Aghane Carvalho, Manaus (AM)
Depois da rebelião de operários na Usina de Jirau eclodiram outros protestos de trabalhadores em vários canteiros de obras no País. Os motivos do tumulto na maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, orçada em R$ 13,9 bilhões, que terminou com alojamentos, refeitório e veículos queimados, ainda não foram esclarecidos e estão sendo investigados pelas autoridades de segurança pública, pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e pelo próprio governo de Rondônia.
As versões para o estopim das revoltas em Jirau são muitas e controversas. Se, por um lado os trabalhadores reclamam das péssimas condições de trabalho, de baixos salários e dos benefícios praticados de forma diferenciada para uma ou outra categoria de operários, além da comida e estrutura dos refeitórios e alojamentos, do outro, as empresas rebatem as alegações, afirmando que as estruturas dos alojamentos e a alimentação servida nos refeitórios são de ótima qualidade e que tudo está dentro do que prevê a legislação trabalhista.
"Não acredito nas versões de más condições de trabalho ou excesso de trabalho, pois o que os trabalhadores reclamam é justamente da impossibilidade de trabalhar mais horas e receber mais horas extras. O canteiro de obras de Jirau dispõe de condicionadores de ar em todos os quartos, área de vivência muito boa e comida de ótima qualidade. Eu mesmo sempre almoço no canteiro, no mesmo restaurante dos trabalhadores. Como se trata de um movimento que ocorreu em outras obras do país, penso em algo mais organizado do que briga de trabalhadores ou algo específico da obra de Jirau", opina Antonio Luiz Jorge, diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Energia Sustentável do Brasil, empresa responsável pela implantação da Usina Hidrelétrica de Jirau.
Sobre as queixas dos operários com relação aos salários, a Construtora Camargo Corrêa, responsável pela execução das obras, afirma que todos os compromissos contratuais estão sendo rigorosamente honrados, como salários, horas-extras e benefícios dos trabalhadores. A empresa informou que a média salarial dos funcionários operacionais da obra é de R$ 1.500,00. E que com o acréscimo das horas-extras, estes ganhos podem chegar a R$ 2.100,00. Os benefícios estão de acordo com o estabelecido coletivamente com o sindicato da categoria e com a legislação trabalhista, incluindo cesta básica, plano de saúde e participação nos resultados.
De acordo com as versões apuradas, os trabalhadores queriam a possibilidade de trabalhar mais do que o limite de 40 horas extras mensais previstas em lei e a empresa não poderia contrariar a legislação. "Em todas as obras, o barrageiro vai para ganhar dinheiro. Então ele naõ quer ficar parado, quer fazer mais horas extras, para ganhar mais. Só que existe o limite previsto na lei", comentou Victor Paranhos, presidente da Energia Sustentável do Brasil em entrevista à imprensa. A Construtora Camargo Corrêa defende que as condições de trabalho em Jirau são as melhores disponíveis no país. Todos os alojamentos são equipados com ar-condicionado e ampla área de vivência. Os funcionários também contavam com infraestrutura completa na obra. Além dos refeitórios, com funcionamento 24 horas, estavam disponíveis áreas de lazer com academia, quadra de vôlei e futebol de areia, quadra poliesportiva coberta, campo de futebol, academia de ginástica ao ar livre e fechada, salas de jogos, salas de televisão com sinal de TV fechada e aparelhos de DVD, centro de treinamento, lavanderia, sala de internet, farmácia, salão de beleza, barbearia, agência bancária, caixas eletrônicos e até centro ecumênico. Os alojamentos para operários e serventes acomodam quatro pessoas com banheiro individual, o que não é usual.
Para a Construtora Camargo Corrêa, a ação que resultou em alojamentos e veículos queimados, foi um ato de vandalismo e violência praticado por uma minoria no canteiro de obras, que não representa os trabalhadores de Jirau. A empresa afirma que as causas do tumulto estão sendo investigadas e que não havia recebido nenhuma pauta de reivindicações do sindicato da categoria.
