Comunidade internacional, reunida em Foz do Iguaçu (PR), recomenda a adoção de novas práticas, normas
e tecnologias na hora de planejar e executar túneis

Guilherme Azevedo – Foz do Iguaçu (PR)

Foi bom de ver reunida a comunidade tuneleira internacional, os principais corações e mentes da engenharia de construção de túneis no mundo, um grupo relativamente homogêneo, discreto, concentrado e sério, como a obra pela qual tem paixão funda, até debaixo d’água. Há uma correspondência entre quem constrói e a coisa construída. Entre o tuneleiro e o túnel em si.

Um congresso mundial, como este Congresso Mundial de Túneis 2014 (World Tunnel Congress 2014), realizado de 9 a 15 de maio, em Foz do Iguaçu (PR), terra de fronteira, onde as coisas e as gentes são fluidas por natureza, tem de fato a força da integração, do cara a cara, do olho no olho. O fator decisivo da presença. Foi a segunda vez que o Brasil recebeu o principal encontro do setor, a primeira fora em 1998, 16 anos atrás, num outro contexto político e econômico, de início de uma retomada de estabilidade, em São Paulo.

Foi (quase) bom de ouvir o inglês macarrônico de Hugo Cássio Rocha, o presidente do Comitê Brasileiro de Túneis (CBT), entidade que liderou a organização do encontro, ao dar as boas-vindas aos 1.250 delegados do congresso. Foi (muito) bom de ver Hugo Cássio Rocha olhando por cima dos óculos, situados na pontinha do nariz, quase caindo, e seu jeitão histriônico, divertido, pontuando as questões, discutindo. Igualmente importou ver Tarcísio Barreto Celestino, o brasileiro que presidiu o comitê organizador do congresso, um sujeito sério, a calva, como a minha, reluzindo por toda a parte, a pasta a tiracolo, na mão, sempre de prontidão, no comando dos trabalhos. Foi bom de conhecer também a impetuosidade de André Assis, presidente da Associação Brasileira de Mecânica de Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS), à qual se vincula o CBT, falando firme, confirmando o momento propício para a construção de túneis, dadas as graves questões de mobilidade nas grandes cidades do mundo, e indicando e alertando para os problemas de projetos, em que as sondagens geotécnicas são sempre (ou quase) negligenciadas. Outra figura que sobressaía era a do dinamarquês Søren Degn Eskesen e seu ar de navegador viking, o presidente da International Tunnelling and Underground Space Association (Associação Internacional de Túneis e Espaço Subterrâneo, ITA), entidade que reúne a indústria tuneleira de mais de 70 países e que realizou seu encontro anual simultaneamente ao congresso. Ele comemorava o ingresso, na associação, de novos países e engenheiros da nova geração, um fenômeno necessário para dar continuidade à evolução da disciplina túneis, cabeças pensantes do futuro, trabalhadores de uma indústria em crescimento no mundo todo, mas para a qual ainda faltam bons profissionais, bem formados.

Um congresso mundial tem a pretensão de abarcar todas (ou quase) questões e disciplinas do seu tema principal, e o Congresso Mundial de Túneis foi assim. Houve palestras, debates, sessões técnicas, reuniões de grupos de trabalho sobre as principais questões, sobre equipamentos para escavação, novas técnicas, aplicações diferentes de técnicas antigas, sondagens geotécnicas e monitoramento de riscos, planejamento e desenho de estruturas subterrâneas, inovações em túneis escavados mecanicamente e em túneis convencionais e em túneis imersos e escavados pelo método “cut and cover”, além de manutenção, reparo, segurança e operação de túneis, nos mais variados ambientes, normas técnicas, entre outros tópicos.

Diálogo necessário: túneis de minas, túneis gerais

Uma das preocupações de relevo, que direcionou as discussões da indústria presente, foi a necessidade de aproximar os processos de construção de túneis para uso geral, por exemplo como via de transporte, e de túneis para mineração. A questão fundamental, aqui, é segurança. Na sessão aberta da ITA, terça-feira, 13, por exemplo, Frode Nilsen, da empreiteira norueguesa Leonhard Nilsen & Sønner, falou dos benefícios e ganhos da combinação da tecnologia avançada de túneis com as técnicas da indústria da mineração. “É preciso mais cooperação na área de saúde e segurança

Há uma brecha entre as duas indústrias e entre os países ela é ainda maior”, identificou, para defender: “Se pudéssemos ter regras padronizadas e compartilhamento das melhores práticas, seria muito melhor”. É que um fato se consolida em nível mundial: o aumento progressivo de minas subterrâneas e o abandono consequente das minas de cava aberta, devido à localização do minério, cada vez mais funda, e também a questões ambientais. Em sua apresentação, o engenheiro norueguês projetou uma mudança radical na divisão dos tipos de minas: se hoje 80% delas são de cava aberta, em 2034, em 20 anos, portanto, 60% serão subterrâneas. André Assis, presidente da ABMS e ex-presidente da ITA, já apresentara o assunto, no dia anterior, segunda-feira, 12, na palestra que serviu como um começo de conversa do que viria nos próximos dias. Segundo ele, “o futuro para a mineração será subterrâneo”, porque a sociedade não mais tolerará ter cavas de grandes dimensões próximas de aglomerações humanas, mediante a não concessão de licenças ambientais para o empreendimento. Trata-se de processo que levará 20 ou 30 anos, mas, disse André Assis, será inevitável.

