo da estrutura e recomendou a adoção das seguintes soluções: tratamento das torres de concreto; substituição de cabos com redução de seção ou rompidos; tratamento superficial de perfis metálicos; pintura dos elementos metálicos das torres e dos blocos de ancoragem; recomposição dos módulos danificados dos guarda-corpos e tratamento superficial de seus elementos; implantação de novo tabuleiro, com emprego de “madeira” sintética e troca dos cabos de aço.

O engenheiro Ivanísio de Lima Oliveira confirma que a troca dos 16 cabos é tarefa inédita no Brasil. Fabricados na Alemanha, serão substituídos por cabos produzidos numa fábrica de Milão, Itália. Para a substituição, haverá a necessidade da montagem de torres provisórias ao lado das torres existentes. Os cabos de aço, instalados nas torres provisórias, vão suportar a carga da ponte durante o processo da remoção dos cabos antigos; e, então, estes serão removidos. Para a substituição das peças definitivas serão utilizados guindastes em cada extremidade da ponte.

Recuperação desse tipo nunca aconteceu no Brasil. Já
aconteceu numa ponte pênsil na China, em outra na África e em uma terceira, na Escócia.

O Brasil tem outras pontes pênseis: a Affonso Pena, entre Goiás e Minas Gerais – a mais antiga do Brasil; a Hercílio Luz, em Florianópolis (SC), por exemplo, que se encontra também em processo de reforma; a ponte pênsil Alves Lima, construída em 1920 entre os municípios de Ribeirão Claro (PR) e Chavantes (SP) sobre o rio Paranapanema e para cuja manutenção o IPT também tem contribuído.

Na ponte Alves Lima foi realizada uma recuperação estrutural que consistiu na substituição e no reaproveitamento de madeiras e peças metálicas e nos trabalhos de proteção dos cabos de aço. As vigas transversinas, compostas de elementos de madeira justapostos, ligados por meio de chapas metálicas e parafusos, conforme trabalho técnico elaborado pelo professor Ivanísio e seus colegas Diego Lapolli Bressan e Daniel Mariani Guirardi, vinham apresentando baixa rigidez, o que dava à estrutura elevada deformabilidade transversal, com riscos ao tráfego de veículos pesados, o que determinou as providências para a sua recuperação.

A história da recuperação da ponte pênsil de São Vicente vai integrar o acervo de outras histórias da engenharia do País, no site Memória da Engenharia Brasileira (MEB), da revistaO Empreiteiro.

Fonte: Revista O Empreiteiro