Porém, os sindicatos falam em casos de exploração dos trabalhadores com salários baixos, longas jornadas e péssimas condições de trabalho e que existe um clima de insatisfação velado. Na versão dos fatos apresentada pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil do Estado de Rondônia (Sticcero), por meio do seu vice-presidente, Donizete Oliveira, os motivos que levaram trabalhadores do canteiro da Usina de Jirau à revolta nascem da insatisfação com questões relacionadas à diferença nos valores de salários e classificações de cargos, corte de horas-extras e políticas de treinamento. "Os trabalhadores alojados vêm para trabalhar e ganhar dinheiro e a hora extra é prioridade.
Também há cerca de quatro mil trabalhadores que vieram de outros estados por conta própria e a empresa não concede o benefício de folga de campo. Com isso, o operário chega a ficar um ano sem visitar os familiares, o que tem causado estafa, desconforto e depressão em muitos, pois ficar um ano só trabalhando, sem ver ninguém conhecido é realmente difícil", explica Donizete Oliveira.
O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Arthur Henrique, afirma que os trabalhadores também estavam sendo pressionados para terminar as obras e diz que é necessário um acordo para as questões relacionadas a salários, saúde e segurança no trabalho; refeitórios para os trabalhadores; e a volta para a casa dos trabalhadores de fora das cidades próximas da obra.
A Camargo Corrêa julga improcedente a versão de que reivindicações trabalhistas provocaram os protestos, afirmando que o sindicato local, inclusive, repudiou a violência em nota publicada na imprensa local, confirmando que não havia nenhuma pauta de reivindicações em Jirau.
A respeito da alegação de que havia epidemia de doenças no canteiro de obras, a empresa diz que a informação é improcedente, pois o canteiro de obras possuía dois ambulatórios, uma equipe de saúde composta por 100 pessoas e controle permanente de vetores de doenças. Apenas como exemplo, a Camargo Corrêa informou que todos os dias uma equipe de saúde realiza a pulverização para controle de mosquitos transmissores de doenças, como dengue e malária, que são endêmicas da região, e distribui repelentes para os funcionários. Os uniformes dos operários também são impregnados com o mesmo produto e desde o início das obras não foi registrado nenhum caso de malária dentro do canteiro de obras.
Com relação ao
transporte de trabalhadores, a empresa informou que o deslocamento do canteiro de obras para a cidade de Porto Velho era realizado de hora em hora, a partir de uma rodoviária localizada dentro do canteiro de obras.
Questionada sobre a relação do protesto em Jirau com outras revoltas em canteiros como na usina de Foz do Chapecó, também de responsabilidade da Camargo Corrêa, na greve de operários da usina de Santo Antônio, que integra juntamente com a usina de Jirau, o Complexo do Rio Madeira, entre outras que fazem parte do pacote de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a empresa se limitou a dizer que as autoridades competentes investigam as causas do tumulto. A construtora destaca sua postura de empresa sempre aberta ao diálogo, informando que no caso das obras em Jirau, no ano passado, a Camargo Corrêa firmou dois acordos coletivos, algo inédito no setor.
A empresa também reforça que não recebeu do sindicato local ou de representantes dos trabalhadores qualquer solicitação que mencionasse ou alertasse alguma insatisfação dos operários até então com as condições de trabalho, transporte, comida nos refeitórios.
Já quanto às versões de maus tratos e autoritarismo das equipes de segurança, a empresa informou que vai apurar todas as críticas sobre a atuação de seus funcionários e que não autoriza este tipo de comportamento de seus funcionários, nem compactua com esta prática.
O aumento dos índices de prostituição e violência nas localidades vizinhas as obras também foram questões levantadas nas razões que integram o pano de fundo para a revolta de operários. Sobre essas questões, a Construtora Camargo Corrêa informou que o Instituto Camargo Corrêa (ICC) articula nas cidades do entorno do empreendimento iniciativas relacionadas aos programas "Infância Ideal", voltado para crianças de 0 a 6 anos; "Escola Ideal", que realiza melhorias nas escolas públicas; e "Futuro Ideal", que incentiva o empreendedorismo econômico e social, além da inserção de jovens no mercado de trabalho.
