Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29) de 2024, que acontece até 24 de novembro, em Baku, capital do Azerbaijão, outro berço da indústria, porém brasileiro – e que nem sempre é lembrado – se preocupa com o desenvolvimento econômico e sustentável no País, em especial na Amazônia, região que sediará a COP30 em 2025: é a Zona Franca de Manaus, no Amazonas.

Pensando em alavancar a capital amazonense e todas as outras regiões do maior bioma brasileiro que possuem grande potencial socioeconômico, e que tem sido foco mundial para o combate à crise climática, o Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM) em parceria com a  Fundação Getúlio Vargas (FGV), realizaram a quarta edição da conferência Diálogos Amazônicos, na última sexta-feira, dia 8, em São Paulo.

A conferência reuniu diversos especialistas, acadêmicos e líderes empresariais e discutiu os principais desafios da região, tais como a falta de infraestrutura e logística, principalmente nos períodos de estiagem, mas, também, em contrapartida, as grandes oportunidades que a Amazônia oferece. Empresas locais relataram sobre o desenvolvimento da bioeconomia, devido a biodiversidade local, entre outros segmentos, mostrando que é possível aliar a indústria e investimentos na Amazônia, mantendo a população e a floresta de pé.

“O intuito do evento é tornar a Amazônia mais conhecida. O desconhecimento sobre aquela região gera muitos equívocos, as pessoas não procuram nem mesmo no Google para saber a dimensão dela. A Amazônia é um planeta, é um ecossistema à parte. E ainda existe uma incompreensão sobre ela derivada do preconceito. Eu sou empresário também aqui em São Paulo e vejo que existe preconceito com aquela região. Então, trouxemos como exemplo quem empreende lá, pois ninguém melhor para falar da região como os próprios amazônidas. Esse é o objetivo do Diálogos Amazônicos, que as pessoas ouçam as falas da Amazônia”, justificou o presidente do Conselho do CIEAM, Luiz Augusto Rocha.

 

Experiências, novos caminhos e oportunidades 

Já realizado em Brasília, e, desta vez em São Paulo, o quarto encontro Diálogos Amazônicos abordou temas como segurança jurídica, integridade territorial, investimentos e oportunidades econômicas, além do papel da Amazônia no desenvolvimento brasileiro.

O painel mais extenso do debate foi sobre as experiências e investimentos na Amazônia, e, dentre as empresas painelistas, a primeira a relatar sua trajetória e ações desenvolvidas na região foi a GBR Componentes da Amazônia, do Grupo Garcia, que fabrica máquinas, celulares, aparelhos e materiais elétricos, mas que agora também está investindo na bioeconomia no setor de cosméticos e farmacêuticos. “Nós entendemos a necessidade de diversificar e encontrar novos negócios, porque apesar de sermos atuantes no ramo de tecnologia e eletrônicos, a Zona Franca de Manaus ainda precisa executar o propósito da origem dela, que é gerar emprego no interior da Amazônia. Nesse entendimento, passamos a investir  em biodiversidade e em pesquisas na área de bioeconomia, e uma delas trata sobre um gel cicatrizante para úlcera diabética que está na terceira fase de aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e que em breve iremos fazer o lançamento”, contou a diretora de Desenvolvimento de Negócios da GBR e ex-deputada federal, Rebecca Garcia, que complementou: “Vimos que a bioeconomia será um futuro vetor para gerar emprego e desenvolvimento no interior, e por isso optamos por investir nisso”.

A ex-parlamentar ressaltou também a importância da união dos setores público e privado em prol da Amazônia e convidou novas empresas para a região.  “Precisamos encontrar soluções para o desenvolvimento da Amazônia porque ela é um tesouro natural, é um regulador climático, é um ativo econômico e ela é estratégica para o Brasil e para o mundo. É importante a união dos entes federativos e privados na defesa desse polo industrial, porque se perdermos uma indústria no Amazonas, o Brasil também perde. Porque a Zona Franca não é só de Manaus, ela é do Brasil. Então, fica aqui um convite, para quem está aqui e é investidor ou empresa, para também investir na Amazônia”, enfatizou Garcia.

 

Soluções para desafios, desenvolvimento econômico e sustentável

Apesar de abrigar cerca de 600 indústrias, a Zona Franca de Manaus ainda carece mais destaque no País como grande polo industrial, assim como outras regiões amazônicas, muitas vezes esquecidas pelo Poder Público e até mesmo por algumas grandes empresas do setor privado que preferem se instalar em outras localidades.

