Inaugurado para coincidir com a Olimpíada de Tóquio de 1964, como vitrine da tecnologia do país que se reconstruiu do zero pós-guerra, o trem-bala que viaja a 270 km/h hoje e faz o percurso Tóquio-Osaka em 2 horas e 25 minutos, já completou 50 anos de operação com o recorde único de não ter sofrido nenhum acidente operacional no período com vitimas fatais, transportando mais de 5 bilhões de passageiros na região mais populosa do país.

Segundo técnicos da Japan Railway, tal façanha se deve aos redundantes sistemas de segurança inclusive para ocorrência de sismos — bastante frequente no Japão. A versão atual do trem bala é equipada inclusive com baterias elétricas que permitem conduzi-lo para fora de zonas de riscos, como pontes e viadutos, em caso de corte de energia no sistema de alimentação principal.

O modelo atual da locomotiva tem um perfil ainda mais aerodinâmico, lembrando que é resultado dos estudos aerodinâmicos, cujas pesquisas se inspiraram no pico de um pássaro que mergulha na água para capturar insetos sem espirrar para os lados. Esse perfil super afilado permitiu reduzir o estrondo do trem bala quando sai de um túnel, ao comprimir o ar à alta velocidade — tal qual o efeito “rolha” quando sacamos da garrafa, só que muito amplificado.

Conhecido como Shinkansen no Japão, o protótipo foi testado exaustivamente no horário noturno ocioso de uma linha ferroviária existente. Essas provas mostraram que o diâmetro da roda e aliviar o peso do vagão foram essenciais para se atingir a velocidade desejada com segurança. Mas para manter o trem bala operando por mais de 50 anos sem nenhum acidente fatal, foi necessário ter operadores altamente treinados na cabine de comando extensamente automatizada e um programa contínuo de inspeção e manutenção preventiva que roda 24 horas.

Num ano, 120 mil trens rodam nesse trecho conhecido como Tokaido, entre Tóquio e Osaka. Num dia útil são 400 trens — um trem a cada três minutos. O atraso médio anual é de 30 segundos, incluindo atrasos eventuais e longos causados por tornados, por exemplo, o que significa que o horário dos trens é preciso exceto quando há fenômenos atmosféricos. 

O segredo dessa pontualidade está no calculo da velocidade de cada trecho entre paradas, que é feito pelo operador. Quando o trem bala sai da estação, ele anuncia quanto tempo está adiantado ou atrasado em segundos e confirma o horário usando um relógio de bolso cedido pela empresa. O relógio é analógico, ao contrário de todos os controles da locomotiva que são digitais, porque permite que o operador faça essa conta mentalmente e ajuste a velocidade do trem para chegar no horário na próxima parada.

Por exemplo, se a próxima estação está a 100 km e o tempo de percurso é de 1 hora, o operador ajuste a velocidade para 100 km/h em média.  Se o horário de chegada é em 30 minutos, o operador vai a 200 km/h.  A conta é quase visual e instantânea. Mas nos trechos em aclives e em curva a velocidade se reduz, como entre Yokohama e Nagoya, distantes 300 km, percurso que demora 1 hora e 20 minutos, a 270 km/h em média. Os operadores fazem reciclagem rotineira em simuladores, para poder reagir a situações imprevistas — priorizando a segurança dos passageiros. 

Quando o trem bala chega na estação final e descem os últimos passageiros, entram as equipes de limpeza que limpam os vagões com aspirador elétrico e remove o lixo, trocando o protetor do encosto do assento — tudo isso em apenas 10 minutos. Ao concluir o serviço nesse intervalo, elas se perfilam na plataforma e ainda cumprimentam os passageiros que chegam.

Manutenção preventiva em 4 ciclos

A cada dois dias, um inspetor faz varredura no trem em busca de sinais visuais de defeitos ou pelo toque. Verifica os cabos que conduzem a energia captada pelo pantógrafo e sinais de degradação dos freios do trem. A inspeção mensal checa as condições do trem, com a energia ligada. Quatro inspetores verificam as condições dos rebites que são trocados se houver irregularidade. Cada porta do vagão tem 27 pontos de inspeção porque qualquer falha significará atrasos no horário.

A cada 6 meses, o motor e a plataforma onde ficam as rodas são desmontados. A rotação do motor e seus eixos são inspecionados se há sinais de fadiga ou desgaste.

A cada 3 anos, o trem todo é praticamente desmontado, numa inspeção que demora 15 dias. Todas as falhas são corrigidas preventivamente. Após montado de novo, o trem recebe nova pintura completa. Um trem com 16 vagões pode ser inspecionado mais de 500 vezes durante 3 anos.

A via permanente, a rede aérea e a sinalização recebem varredura de um trem especial apelidado de Dr. Amarelo, por causa da sua pintura nessa cor, que viaja a 270 km/h para realizar suas tarefas toda noite. Os trilhos são inspecionados a laser, que detecta folgas de 1 mm; a rede aérea de energia é checada em busca de sinais de desgaste.  Essa atividade diária envolve equipe de 3 mil técnicos e pessoal de apoio.

O lastro de material rochoso assentado 1 m abaixo dos trilhos é succionado pela pressão do trem bala em movimento.  Serve também para preencher vazios sob os trilhos e amortece o ruído da passagem do trem, mas a alta velocidade deste produz erosão na camada superficial do lastro, que é recomposta por máquinas dedicadas todas as noites. Fica claro que o recorde de segurança do Shinkansen depende também das equipes formadas por homens e mulheres que trabalham 24 horas na sua operação e manutenção!