Os bons ventos da indústria eólica offshore em outros países parecem não serem compreendidos no Brasil. Atualmente, 97 projetos deste tipo, cadastrados no IBAMA, somando 234 GW de potência instalada, aguardam as definições legais para iniciar, continuar ou postergar os investimentos no País. Isso porque, até hoje, o Projeto de Lei de 2021 (PL 576/2021) – ou seja, há três anos em tramitação – de autoria do ex-senador Jean Paul Prates (RN), que disciplina a outorga de autorizações para aproveitamento de potencial energético offshore, continua em tramitação. O projeto, que já foi aprovado pelo Senado em 2022, recebeu emendas na Câmara dos Deputados – os chamados “jabutis” – que geraram mais discussões e retardaram ainda mais sua aprovação.

 

Desses mais de 90 projetos, cinco são da Corio Generation, uma empresa do portfólio da Macquarie Asset Management, que opera de forma independente como desenvolvedora global de energia eólica offshore.  Com sede em Londres, no Reino Unido, a Corio, que já possui um pipeline de projetos de cerca de 30 GW, quer instalar cinco no Brasil: um no Ceará, um no sul do Espírito Santo (perto do Porto do Açu), e outros três projetos no Rio Grande do Sul. Cada um deles tem capacidade de 1,2 GW, totalizando a geração de 6 GW.

“Registramos no IBAMA cinco projetos em 2021. No mesmo ano, havia um termo de referência do Instituto, autorizando as empresas desenvolvedoras de offshore a registrarem seus polígonos no mar, como um pré-registro para estudo, para que quando tivéssemos a regulamentação, pudéssemos executar. Contratamos uma consultoria, procuramos os melhores ventos e as melhores infraestruturas perto dos locais, como por exemplo: portos, cadeias de fornecimento – já que essa indústria demanda equipamentos muito pesados. Vimos todos os itens necessários, como fixação das torres, rotas, necessidades para licença ambiental, todas as demandas para instalação e eliminação de riscos. No entanto, desde então estamos aguardando”, contou o diretor Brasil da Corio Generation, Ricardo de Luca, em entrevista exclusiva à revista O Empreiteiro.

O executivo explicou que o Projeto de Lei recebeu mais cinco artigos na Câmara dos Deputados, chamados de “jabutis” (termo que se refere a emendas parlamentares que não têm ligação direta com o texto principal), de que os offshore encareceriam as contas de luz em R$ 25 bilhões de reais ao longo dos próximos anos. “Eles se referem a outras fontes de energia como carvão, gás e etc., o que não tem a ver com o nosso, mas acabou emperrando a indústria offshore. Tanto que o projeto para produção de hidrogênio passou na frente. Agora, pelo período eleitoral municipal, o plenário em Brasília acaba esvaziando, porque muitos dos senadores e deputados vão para seus municípios apoiar seus candidatos.

Então, nosso receio é que o PL talvez nem seja aprovado ainda neste ano. Nossa expectativa ainda é para novembro, se tudo der certo”, disse o CEO, que destacou as consequências dos atrasos na legislação: “Duas empresas conhecidas da indústria offshore já foram embora do Brasil devido essa demora pela regulamentação. É um prejuízo para o país que pode perder empresas de padrão global, pelo volume de investimentos, pela capilaridade que atingiria vários municípios, tudo devido a essa falta de celeridade para a aprovação do projeto lei”, afirmou.

De acordo com o diretor, para um projeto offshore de 1 GW, são necessários em média US$ 3 bilhões de dólares de investimentos. “Pensem, se no Brasil, somente nós, pretendemos 5 projetos de 1,2 GW cada, estamos falando de uma média de US$18 a 20 bilhões de dólares de investimentos no país. Claro que, inicialmente, estamos olhando um projeto por vez, porque não teria como fazer os 5 ao mesmo tempo, mas são muitos recursos para se perder”.

Sobre os projetos da Corio no Brasil

Dentre os cinco projetos da Corio Generation inscritos no IBAMA (um no Ceará, um no sul do Espírito Santo, e outros três no Rio Grande do Sul), Ricardo disse que a prioridade são os 4 localizados no sul e sudeste do país. “Temos falado nos quatro dessas regiões porque é onde se  concentra o mercado consumidor, já que o nordeste já possui vários grandes projetos de energia renováveis, eles mais transferem do que consomem, e as linhas de transmissão lá já estão superlotadas”, ressalta o diretor.

Sobre o cronograma, Ricardo explica que há um tempo de estudo antes, e que o leilão de áreas só acontece após a regulamentação. “Esses modelos sempre são estudados durante 4 anos, em seguida à regulamentação, após participar de um leilão de área, estuda-se essa área por mais 4 anos, e, depois da Licença de Operação, são mais 4 anos de construção, até realmente ficar pronto para interligar a energia que será produzida para levar para a terra e energizar o mercado consumidor nos estados”, detalhou.

De acordo com o diretor, nesses projetos de 1,2 GW da Corio, são necessárias turbinas entre 15 e 18 GW, totalizando cerca de 70 turbinas por projeto. “Para se ter uma ideia, cada turbina instalada pesa 600 toneladas, e ainda tem a montagem das torres que são gigantescas. No Brasil, nos nossos complexos, será uma turbina para cada torre, ou seja, 70 turbinas por projeto, e eles são tão grandes que precisam ser fabricados e transportados por mar, por isso a necessidade de portos e toda a infraestrutura por perto”, explicou.

