Houve uma falha no canteiro. Alguma peça não se encaixou. Houve despreparo do lado que não conseguiu manter o equilíbrio entre os trabalhadores ou na pequena parcela mais precipitada, dentre eles. Ou aconteceu uma falha grave por parte direção do grupo de empresas que toca as obras. Refiro-me ao tumulto ocorrido nesses dias no canteiro da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. É curioso que a direção da obra não haja captado previamente, para eliminar no nascedouro, os motivos que provocaram o quebra-quebra.

Canteiro de obra, com um contingente tão elevado de trabalhadores – mais de 20 mil – não tem sido comum, nos últimos anos, no Brasil. E, preparar um canteiro para tanta gente, dia e noite, com café da manhã, almoço, janta e ocupação em eventuais horas de lazer, com aquela multidão de homens longe de seu hábitat natural e de suas famílias, requer alguns requisitos que antigamente eram objeto de cuidadosos estudos prioritários, até do ponto de vista da sociologia.

Lembro, a propósito, a Vila Piloto, montada para a construção do complexo de Urubupungá, no rio Paraná. Era um contingente maior do que o de Jirau. E, no entanto, não se tem notícia de que ali haja sido registrado acidente semelhante ao que ocorreu nesses dias, na obra do rio Madeira.

Havia, no currículo das obras hidrelétricas de pequeno, médio e grande porte, um histórico de trabalho prévio sob a responsabilidade dos departamentos de recursos humanos e de assistência social dos órgãos contratantes, de modo a preparar os trabalhadores para a empreitada. E cada um acabava se tornando consciente de que não estava ajudando a construir uma obra qualquer, mas uma estrutura muito importante no esquema do desenvolvimento do País. Óbvio que havia a contrapartida, com as empresas procurando dirimir eventuais desavenças trabalhistas e até pequenas rusgas entre trabalhadores, de modo a prevenir ou reduzir descontentamentos.

Uma vez, um velho engenheiro me disse que rebelião em canteiro de obra, não é rebelião: é "guerra civil". Essa constatação, ao lado de outros fatores que se revelaram peso demais no orçamento das empresas contratadas, explica, de certo modo, o desaparecimento de alojamento de operários nos canteiros de obras em áreas urbanas. Mas, num caso como o de Jirau e de outras obras, com enormes complexidades logísticas, não há outro meio e os canteiros são inevitáveis. E, se os canteiros têm de ser montados, que o sejam com um trabalho prévio, junto aos trabalhadores, do papel que eles estão desempenhando na economia do País, dentro da compreensão de que os compromissos contratuais têm de ser respeitados.

Se não houver essa consciência do lado do trabalhador, e se houver falhas do lado patronal em relação aos compromissos assumidos, será muito difícil evitar focos de descontentamento.

Quando trabalhadores são levados a queimar os seus meios de transporte e os alojamentos onde moram, ou permitem que outros mais exaltados pratiquem esses atos de vandalismo, é porque uma peça não ficou bem encaixada no canteiro.

Fonte: Estadão