Um dos impasses para alavancar ainda mais o desenvolvimento econômico, social e sustentável na região é a infraestrutura logística precária. “A Zona Franca de Manaus é um centro irradiador de prosperidade, mas, nosso País, infelizmente, ainda é muito desigual. Sabemos que é difícil compreender a Amazônia, porque tem lugares que demoram 30 ou 40 dias para chegar, mas empreender lá não é impossível e essas empresas estão aqui para mostrar isso”, ressaltou o presidente do Conselho do CIEAM, Luiz Augusto Rocha.

Um dos exemplos de crescimento é a Honda Motors, que dos 52 anos no Brasil, sendo 48 da unidade em Manaus, atingiu o marco de 30 milhões de motos produzidas no País no mês de outubro. “Nossa unidade em Manaus é a maior do Grupo Honda no mundo. Nós empregamos 10 mil pessoas, sendo 8.500 diretamente com a companhia e os outros através de empresas terceirizadas”, destacou Julio Koga, VP da Honda Motors Amazônia, acrescentando ainda que a unidade amazonense possui mais de 120 fornecedores, sendo 32 de Manaus.

Também girando a economia e enfrentando os desafios da Amazônia, Denis Minev,  CEO da Bemol S/A, uma rede de lojas de departamento fundada em Manaus em 1942, contou em detalhes como estão expandindo e, em paralelo, desenvolvendo soluções tecnológicas e ambientais para enfrentar os desafios logísticos e de desmatamento na região. 

Em tecnologia, Denis destacou os investimentos em projetos para melhorar a logística na região. “Nós temos muito orgulho de sermos a única, entre os líderes de e-commerce conhecidos mundialmente, a conseguir operar nesses lugares, com as características estreitas dos rios e regiões informais, onde as outras varejistas não atuam.  Ao mesmo tempo, fazemos muitos investimentos para melhorar esse acesso, tais como: um ekranoplan, ou seja, um barco voador, da startup Aeroriver, incubada no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e que conta com nosso apoio e da Agência Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Ou seja, em breve teremos barcos voando sobre rios na Amazônia. Outra iniciativa para a logística que investimos é da empresa Navegan, que está desenvolvendo uma forma de comprar passagens de barco digitalmente, porque hoje, na Amazônia, para andar de barco ainda é preciso ir presencialmente até o guichê; E um terceiro projeto, que todos deveriam investir como sociedade, é o desenvolvimento de canoas autônomas, em parceria com a Universidade Federal do Amazonas, que ainda está em andamento. Afinal, se temos carros autônomos, porque não canoas autônomas?” indagou o executivo.

No caso dos períodos de estiagem, Denis contou que estão investindo também em outros tipos de embarcações como os Hovercrafts, um veículo de colchão de ar, tipo aerobarco ou aerodeslizador, que se apoia num colchão de ar, e é capaz de atravessar diversos tipos de solo, podendo ajudar na seca. “Nosso cenário na estiagem é que os barcos comuns conseguem chegar na frente da cidade, mas, chegando lá, existem 100 metros de lama na margem, como fazemos para descarregar uma geladeira ou encomendas pesadas? Por isso, estamos investindo nos modelos de hovercrafts”, explicou Denis, que concluiu: “A nossa adaptação climática é um tema urgente, mas poucas empresas e até mesmo o governo, pensam nessa questão com intensidade”.

Ainda sobre a seca, no caso dos serviços de saneamento, o diretor Presidente das concessionárias Águas de Manaus (AM), Rio Negro Ambiental (AM) e Águas de São Francisco (PA), Pedro Freitas, contou sobre o desenvolvimento de sistemas para não parar o fornecimento. “Instalamos um sistema de captação no meio do leito do Rio Negro. Foram obras desde a interconexão de todas as nossas captações, para um servir de backup para outro, bem como a mudança e aprofundamento do local de captação para não deixar de fornecer a longo prazo. Então agora, com as bombas flutuantes conseguimos captar água no meio do leito do Rio Negro para eventos futuros”, contou Freitas.

Além das mudanças operacionais, o diretor destacou a importância da proteção das fontes subterrâneas, e, para isso, a empresa vem desenvolvendo tecnologias para o sistema de reuso da água, mantendo o tratamento e a qualidade do recurso. Além disso, listou outras iniciativas para preservar as regiões de igarapés, característica de Manaus, a tubulação aérea sobre palafitas e a distribuição do abastecimento no formato de microbacias para atender as regiões individualmente. “Nós temos um serviço de tratamento diferenciado para as regiões amazônicas, que é feito de acordo com a realidade que a população vive, por isso adaptamos à localidade”, frisou Freitas, anunciando que, além de Manaus, a concessionária planeja universalizar o abastecimento de água e esgotamento sanitário em Barcarena, no Pará.

