Brasília é o paraíso. Não o setor comercial, atropelado de ambulantes, negociantes aflitos, povo apressado pelo desespero diário; nem a rodoviária e adjacências, com igual tumulto pela sobrevivência; muito menos as cidades satélites. Refiro-me àquele miolo, o núcleo arquitetonicamente bem acabado, ali onde há a junção das duas casas do Congresso. Obviamente poderia me estender para além dessas edificações e avançar pelos palácios. Niemeyer e Lúcio Costa possivelmente não teriam imaginado que os espaços criativamente construídos viriam a abrigar o reinado da insensatez e, no caso da Câmara dos Deputados, da desfaçatez.
O episódio de anteontem coroa o que de pior se pode pensar desse paraíso. Todos sabem, desde o empresário no topo de seu círculo fechado do maior edifício corporativo, ao operário mais humilde de algum acanhado canteiro de obra, que o preço da sobrevivência está pela hora da morte. Está aí Joaquim Levy que não me deixa mentir. Basta ver os seus cálculos. A ideia é tributar. Corte no dispêndio deverá ficar para depois. Talvez para as calendas.
E, numa hora em que a inflação bate no teto e a capacidade de sobreviver chega ao volume morto, a Câmara se regala. São aprovadas ali benesses para maridos ou mulheres de parlamentares: eles receberam de mão beijada o direito adicional a passagens aéreas pagas pelo contribuinte. O acinte não para. E, quanto mais a população trabalha, o topo da pirâmide explora a base. E vai continuar a explorá-la, até corroê-la e exauri-la, sem que haja qualquer retorno em termos de serviços mínimos em favor da saúde, da segurança, da vida, enfim. Até quando perdurará esse paraíso?
Clarice Lispector tinha razão, ao dizer, num artigo sobre aquele paraíso: “Brasília é um espanto”.
Fonte: Nildo Carlos Oliveira
Compartilhar
Compartilhar essa página com seus contatos!