O "Infância Ideal" está presente no distrito de Jaci-Paraná, localidade mais próxima do canteiro de Jirau, com três projetos que buscam prevenir e enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes por meio do fortalecimento da rede de proteção da comunidade. O "Escola Ideal" empreende projetos para a melhoria da gestão de 32 escolas de ensino fundamental de Porto Velho e Guajará-Mirim, beneficiando 7.500 alunos.
E o projeto "Tempo de Empreender", que faz parte do programa "Futuro Ideal", tem como objetivo implantar um sistema eficiente de produção primária de frutas típicas da região e desenvolver a agroindústria local por meio de cooperativas. Com a iniciativa, 280 famílias dos distritos de Jaci-Paraná, União Bandeirante e Abunã já formaram grupos de produção de abacaxi, açaí e banana. Essas famílias serão beneficiadas ainda com a Biofábrica Jirau, unidade de produção de mudas frutíferas de maior valor genético. A unidade, instalada no canteiro da usina, está ajudando a impulsionar ainda mais os negócios das cooperativas, agregando valor aos seus produtos.
Greves se alastram
Depois da paralisação nas obras das usinas do Rio Madeira, provocadas pela rebelião em Jirau e pela tumultuada greve na usina Santo Antônio, em Porto Velho, outras revoltas vieram à tona. Em Pernambuco, as obras da refinaria de Abreu e Lima e da Petroquímica de Suape, tocadas pela Odebrecht e pela OAS, que empregam 34 mil funcionários, também foram paradas. Os operários reivindicam melhores condições de trabalho e benefícios como aumento do valor do vale-alimentação e folgas de campo aos funcionários de fora do Estado.
No Ceará, os seis mil trabalhadores da Termelétrica de Pecém, obra liderada pela EDP e MPX, também estão parados. Mais recentemente, os trabalhadores das obras do Porto do Açu, da MPX, no Rio de Janeiro, também declararam greve geral, impedindo os acessos ao canteiro com pneus e galhos de árvores. O grupo de Eike Batista negociou com os operários e as obras já foram retomadas.Esses episódios pegaram todos de surpresa, inclusive os sindicatos locais.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) afirmou que irá propor a suspensão de todos os empréstimos de dinheiro público para as empresas que não derem condições mínimas de trabalho aos funcionários nos canteiros de obra. O governo está disposto a criar um grupo de trabalho para melhorar as condições dos operários. Essa comissão seria formada por empresários, trabalhadores e também por representantes do governo. A idéia é ter a presença de uma comissão tripartite que dê conta dos conflitos naturais que ocorrem nos ambientes de obras, com grande contingentes de trabalhadores.
A revolta em Jirau também trouxe à tona a discussão a cerca da forma de recrutamento não oficial que é praticada pelos "gatos", encarregados de recrutar operários migrantes em regiões pobres do Norte-Nordeste para trabalhar nas obras. Os "gatos" são uma das principais reclamações dos operários. As centrais sindicais querem uma solução para acabar com os intermediários na contratação de trabalhadores para as grandes obras do PAC. A prática é antiga na construção civil e na implantação de obras em geral, em virtude da falta de mão de obra disponível no Sul-Sudeste. A intenção é que somente o Sine, Sistema Nacional de Emprego, possa recrutar os trabalhadores
O governo convocou uma reunião com representantes do Ministério Público do Trabalho, das centrais sindicais e das empresas responsáveis por essas obras. As centrais sindicais admitiram que não têm experiência para lidar com os grandes contingentes que atuam nos canteiros das obras de escala excepcional. Há problemas trabalhistas, como diferentes formas de remuneração e condições de trabalho, que distinguem os trabalhadores de uma empresa dos de outra, subcontratada da empresa principal, mesmo que desempenhem as mesmas funções.