 

Além da infraestrutura, os investimentos humanitários

No painel integridade e segurança na Amazônia, o General de Exército, Comandante Militar da Amazônia, Ricardo Augusto Ferreira Costa Neves, apresentou ações que vêm sendo realizadas na região, desde operações para garantir a defesa territorial, quanto às de saúde e emergenciais, como a ajuda humanitária aos povos Yanomamis, bem como os programas sociais desenvolvidos pelo Exército na região, a exemplo do Instituto de Pesquisas do Exército na Amazônia (IPEAM). 

O novo centro de inovação e tecnologia inaugurado dia 1º de novembro visa desenvolver pesquisas de ponta, com aplicações de IA voltadas ao mapeamento ambiental, e fomentar a ciberdefesa. Além disso, o programa de capacitação profissional do IPEAM, em parceria com o Instituto Militar de Engenharia (IME), oferecerá suporte técnico a estudantes de Manaus, preparando a próxima geração de especialistas em ciência e tecnologia na Amazônia.

Já no setor privado, um exemplo de investimentos sociais na Amazônia é o da empresa Yamaha, produtora de motocicletas, quadriciclos e motores, que completa 40 anos em Manaus em 2025, e investe em programas de capacitação na região. “Temos dois projetos, um deles é o de oficina mecânica de motocicletas, que é uma parceria com uma escola local em uma região vulnerável, onde eles recrutam jovens e nós ensinamos o ofício de mecânica. Neste projeto, a Yamaha montou uma oficina dentro da escola, lá eles estudam no primeiro ano, e, depois da formação, no segundo ano, eles são contratados para a fábrica. É um programa reconhecido inclusive pelo MEC e que já formou 700 jovens”, contou Rafael Lourenço, gerente de relações institucionais da Yamaha.

De acordo com o gerente, a empresa ainda possui um segundo projeto social, desta vez, em parceria com o SENAI, que é o Barco Escola Samaúma. “São dois barcos, Samaúma I e II, eles navegam e vão parando nas comunidades ribeirinhas, não somente no Amazonas, mas em outros estados também, oferecendo vários cursos de capacitação, tais como costura, panificação, informática básica, e mecânica de popa de barco, que é oferecido em parceria com a Yamaha. A escolha por este curso é porque em alguns lugares da Amazônia o único meio de transporte é o barco”, justificou Rafael, acrescentando que o curso de mecânica de popa já formou mais de 400 mecânicos nas comunidades ribeirinhas.

Do ponto de vista ambiental, o executivo também destacou as iniciativas sustentáveis da Yamaha. “Nós somos uma empresa de política aterro zero, ou seja, nenhum resíduo de produção da Yamaha vai para aterro sanitário em Manaus, desde 2017. Além de todas as certificações ambientais, desde 2014, temos um projeto que é o de racks retornáveis, que são espécies de gaiolas, onde enviamos as motocicletas e mandamos para a concessionária. Depois da entrega, ela pode ser achatada e voltar para a Yamaha. Antes dessa gaiola retornável, enviávamos a motocicleta em uma caixa metálica, então, com esse projeto, deixamos de gerar mais de 28 mil toneladas de resíduos na natureza”, explicou Lourenço, acrescentando que a Yamaha possui também outros projetos, como a instalação de células fotovoltaicas para gerar energia limpa, e o lançamento de uma moto elétrica que começará  a ser comercializada em fevereiro de 2025.

Após todas as apresentações, o presidente do CIEAM reforçou que o Conselho criou neste ano uma comissão para tratar sobre soluções para a logística, no entanto, mesmo com todas as iniciativas, ainda há necessidade do Poder Público e outras empresas conhecerem e investirem na Amazônia, pois o desenvolvimento econômico impacta diretamente na vida das pessoas. “Vimos que a Amazônia não tem um plano de logística, não temos estradas em todos os lugares e, com a seca, perdemos os rios. Se há uma emergência como um parto, por exemplo, morre à míngua. Por isso, a pauta da Amazônia é uma pauta do Brasil. Nós temos 30 milhões de brasileiros que vivem nela, que acordam, que precisam tomar café, ter saúde e emprego, e, nós, como lideranças empresariais, nos preocupamos com eles, por isso o motivo desse e outros encontros necessários”, concluiu.