Não bastasse ter que reconstruir literalmente Tóquio, o Japão reuniu toda a sua vontade política para reocupar o seu lugar no cenário global, colocando a inteligência de sua engenharia e da indústria ferroviária na arriscada decisão de contar com o trem-bala operando na mesma época ligando a capital a Osaka, na região mais urbanizada do país, reduzindo pela metade o tempo de viagem anterior de cerca de sete horas, como símbolo do seu renascimento como potência tecnológica.
Faltavam, porém, recursos financeiros, e aí o Japão recorreu ao Banco Mundial, que concedeu, em 1961, o primeiro empréstimo ao ambicioso projeto. A própria instituição reconheceu que o projeto do trem-bala, visto como arriscado e com bastante reserva pelos Estados Unidos e Europa, tinha como lastro a longa tradição japonesa no transporte ferroviário. A primeira linha férrea foi construída em 1872 pelo governo para ligar Tóquio a Yokohama, a 29 km de distância. Por volta de 1881, a rede somava 135 km. Nesse ponto, o governo incentivou o capital privado para atuar no setor, de modo que nove anos depois, enquanto a rede pública tinha 885 km, as linhas privadas alcançavam 2.124 km.
A expansão da rede ferroviária por linhas públicas e privadas prosseguiu até 1906, com múltiplos percursos curtos desconectados das linhas de longa distância, o que levou o governo a nacionalizar quase toda a malha (exceto linhas locais) para racionalizar o transporte de longo percurso. Ao final de 1907, o governo operava 6.407 km de ferrovias, conectadas a 717 km de linhas privadas locais. A expansão física da rede continuou até 1937, ao atingir 20 mil km, quando a prioridade mudou para a modernização das linhas existentes.
O empréstimo nº 0281 do Banco Mundial, na quantia módica de US$ 80 milhões, visava a apoiar o projeto Tokaido que tinha custo total de US$ 548 milhões, com a construção de uma linha expressa de 497 km, servindo a capital, Yokohama, Nagoya, Kyoto e Osaka, com o trem mais rápido do mundo na época. Era uma proposta ambiciosa para a região, considerada o coração industrial do país e cujo desenvolvimento esbarrava na falta de transporte ferroviário rápido. As rodovias estavam congestionadas o tempo todo, e a linha de bitola estreita estava saturada, com 186 trens de passageiros e 124 de carga operando todo dia.
A estatal ferroviária iniciou os estudos de viabilidade em maio de 1956. O projeto acabou aprovado em dezembro de 1958, e o primeiro trecho de obras foi iniciado em abril de 1959. A linha expressa Tokaido era eletrificada, de bitola padrão, dotada de duas vias construídas com trilhos contínuos soldados de 1,6 km sobre dormentes de concreto. As curvas eram suaves o suficiente para não reduzir a velocidade do trem.
O trajeto exigiu a abertura de 80 túneis num total de 62 km, 18 deles medindo mais de 1 km e o mais longo – Tanna – 7,9 km. As pontes e viadutos somaram 18 km de obras de arte, por causa da topografia do terreno. Os trechos ondulados e montanhosos representavam 45% do trajeto total, ou seja, 226 km.
Conforme o projeto original, os trens de passageiros viajavam de dia e, os de carga, à noite, mantendo na prática a mesma velocidade de 160 km/h. O tráfego e os trens eram controlados pelo Controle Central em Tóquio, mantendo entre si comunicação via rádio. A composição era formada por carros de estrutura leve, equipados com motores elétricos nos eixos, com isolamento para reduzir vibrações, ruído e transferência de calor. Eram hermeticamente estanques para que os passageiros não sentissem o baque na entrada dos túneis ou ao cruzar com outro trem no sentido oposto.
Naquela fase inicial, os trens de passageiros eram compostos de 16 carros com capacidade para 1.250 assentos, a cada 30 minutos, começando às 6 horas da manhã, saindo de Tóquio a Osaka. Na época, as atendentes na 1a classe vestiam os clássicos quimonos. Hoje, os trens mantêm intervalos de apenas três minutos entre si, e o atraso médio é de apenas um minuto.
As atendentes usam agora uniformes de design, mas mantêm o clássico serviço que revela delicadeza e respeito ao passageiro. O Banco Mundial ainda realizou outros empréstimos ao Japão até a conclusão da linha Tokaido.
Fonte: Revista O Empreiteiro