O Brasil tem 12% da reserva mundial de água doce e dispõe do maior potencial gerador de energia hidrelétrica, dentre os demais países. Como não faz mais barragens como antigamente, expõe sua população a dois riscos principais: sofrer com o desabastecimento e arcar com os custos elevados da energia elétrica (as contas virão depois das eleições)
Nildo Carlos Oliveira
No fundo, analisa os fatores que levam o País a se retrair, em relação a projetos de grandes barragens. E não defende a construção de obras desse tipo pelo simples fato de serem grandes. Imagino que os seus signatários defendem a construção de barragens compatíveis com as escalas do potencial hídrico dos sítios inventariados.
Ela contextualiza o momento vivido pelo País com a ampliação da escassez de água provocada pelas longas estiagens e enfoca a participação das termelétricas como saída emergencial – e cara – para ajudar a suprir a oferta de energia. De modo subjacente, nos leva à interrogação: A engenharia brasileira, que conquistou o domínio da construção de barragens nas décadas de 1960 e 1970 do século passado, vai abrir mão de suas experiências sem debater em profundidade as causas dessa retração?
É que as justificativas precisam ficar explícitas. Há as hidrelétricas a fio d´água e há aquelas que necessitam de barragens, se possível, para usos múltiplos, que favoreçam o sistema hidroviário, com a construção de eclusas; assegurem o abastecimento e contribuam para incentivar o turismo e práticas esportivas, além de garantir a função principal para a qual foram construídas: gerar energia.
Há impacto dessas barragens no meio ambiente e social. Mas há necessidade de se observar as prioridades ao longo do tempo. E não se pode esquecer que hoje a construção dessas obras, que são naturalmente pesadas, não precisa ser feita obrigatoriamente com equipamentos pesados, conforme o depoimento, há alguns anos, de um engenheiro absorvido nos trabalhos da segunda fase da usina hidrelétrica de Tucuruí: “Aqui”, me disse ele, “estamos fazendo uma obra pesada, mas com máquinas e equipamentos diferentes daqueles usados em Jupiá, Ilha Solteira e mesmo na primeira fase desta hidrelétrica. São equipamentos mais leves. Sequer empregamos caminhões fora de estrada. Uma medida inteligente, pois as estradas, nessa região, não suportariam o tráfego constante de caminhões de tal porte”.
Além do que, conforme pude observar em Foz do Chapecó (SC) e em outros sítios, atualmente os canteiros de obras são mais racionalizados. A consciência de que o meio ambiente deve ser preservado difunde-se entre os projetistas e coloca até os operários em alerta, para satisfação dos ambientalistas e, em especial, do conjunto da sociedade.
A carta
A carta, com o aval da Academia Nacional de Engenharia (ANE), Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE), Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS), Clube de Engenharia, Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB), Instituto Brasileiro do Concreto (Ibracon) e Instituto de Engenharia de São Paulo (IE), esclarece que o crescimento sustentado do Brasil reclama necessariamente a construção de importantes obras de infraestrutura.
Obviamente inclui a construção de barragens “para múltiplas finalidades”: armazenar água em reservatórios artificiais durante os períodos úmidos para que ela não falte à população nos períodos de longas estiagens; para o funcionamento dos sistemas de energia elétrica, de irrigação, controle de enchentes, saneamento, transporte hidroviário, piscicultura, turismo e por aí em diante.
Ela enfatiza que o maior volume de energia elétrica consumida hoje no País advém da operação das usinas hidrelétricas, o que significa energia “limpa, renovável e mais barata”. Isso já não se verifica em outras regiões do mundo, onde ela depende, sobretudo, dos combustíveis fósseis, que são poluentes.
Cita o exemplo das usinas hidrelétricas com reservatórios, construídas no século passado e que, em funcionamento até hoje, continuam a ter papel fundamental na segurança e na estabilidade do sistema elétrico nacional. E prosseguem sustentando o desenvolvimento econômico.
A carta ressalta que, embora assim utilizado, o potencial hidrelétrico do País corresponde apenas a 1/3 de um total estimado em 246 GW. Os 2/3 restantes se encontram, em sua maior parte, “localizados na região amazônica, onde se encontra também a parcela preponderante das áreas mais protegida do Brasil”.
O documento chama a atenção para o fato de que, ao lado das exigências ambientais legais, a construção de hidrelétricas enfrenta sistemática oposição por parte de grupos organizados nacionais e estrangeiros. Estes alegam, “com base em argumentos técnicos discutíveis”, que tais empreendimentos hidrelétricos causam impactos socioambientais que se contrapõem aos benefícios que “eles podem propiciar”.
