Sonia Keiko*
Apesar dos avanços recentes, a Engenharia, como um todo, ainda é muito restrita às mulheres. Falta de incentivos durante o desenvolvimento escolar, baixa inserção em determinados segmentos acadêmicos e preconceitos ainda enfrentados no mercado de trabalho são alguns dos desafios que impedem uma maior inserção de profissionais femininas neste campo de atuação.
Dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) registram crescimento de 42% no número de engenheiras registradas anualmente no órgão entre 2016 e 2018. No cenário total, entretanto, a participação feminina entre os profissionais ativos na área é de apenas 15%. Muito pouco, especialmente se considerarmos que as estudantes são maioria na composição dos cursos de graduação no Brasil: 55% entre os estudantes que iniciam e 61% entre os que concluem, de acordo com o levantamento mais recente (2018).
Iniciei na Engenharia há 20 anos e durante minha trajetória tive a oportunidade de vivenciar parte das dificuldades impostas a mulheres de todo o Brasil que têm o sonho de ingressar em algum de seus ramos. Quando escolhi minha carreira já havia cursado Edificações na escola técnica por quatro anos, em uma época na qual o ensino era integrado e permitia a formação já com uma profissão. O apoio que recebi dos professores durante todo esse período foi fundamental para nortear minha escolha pela Engenharia. Ao iniciar o período de estágio e ingressar na universidade, encarei preconceitos, brincadeiras desagradáveis, negação da minha capacidade e discriminação, e com esse cenário acabei migrando para o curso de Matemática.
A carreira de Engenharia para mulheres deve contemplar necessariamente uma força, uma garra extra, mas não deveria ser assim. A normalização desse quadro faz com que muitas mulheres optem por carreiras tradicionalmente já acessadas por discentes femininas.
No meu caso, apesar da graduação em Matemática, o curso técnico em Edificações me permitiu ingressar como estagiária em uma empresa voltada especificamente para Engenharia, Construções e Tecnologia. Lá, fiz carreira e a partir do trabalho técnico, no campo e em ambientes majoritariamente masculinos, cheguei à Vice-Presidência de Novos Projetos. Essa trajetória foi pautada em desafios e, sobretudo, conquistas. Hoje, também a frente da área de Inovação, dedico parte do meu tempo ao desenvolvimento de novas lideranças, provocando mudanças com o propósito de desafiar, aprender, influenciar e co-criar.
Ampliar a participação de mulheres em áreas da Engenharia e de Exatas passa necessariamente por considerar mudanças em todos os âmbitos. A desigualdade de gênero é estrutural e precisamos nos conscientizar de que o principal caminho é a educação. Trata-se de incentivar, nas escolas, a formação de crianças que não mais vejam distinções entre profissões “de menino” ou “de menina”. Incentiva-los a dedicarem-se às suas áreas de interesse de acordo com suas aptidões, e não a partir de seu gênero.
Nas universidades e no campo acadêmico, é necessário coibir qualquer tipo de discriminação com as estudantes, principalmente aqueles que ocorrem de forma velada, tratados muitas vezes com naturalidade por professores, pesquisadores, direção e até mesmo alunos. Trata-se de fomentar a participação das estudantes em grupos de discussão e pesquisa, incentivando projetos específicos que permitam às mulheres ampliar a visibilidade ao (bom) trabalho que desempenham.
Nas empresas, é preciso cessar, de uma vez por todas, com a distinção que muitas vezes é feita na contratação de homens e mulheres. Incentivar a participação feminina em comitês de inovação e tecnologia, e explorar/aproveitar justamente o interesse daquelas que estão ávidas por crescimento e desenvolvimento profissional.
Exemplos mais práticos podem ser adotados a partir das experiências de países nórdicos, como Islândia, Suécia, Noruega e Finlândia, reconhecidamente qualificados no incentivo às políticas de igualdade de gênero no mundo.
Em 2018, por exemplo, a Islândia foi o primeiro país do mundo a criar uma lei que exige a igualdade de salários entre homens e mulheres que exerçam funções semelhantes em empresas privadas e agências governamentais. Incentivo à participação feminina em áreas distintas de graduação, cotas para a inclusão de mulheres em determinados campos de trabalho, fomento à igualdade em processos seletivos e em políticas de ascensão profissional a cargos de liderança são outras políticas reconhecidamente positivas na valorização da mulher, seja na Engenharia ou em outras áreas.
É preciso, ainda, promover a igualdade nos direitos e deveres relacionados à participação paterna na criação dos filhos, de modo que a mulher não sustente, sozinha, o ônus que uma gravidez pode gerar na evolução de sua carreira.
Em minha carreira, ressalto também o apoio que recebi de profissionais para tornar o ambiente, no campo ou no escritório, mais saudável e igualitário. Hoje, procuro assumir também uma figura de incentivar o crescimento de meninas que ingressam nos mais diversos campos de trabalho da empresa. Ao ganhar experiência, as profissionais naturalmente se tornam mais confiantes e passam a desenvolver habilidades que até desconheciam. Essa tem sido a dinâmica que observo no meu dia-a-dia e, ao final, o resultado é praticamente unânime: mulheres se destacando e ocupando espaços e conduzindo trabalhos técnicos com maestria.
É essencial associar essas políticas ao engajamento de profissionais para promoção de ambientes que respeitem a diversidade da sociedade em sua magnitude, de modo que mulheres possam performar suas carreiras de forma justa e igualitária.
Mulheres podem e devem ser o que quiserem sempre. *Sonia keiko é vice-presidente de Negócios da Engemon
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