Novo marco regulatório divide opiniões

Tatiana Bertolim e José Carlos Videira

Depois de meses de expectativa, o governo apresentou em junho sua proposta para o novo código de mineração. A reforma do marco regulatório vigente há mais de 40 anos tem o objetivo de modernizar o setor, mas o projeto de lei enviado ao Congresso Nacional ainda divide opiniões.

Alguns especialistas afirmam que as novas regras podem criar um oligopólio ao dificultar o acesso de pequenos exploradores às jazidas. Outros ainda veem com apreensão a definição dos novos royalties – o teto será de 4%, mas a alíquota de cada minério será estipulada em decreto da presidente Dilma Rousseff.

As mudanças no marco regulatório vêm num momento de perda de competitividade do setor. O Índice de Produção Mineral (IPM), publicado pelo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), recuou 0,88% no ano passado em relação a 2011. O minério de ferro, item mais relevante da cadeia, apontou queda de 1,9% na produção nesse mesmo período. Itens como zinco, potássio, manganês, cobre e caulim também recuaram. O desempenho foi atribuído às dificuldades econômicas enfrentadas por países desenvolvidos.

O valor da produção mineral brasileira foi estimado em US$ 51 bilhões no ano passado, inferior aos US$ 53 bilhões obtidos em 2011. Os dados são do DNPM e do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).

Mas não é apenas isso. Segundo dados do USGS, órgão de pesquisa geológica dos Estados Unidos, a participação brasileira na produção mundial de minério de ferro caiu de 20% para 12,5% na última década. No ano passado, ficou em 375 milhões de t.

Na solenidade em que apresentou o desenho do novo código, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que é preciso criar um ambiente favorável aos investimentos no setor. “Apesar de sua riqueza mineral, o Brasil não aproveita todo o seu potencial”, destacou.

Um dos pilares da proposta do governo é a criação de um título único para pesquisa e lavra mineral. As concessões serão válidas por 40 anos e poderão ser prorrogadas por outros 20 anos.

Caberá ao Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), órgão que será criado a partir do novo marco regulatório, definir quais áreas serão licitadas. Será necessário um investimento mínimo das mineradoras para explorar cada área.

O argumento do governo é que esse modelo acabaria com a especulação por parte de exploradores que se aventuram na busca por jazidas.

Novo órgão cria mais burocracia

No entanto, o advogado Plínio Gustavo Prado Garcia, especialista em mineração, afirma que as regras propostas pelo governo tornarão o setor acessível apenas aos grandes grupos, com o risco de que se crie um oligopólio.

“Hoje, qualquer um pode assumir o risco de fazer pesquisa”, diz o advogado. “Com as regras propostas, quem é pequeno hoje, e poderia ser grande amanhã, fica sem oportunidade.”

Outro ponto negativo, de acordo com Prado Garcia, é a criação de um órgão para definir as jazidas que serão colocadas em licitação para exploração e produção mineral. “É a burocracia que vai definir quais áreas poderão ser licitadas. Como vão licitar sem saber qual é o risco da pesquisa mineral?”, questiona. “Hoje, o sistema premia quem se lança à empreitada. Agora, vai depender da decisão do governo.”

O CNPM não é o único órgão que passará a existir com a reforma. Também foi anunciada a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), em substituição ao Departamento Nacional de Pesquisa Mineral. A ANM funcionará nos moldes das demais agências reguladoras, atuando na implementação das políticas estabelecidas pelo governo. Ela terá autonomia financeira.

O Ibram, que reúne as principais empresas do setor, considerou positivos os princípios que norteiam o novo código, tal como sugerido pelo Executivo. “É importante frisar que temas que o Ibram debateu durante todo esse tempo com o governo estão contemplados: segurança jurídica, atratividade e respeito aos contratos”, diz o presidente do instituto, José Fernando Coura. “Houve muito diálogo com a Casa Civil e o Ministério de Minas e Energia.”