Reconhece, no entanto, que o elevado índice de nacionalização alcançado pela cadeia produtiva dos insumos empregados no setor elétrico, associada à experiência brasileira acumulada em projetos, construção, operação e manutenção de tais empreendimentos, poderá assegurar-lhes “uma implantação realizada de modo social e ambiental ”. Desde, é claro, que vinculada a uma “legislação ambiental moderna e a um arcabouço institucional democrático consolidado”. As sete entidades concluem o documento com três recomendações:
• Sejam reavaliados os inventários hidrelétricos já elaborados a fim de que, sob os aspectos técnico, econômico, social e ambiental, seja considerada a possibilidade da inserção de reservatórios de regularização plurianual de vazões. E sejam analisadas novas opções de divisão de quedas dos cursos d´água estudados.
• Com base nos argumentos técnicos alinhados no documento e nas prescrições resultantes dos novos estudos de inventários ali sugeridos — além de outros que venham a ser indicados — seja organizado nacionalmente um amplo debate sobre a importância, a gestão e a operação dos recursos hídricos brasileiros.
• E que, com base nos resultados que venham a ser obtidos nas discussões, se proceda à adequação da legislação, de modo a tornar efetivas as alterações que forem necessárias para a construção de barragens de múltiplos usos.
As sete entidades chamam a atenção para o momento vivido hoje no País e para os riscos futuros que as carências de barragens, nas escalas necessárias, podem provocar no País.
Advertências
Alberto Sayão, professor de Engenharia Geotécnica da PUC-Rio, membro titular da Academia de Engenharia, Comitê Brasileiro de Barragens e da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica, diz que o documento, acima parcialmente reproduzido e editado, merece e deve polarizar a atenção do País.
“Acredito”, diz ele, “que o baixo nível atual dos nossos reservatórios é em grande parte decorrente da incapacidade do Ministério de Minas e Energia, de cumprir o planejamento do governo definido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no Plano Decenal de Expansão de Energia válido até 2022”.
Ele considera que, face às previsões iminentes de novo período de apagão (e está aí a Copa do Mundo, quando esse fator de risco pode ser mais potencializado) e crise no abastecimento de energia no País, como aconteceu em 2001, o governo reconhece que é preciso ativar o parque gerador térmico. E faz planos para construir quatro novas usinas nucleares. Lembra, com base no plano da EPE, que para atender à demanda será necessário agregar 81 novas termelétricas ao sistema nacional. São usinas movidas à queima de combustíveis fósseis e não renováveis, tais como óleo diesel, carvão e gás natural. E tudo isso para produzir apenas um pouco mais do que a energia a ser gerada pela usina hidrelétrica de Belo Monte. Portanto, adverte: “As novas térmicas despejarão 39 milhões de t de CO² até 2017”.
O professor Sayão diz também que embora não haja, no Brasil, leis ou normas contra a construção de reservatórios de regularização, o licenciamento de novos projetos hidrelétricos vem recebendo duras críticas e restrições de especialistas e autoridades ambientais, o que atrasa cronograma de obras e gera incertezas, desestimulando potenciais investidores privados do setor. Cita o caso de Belo Monte, que tem sido alvo de recorrentes críticas e interdições judiciais e tema de debate até no parlamento europeu. E isso, apesar das modificações profundas já impostas no projeto original e das comprovações de que os danos ambientais que eram inicialmente previstos, foram muito minimizados.
Erton Carvalho, um dos signatários da carta encaminhada à presidente Dilma, na condição de presidente do CBDB, diz que construir hidrelétricas a fio d´água é uma perda de energia muito grande, um gasto enorme para gerar menos energia. As usinas construídas nesse modelo, sem grandes reservatórios, acabam ficando na dependência da variação do fluxo dos rios.
Ele afirma que as usinas térmicas foram implementadas para ser acionadas somente na época de escassez de energia hidrelétrica. Contudo, vêm sendo operadas mesmo durante todo o período chuvoso do ano. Então, acontece o seguinte: a energia gerada pelas usinas hidrelétricas custa, em média, R$ 85 o MW/h. Já as térmicas custam de R$ 400 a R$ 600 o MW/h, dependendo do combustível. Resultado dessa operação: as contas com os preços estratosféricos começarão a chegar ao consumidor no ano que vem. Depois das eleições, naturalmente.
Fonte: Revista O Empreiteiro