O presidente da CUT, Artur Henrique destacou que nessas obras há serviços terceirizados e até quarteirizados, cada um com contratos trabalhistas específicos e que estas questões precisam ser equiparadas para evitar outros conflitos. A Camargo Correa afirmou que a terceirização de funcionários nas obras em Jirau, especificamente, tem nível muito baixo e que como é uma obra de grande responsabilidade e prazo exíguo, os recursos próprios são predominantes.
As principais discussões, segundo os sindicalistas, giram em torno das reivindicações apresentadas pelos operários, como: antecipação de 5% do reajuste salarial, a partir de abril; folga de cinco dias, a cada três meses, para os trabalhadores visitarem a família, com passage
ns aéreas fornecidas pelas empresas.
Enquanto o acordo não sai, ainda não há prazo para a retomada do ritmo normal das obras de Jirau. Na outra obra do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, a da Usina de Santo Antônio, onde há 16 mil trabalhadores, o consórcio construtor de Santo Antônio disse que já tomou todas as providências para a retomada dos trabalhos e que as obras estão sendo normalizadas aos poucos.
Efeito cascata
A rebelião em Jirau revelou que empresas, sindicatos e governo estavam despreparados para lidar com os problemas das obras. Para evitar novas ocorrências, todos concordam que é preciso uma ampla discussão sobre os aspectos trabalhistas existentes nos canteiros de obras, sobretudo em locais remotos do país ou áreas de fronteira, como é o caso da usina de Jirau, que fica localizada na região Amazônica, e de possíveis usinas hidrelétricas previstas nas divisas do Brasil com países da América Latina, como Peru, por exemplo.
Disputa sindical
As disputas sindicais para representação dos trabalhadores também é apontada como possível tempero a mais para as revoltas operárias. Sindicatos ligados à Força Sindical e à CUT disputam a representação dos trabalhadores e podem ter atuado na surdina, inflamando ainda mais os ânimos dos operários. A questão passa pela necessidade de um sindicalismo efetivo, representativo e independente das grandes empresas.
Cronograma
Pelo contrato de concessão a Usina Hidrelétrica de Jirau deve entrar em vigor em janeiro de 2013. Contudo, o consórcio estimava que as usinas do Rio Madeira entrassem em funcionamento um ano antes do prazo, entre 2011 e 2012. A empresa está avaliando os prejuízos e elabora um cronograma para a retomada gradativa das atividades.
Alojamentos e ônibus destruídos em Jirau
A gigantesca Usina Hidrelétrica Jirau vivenciou momentos de caos depois do incêndio de 15 alojamentos. Na destruição 45 ônibus foram queimados após discussão entre motorista e operário da construtora. Lojas do comércio local foram saqueadas e houve roubos aos postos bancários da obra. A Secretaria de Segurança de Rondônia ordenou a evacuação de 20 mil operários. O medo a insegurança se espalharam para os distritos próximos, de Jaci Paraná e a Nova Mutum, cidade construída para abrigar trabalhadores e a comunidade remanejada por conta das obras do reservatório da barragem.A Força Nacional foi enviada à região para conter os ânimos.
A capital de Rondônia, Porto Velho, a 120 quilômetros do canteiro de obras, recebeu parte dos trabalhadores e o clima de insegurança tomou a cidade. Uma parte dos operários foi logo transferida para seus Estados de origem. Cerca de dez mil operários que eram de outras regiões foram hospedados em Porto Velho em quatro centros de triagem, entre eles um ginásio esportivo e um clube. Os operários foram cadastrados para que pudessem ser contatados na reconvocação ao trabalho. A construtora colocou à disposição um serviço 0800 que recebeu 15 mil ligações de familiares dos trabalhadores. Foram contratados 300 ônibus e oito aviões fretados para transportar os operários. A operação envolveu 300 pessoas da construtora e custou entre R$ 15 milhões e R$ 18 milhões. A extensão dos prejuízos ainda está sendo levantada pela seguradora. A crise em Jirau motivou o surgimento de tumulto na Usina de Santo Antônio e novas exigências trabalhistas à Odebrecht, empreiteira que lidera o consórcio responsável pela hidrelétrica.
Fonte: Estadão