O executivo também destaca que o novo código chegou ao Congresso Nacional na forma de projeto de lei – e não de medida provisória. É diferente do que foi feito em relação ao setor portuário, que foi enviado como MP e obrigou o governo e a base aliada a se mobilizarem para aprovar o texto no prazo necessário.

Outra diferença marcante em relação à nova Lei dos Portos diz respeito ao fato de que, na mineração, os contratos vigentes com as regras atuais serão mantidos. Na solenidade de apresentação da reforma, a presidente assegurou que haverá regras claras de transição, com respeito aos direitos adquiridos.

Alguns meses antes, as mineradoras haviam levado um susto. O ministro Edison Lobão disse que as jazidas que já tinham requerimentos de lavra aprovados também seriam objeto de licitação. As empresas reclamaram e o governo recuou.

Um ponto ainda a ser esclarecido das novas regras diz respeito à Contribuição Financeira por Exploração Mineral (Cfem), como são chamadas as royalties do setor. O projeto estabelece uma alíquota máxima de 4%, o dobro da atual. Além disso, ela será incidente sobre o faturamento bruto das empresas, e não mais sobre a receita líquida. O repasse desses recursos permanecerá o mesmo de hoje: 65% para municípios, 23% para Estados e 12% para a União.

No entanto, a proposta do governo não define qual será o percentual das royalties de cada minério, podendo variar entre 0,5% e 4%. Elas serão estipuladas por meio de decreto presidencial. A expectativa é que apenas o minério de ferro e o ouro tenham as alíquotas elevadas para o teto.

A alíquota escalonada decepcionou a Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig). Para a entidade, faltou clareza no projeto, que já deveria estipular os valores da Cfem para cada produto. A associação lembrou ainda que a cobrança é uma compensação aos municípios pelo impacto que a atividade mineradora causa.

Para o líder do setor de Mineração da KPMG no Brasil, Eduardo Martins, a regulamentação do setor é fundamenta
l. “O fato de não se ter uma regulamentação definida faz com que os investidores fiquem num compasso de espera”, resume. Segundo ele, o setor vai se desenvolver melhor no Brasil na medida em que se tenha a regulamentação. “Independentemente do que vier, tem que vir”, enfatiza Martins.

Para o especialista da KPMG, não adianta nada ter uma nova lei do setor mineral se não houver infraestrutura para retirar o minério da área de extração. “Por isso, é preciso ter a regulação definida para todos os elos da cadeia”, defende.

English Version

New regulatory framework split opinions

Tatiana Bertolim and José Carlos Videira

After months of expectations, the government submitted in June its new mining code proposal. The change in the regulatory framework which has been effect for over 40 years aims at modernizing the sector. However, the bill sent to the Brazilian Congress still divides opinions.

Some experts say that the new rules may create an oligopoly by making it the access of little exploiters to the mines harder. Others still see the establishment of new royalties – the cap will be 4%, however each ore’s aliquot will be established by a Decree from President Dilma Rousseff.

The changes in the regulatory appear at a time of loss of competitiveness in the segment. The Mineral Production Index (IPM), published by the National Mineral Research Department (DNPM) has decreased 0.88% last year, compared to 2011.

Iron ore, the most relevant item in the chain had a 1.9% fall in production within this same period. Items such as zinc, potassium, manganese, copper and kaolin also showed a decrease in production. Such bad performance was attributed to the economic difficulties faced by developed countries.

The value of the Brazilian mineral production was estimated in US$ 51 billion last year, less than the US$ 53 billion obtained in 2011. This data was provided by DNPM and Instituto Brasileiro de Mineração (Brazilian Mining Institute) (Ibram).

But that is not all. According to data provided by USGS, an American geological research agency, the Brazilian participation in global iron ore production fell from 20% to 12.5% in the last decade. Last year it was of 375 million t.

In the solemnity that introduced the new code’s design, the Minister of Mines and Energy, Edison Lobão, said that is necessary to create an environment that encourages investments in the sector. “Despite its mineral wealth, Brazil does not use all its potential”, said he.