Normas e segurança

A normatização e a observação de práticas de segurança na execução e depois na operação de túneis foi outro assunto que movimentou os debates. Na sessão “Planejamento e desenho de estruturas subterrâneas”, segunda-feira, 12, o dinamarquês Alun Thomas, da Ramboll, elencou as vantagens da adição de fibras ao concreto utilizado na execução de túneis, fosse ele projetado ou não. Dependendo do produto adicionado, explicou Thomas, pode-se dar mais ou menos resistência ao concreto e, no caso de o aditivo ser o polipropileno, o ganho é a estrutura se tornar resistente ao fogo e, por isso, com propriedades extras de segurança. “Fibras podem ser problemáticas, mas algumas das melhores coisas da vida também são”, incentivou. Na mesma sessão, o brasileiro Anthony Brown, coordenador de comissão de estudos de normas técnicas ABNT/CEE (Associação Brasileira de Normas Técnicas/Comissão de Estudo Especial) nas áreas de prevenção e proteção contra explosão e segurança contra incêndio em túneis, nos conduziu para uma viagem no túnel do tempo. Ele apresentou a evolução, ao longo dos anos, das normas de segurança e contra incêndio em túneis do País, desde o ano de 1976, quando entrou em vigor o primeiro padrão de segurança em túneis.

A norma inaugural estabelecia diretrizes para a iluminação no interior de túneis, motivada pela construção dos túneis da rodovia dos Imigrantes, que liga São Paulo à Baixada Santista. Especificamente no quesito proteção contra incêndio, a primeira recomendação oficial viria apenas em 2009, após sete anos de discussão.

Quase força de lei

Os 13 grupos de trabalho da ITA também estiveram reunidos e dos debates surgiram novas recomendações para a comunidade tuneleira. Embora não sejam leis e funcionem mais como diretrizes, as normas do ITA são tratadas como o estado da arte para o setor e estabelecem, sim, marcos nos projetos e construções. O público presente conheceu, por exemplo, as novas regulamentações para a segurança contra incêndios em projetos de túneis ferroviários; sobre segurança e saúde nas execuções; e monitoramento da obra.

Houve também extensa apresentação de projetos pelo globo, como o das barreiras móveis contra inundação em Veneza (ver texto na página 70), do túnel de serviços construído sob a célebre Opera House de Sydney, na Austrália (ver página 70), e de execuções subterrâneas do metrô de Buenos Aires, de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Valeu a pena?

Fiz a pergunta simultaneamente, no último dia dos debates, quarta-feira, 14, aos dois principais executivos brasileiros do congresso, gente que trabalhou ao longo dos meses para que o encontro fosse possível, e bem-sucedido. E eis agora um pequeno balanço final.

Tarcísio Celestino – Valeu demais. Primeiro, valeu o aprendizado, que é coisa que não se mede agora, mas a longo prazo. Não só as sessões técnicas, como também os grupos de trabalho. Sobretudo os grupos de trabalho, que são uma oportunidade rara para os brasileiros. Do ponto de vista da participação, foi muito melhor do que a nossa expectativa, estamos muito satisfeitos.

Hugo Cássio Rocha – Interessante é que várias empresas brasileiras que expuseram aqui, na exposição técnica, nunca tinham exposto no WTC. E já estão comprando estande para o próximo WTC, em Dubrovnik (Croácia, no ano que vem). Então, estão tendo a oportunidade de mostrar a cara no exterior. Isso é muito importante para o Brasil.

A escavação mecanizada avança com produtividade, mas métodos tradicionais ainda são muito úteis, dependendo das condições do terreno

Tarcísio Celestino – Isso aqui deve ser encarado como uma via de duas mãos. Não só para empresas de fora virem fazer trabalho aqui, que o Brasil é aberto a isso, mas também para o mundo enxergar que o Brasil tem capacitação bastante para exportar serviços na área de túneis. Esse dado que o Hugo deu é exatamente a consolidação disso. Se ano que vem vão estar em Dubrovnik, então esse congresso terá contribuído para mostrar a cara das empresas brasileiras também.                                         

E o que deve ser melhorado na indústria de túneis, qual a lição de casa que temos de fazer?

Hugo Cássio Rocha – Temos muita lição de casa, muita coisa para fazer. Consolidar melhor a parte de ensino, de equipamentos, de desenvolvimento tecnológico. Temos muita coisa para desenvolver.

Tarcísio Celestino – Diria mais: quebrar alguns preconceitos que existem no nosso meio técnico. Temos de ensinar a eles (clientes, governantes etc.) como um túnel é vantajoso em relação a um talude, a fazer uma estrada com talude de 70 m, como até há pouco tempo a gente tinha isso aqui, na Serra do Mar, numa região de tamanha pluviosidade, de geologia tão complexa. Se o meio técnico tiver consciência disso, que um túnel pode ser muito mais vantajoso, ganhamos todos. Quantas pessoas terão morrido nos acidentes com quedas de barreira, por exemplo? E por quê? Por causa de não se considerar as opções corretas de engenharia.

Fonte: Revista O Empreiteiro