Ricardo também falou dos desafios e diferenças em montar um parque eólico em terra e construir um no mar. “Em terra, a negociação é feita com fazendeiros, áreas agrícolas, e nesses casos há muitas reclamações das comunidades do entorno porque as turbinas fazem muito barulho. As turbinas instaladas na terra são em média de 5 a 7 MW, já no mar são de 15 a 20 MW, ou seja, o dobro da capacidade. E lá a negociação não é com fazendeiros. Temos que tomar cuidado para não atrapalhar o visual da praia, o que pode criar interferência com os municípios, e cumprir a exigência de instalação a distância de 20 km da terra”, comparou.

Segundo o executivo, para a instalação de um parque eólico offshore a profundidade ideal em média é de 20 a 50 m, uma característica inclusive das costas brasileiras. “Nossos projetos estão previstos à distancia  mínima de 20 km da costa e profundidade de 20 a 50 m. As turbinas serão de 15 MW, sendo no total 70 turbinas necessárias. Para a instalação, inicia-se com uma fundação no fundo do mar, onde um navio guindaste crava essa primeira parte da tubulação no solo marinho, depois vem uma segunda parte de menor diâmetro, e, depois, a instalação das turbinas por cima, só até aí já somam mais de 100 m de altura. Depois, vem a instalação das pás, totalizando então cerca de 200 m de altura. É uma quantidade gigantesca de torres e equipamentos num projeto”, relatou Ricardo.

De acordo com ele, para aguentar essas turbinas de 600 toneladas, as torres são bem robustas, sendo necessária para cada turbina, uma torre. “No caso, são 80 torres para cada projeto com 70 a 80 turbinas”.

Nos EUA, Inglaterra, Escócia, Austrália e Taiwan já existem complexos eólicos offshore em funcionamento. Em Taiwan, por exemplo, estão  o Formosa I e II, e em desenvolvimento o III. O Formosa II concluiu todas as instalações das fundações em 2022. As instalações de todas as 47 turbinas foram concluídas em janeiro de 2023 e todas estão ligadas à rede desde março do ano passado. Este projeto estabeleceu instalações tanto na cidade de Taichung como no porto de mesmo nome, em Taiwan, e foi um desenvolvimento conjunto da JERA (49%), do Green Investment Group da Macquarie Asset Management (26%) e da Synera Renewable Energy (25%), sendo o GIG apoiado pela Corio Generation.

Já no Brasil, Ricardo de Luca espera que o primeiro leilão de área aconteça em 2025, mesmo com as incertezas da regulamentação. “Temos conversado com o Ministério de Minas e Energia, porque após a aprovação do Projeto de Lei, o Ministério terá que fazer o detalhamento e diretrizes, e preparar o primeiro leilão de área. Então, se for aprovado em novembro deste ano, talvez tenhamos o primeiro leilão em 2025. Queremos isso até a COP 30 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, previsto para 2025”, disse esperançoso e justificando a relação com o evento global: “Nós queremos que o governo use a COP para potencializar essas novas indústrias,  aproveitar esse momento, para impulsionar os projetos offshore e de hidrogênio verde, e assim dar um futuro para essas duas fontes para atender a transição energética. Nosso desejo é que até a Conferência do ano que vem essas pautas estejam mais concretas no País”, concluiu.

“Jabutis”encarecem as contas e favorecem fontes poluentes

A Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado Federal  discutiu em uma audiência pública, realizada no dia 20 de agosto, o substitutivo da Câmara dos Deputados ao projeto que disciplina a outorga de autorizações para aproveitamento de potencial energético offshore (PL 576/2021 – Substitutivo CD). A audiência foi presidida pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), e contou com críticas de Marcos Madureira, presidente da  Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), que disse que as modificações vão aumentar o custo da energia em R$ 25 bilhões até 2050 e estimular o uso de fontes não renováveis, como o carvão.

Em nota exclusiva enviada à revista O Empreiteiro, a ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica esclareceu as críticas que os custos de energia aumentariam com a autorização das eólicas offshore pelo PL 576/2021: “Hoje se discute a criação de uma lei para cessão de áreas no mar, ou seja, para que o governo possa ceder as áreas aos empreendedores com base em regras e obrigações para o desenvolvimento futuro destes projetos. Neste quadro regulatório, sobre a perspectiva da discussão do Projeto de Lei 576/2021, não existe nenhuma informação sobre compra ou venda da energia, logo, não é possível dizer que os custos referentes à cessão de área poderiam aumentar o custo da energia”.

Ainda sobre a tramitação do projeto, a ABEEólica acrescentou: “Por outro lado, o PL 576/2021 recebeu uma série de temas adicionais na câmara dos deputados não associados ao texto e muito menos às eólicas offshore. Estas contribuições foram incluídas por movimentos que apoiam térmicas, fontes poluentes e até extensão de subsídios que poderiam impactar não somente o custo de energia, mas também a sustentabilidade futura da indústria”, criticou a entidade.

Segundo ainda uma nota da ABEEólica publicada no dia seguinte à audiência pública, “o Brasil possui um dos maiores potenciais do mundo para a geração de energia eólica offshore, com mais de 1.200 GW disponíveis, conforme estudos do Banco Mundial. Segundo o Global Wind Energy Council (GWEC), cada GW instalado representa um investimento de €2,5 bilhões na economia brasileira. A demora na aprovação do PL 576/2021 ameaça afastar investimentos significativos, que poderão ser redirecionados para outros mercados com ambientes legais e regulatórios mais favoráveis”, alertou a Associação.

De acordo com o Conselho Global de Energia Eólica (GWEC – Global Wind Energy Council), alguns dos países que já possuem projetos de eólicas offshore são: China, Reino Unido, Alemanha, Vietnam, Bélgica, Taiwan, Dinamarca dentre outros.

Sobre a expectativa de aprovação do projeto, a Associação foi otimista, dizendo que espera que “ocorra ainda este ano e que está trabalhando para que seja em setembro”. Até o fechamento desta edição, o PL 576/2021  ainda não havia sido aprovado.