One of the pillars of the government proposal is the creation of a single name for mineral research and mining. The concessions will be valid for 40 years and may be extended for 20 more.

It will be the Conselho Nacional de Política Mineral (National Mineral Policy Council) (CNPM)’s, an agency that will be created after the new regulatory framework, responsibility to define which areas will be bid. It will be necessary a minimum investment by the mining companies to exploit each area.

Government argues that such a model would end speculation by exploiters who venture in the search for mines.

New agency creates more bureaucracy

However, lawyer Plínio Gustavo Prado Garcia, an expert in mining issues, says that the rules proposed by the government will make the sector accessible only for big groups, running the risk of becoming an oligopoly.

"Nowadays anyone can assume the risk of making research”, says the lawyer. “With the rules proposed, a small investor or company, which could become big tomorrow, has no chance”.

Another negative aspect, according to Prado Garcia, is the establishment of an agency to determine which mines will be bid for exploitation and mineral production. “It is bureaucracy that is going to determine the areas that can be bid. How are they going to put into tender without knowing what is the a mineral research risk?", asks he. “The system as it is today rewards those who launch into the venture. Now it is going to depend on the government’s decision."

CNPM it is not the only agency that is going to be created with the reform. It was also announced the creation of the Agência Nacional de Mineração (National Mining Agency) (ANM). ANM will work as the other regulatory agencies, acting in the implementation of the policies established by the government. It will be financially autonomous.

Ibram, which gathers the main companies in the sector, found the principles that guide the new code, as suggested by the Executive Branch, positive ones. “It is important to emphasize that the issues discussed by Ibram during all this time with the government are contemplating: legal security, attractiveness and contract fulfillment”, says the chairman of the institute, José Fernando Coura. “There has been a lot of dialog with the Chief of the Staff and the Ministry of Mines and Energy”.

The executive also points out that the new code was submitted to Congress as a bill, not as a provisional measure. That is different from what was made regarding the port sector, which was sent as a Provisional Measure and made the government and its allies to act to approve the text within the required period of time.

Another striking difference regarding the new Ports Act is the fact that, in the mining segment, the contracts in effect with the current rules will be valid. In the reform introduction ceremony, the chairman ensured that there will be clear transition rules regarding vested rights.

A couple of months before, the mining companies took quite a scare. Minister Edison Lobão Said that the mines that already had the extraction requirements would also be put into tender. The companies complained and the government backed out.

An issue still to be elucidated in the new rules is the Contribuição Financeira por Exploração Mineral (Financial Contribution for Mineral Exploitation) (Cfem), as the sector’s royalties is being called. The project establishes a cap aliquot of 4%, which is twice the current one. Furthermore, it will be charged over the companies’ gross revenue and no longer over net income. These funds will be transferred in the same percentage they are today: 65% to the cities, 23% to the States and 12% to the Union.

However, the government’s proposal does not establish each ore’s royalties percentage, which may range between 0.5% and 4%. Such royalties will be determined by presidential decree. It is assumed that only iron ore and gold will have their aliquots raised to the cap.

The staggered aliquot has disappointed the Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Minas Gerais Mining Cities Association) (Amig). In the entity’s opinion the Project lacked explicitness and should already define the CFEM amounts for each product. The Association also reminded that such charge is to compensate the cities for the impact the mining activity causes.

According to Eduardo Martins, the head KPMG’s Mining sector in Brazil, regulating the sector is essential. “Not having an already defined regulation makes investors stay at a standstill”, summarizes he. In his opinion, the sector is going to devel
op much better Brazil when a regulation is established. “Come what may, it has to come”, stresses Martins.

According to KPMG’s expert, it is no use having a new law for the mineral segment if there is no infrastructure to take the ore out of the extraction area. “That is why it is necessary to define a regulation for all the links of the chain”, argues he

Fonte: Revista O Empreiteiro

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