A crise financeira internacional, que drenou o crédito e a confiança dos investidores mundo afora, pode também ser analisada por meio de impactos e efeitos colaterais, nem sempre sistematicamente negativos. No que diz respeito ao setor elétrico brasileiro, a crise de acesso ao crédito, associada a uma desaceleração do aumento do consumo energético e a uma otimização da regulação e do licenciamento ambiental, poderá culminar, a médio prazo, na “seleção natural” dos perfis empresariais que têm atuado na produção independente de energia, em todas as etapas do processo.
Nos últimos cinco anos temos assistido a um aumento de projetos hidrelétricos, notadamente de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs – entre 1MW e 30 MW), devidamente outorgados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), cujas obras ainda não foram iniciadas: ou por limitações financeiras ou pela intenção deliberada de uma categoria na especulação da titularidade de tais projetos.
Paralelamente a esta situação, o setor vinha se defrontando com fornecedores de equipamentos e serviços que contavam, até a exacerbação dos efeitos da crise mundial, com o aquecimento do mercado para impor preços e prazos que contribuíam diretamente para a inviabilização econômica dos empreendimentos.
Esquematicamente, essas cotações mais altas contribuíam decisivamente para aproximar o custo do MW hidrelétrico nacional, em torno de R$ 5 milhões, dos patamares elevados do MW europeu. Era um fato que impactava diretamente na atratividade do setor elétrico brasileiro para o investimento direto estrangeiro.
Concordamos com a análise feita pela Aneel em relação a um dos principais desafios impostos pela crise financeira ao Brasil: a necessidade de criar um ambiente atraente para os investidores passando pela melhoria do Judiciário, do licenciamento ambiental e da atuação da própria agência reguladora, que tem efetivamente tomado providências positivas em relação à complexidade dos processos regulatórios – potencialmente inibidores do empreendedorismo no setor.
Um dos seus principais avanços foi a revisão dos procedimentos para registro, elaboração, aprovação e autorização de projetos de PCHs – formalizada na nova resolução 343/2008, publicada em 22 de dezembro último – que prevê, entre outros, a exigência de critérios de solidez e de capacidade financeira dos agentes que serão responsáveis pela elaboração dos projetos. Acreditamos que parte das dificuldades enfrentadas pela Aneel em termos de agilidade e eficácia provém do importante volume de projetos iniciados por empreendedores que não possuem estrutura técnico-financeira para conduzi-los até a geração de energia, sem, contudo, manifestarem a desistência formal em relação aos mesmos. A crise de crédito, associada às novas regras em discussão na Aneel, tem o potencial de reduzir naturalmente tal volume e otimizar, ao mesmo tempo, a qualidade dos projetos, o que deverá resultar em uma melhor orientação e produtividade dos recursos humanos daquela agência.
É neste cenário de confiança de que as mudanças em curso beneficiarão todos os envolvidos no processo de geração de energia renovável e sustentável que produtores independentes de energia sérios, sólidos e determinados, nacionais e estrangeiros, reafirmam seu compromisso de investir no Brasil. É o caso da Velcan Energy Brasil que, respaldada por fundos europeus e dos Emirados Árabes Unidos, estabeleceu como meta gerar 500 MW até 2015.
Sua primeira usina hidrelétrica – construída 100% com fundos próprios e apenas três anos após a implantação do grupo no País – entrará em operação em Santa Catarina ainda este ano. Outras três PCHs estão em processo de licenciamento ambiental para serem instaladas em Minas Gerais e a companhia solicitou junto à Aneel mais de 20 registros ativos para elaborar projetos em diferentes regiões, observando rigorosamente os procedimentos exigidos pela instituição. Para tanto, é preciso haver habilidade das instituições locais, em termos de otimização e estabilização do ambiente regulatório para os investidores do setor elétrico bem como em relação aos efeitos da crise financeira, em especial na limitação das práticas especulativas do setor.