Vale à pena tanto sacrifício? Sair de casa sem saber quanto tempo vai levar até o local de trabalho e vice-versa. Enfrentar o mau humor de outros motoristas por causa do trânsito lento e de trechos interditados. Morar num lugar que sempre foi conhecido como parte de Jacarepaguá e, de uma hora para outra, pagar o IPTU da Barra da Tijuca, que é mais caro. Viver numa comunidade pobre, mas sossegada, sem violência, perto de tudo, e ter que se mudar para outro lugar distante, sem a mesma infraestrutura.
“Vale sim! Depois de tantos anos com nossa economia abalada, desde a fusão até a recuperação com os royalties do petróleo, o Rio entrou na década das grandes oportunidades, com um calendário de eventos do porte das Olimpíadas e da Copa do Mundo, sem falar que em 2015 a cidade vai completar 450 anos. Já comecei a contagem regressiva desse caos, desse inferno, para brindar com champanhe, na praia, aqui bem em frente, a volta da minha tranquilidade”, diz o jornalista e assessor legislativo Manoel Sampaio.
Morador do Posto Seis – não o histórico e mais famoso, em Copacabana, mas o que fica na Avenida Sernambetiba, em frente a praia da Barra da Tijuca –, ele conta que esteve à beira de um ataque de nervos, mas relaxou. O final do semestre letivo contribuiu para devolver o ânimo.
“Sofri muito. Um dia desses bati meu próprio recorde, levando 3h45 entre a avenida Rio Branco e meu condomínio. Agora só venho para casa quando tiver certeza de que o trânsito está bom. Mais dia, menos dia, a Copa começa, os Jogos Olímpicos se iniciam e eu só vou curtir”, garante Manoel Sampaio.
Na verdade, a região da Barra da Tijuca e Recreio já virou um canteiro de obras. Ainda não se tem uma estimativa oficial, mas sabe-se de muitos pontos comerciais fechados por falta de clientes, que não aparecem mais nas lojas porque, com as obras, desapareceram as vagas para seus automóveis. Um exemplo: o tradicional restaurante Barril 8000, na Avenida das Américas, fechou e seus proprietários ainda não fizeram planos para reabri-lo algum dia.
Outras empresas deixaram o bairro. Isso aconteceu com a produtora Câmera 2, que em outubro optou por trocar o condomínio high tech ION, na Avenida das Américas, por um casarão espaçoso no Jardim Botânico. Por mais de um motivo: a valorização do local, traduzida em aumento do aluguel, e o trânsito caótico.
“Foi muito bom ter saído quando a confusão ainda não era tanta. A Barra hoje parece um colégio, um quartel, com hora certa para entrar e para sair. Quem trabalha lá e mora na Zona Sul ou Zona Norte, ou chega antes das oito da manhã ou depois das dez e meia. E se não quiser sair tarde da noite, tem que fechar o expediente às quatro da tarde, para sair no máximo às quatro e meia. Depois disso, não se consegue”, conta o cineasta Sylas Andrade, dono da Câmera 2, que passou a pagar aluguel mais barato e a economizar gasolina, com a mudança da produtora de vídeo para uma rua tranquila do Jardim Botânico.
Casada com Manoel Sampaio, a professora Telma Regina de Almeida, anotou no relógio 50 minutos de viagem entre Ipanema e a subida da Avenida Niemeyer. No dia seguinte, mudou o roteiro e veio pela Bartolomeu Mitre para pegar o Túnel Zuzu Angel, fugindo da Niemeyer. O tempo foi o mesmo: 50 minutos cravados.
“Só não podemos desanimar”, suspira. “Descobri um dia desses que o melhor mesmo é evitar a Zona Sul. No Centro, agora, eu vou de metrô até a Praça Afonso Pena ou a estação Saenz Peña. Numa dessas praças, pego a van que vem pelo Alto da Boa Vista e chego em casa na hora da novela. Só peço a Deus que não acabem com as vans ou que todo mundo tenha a mesma ideia de passar pelo Alto”.
NÓ NA MOBILIDADE
O empresário Marcos Alexandre Maia Forte tinha sua empresa na Rua Dias da Cruz, no Méier, Zona Norte do Rio. Há dois anos, mudou-se para a Barra, para ficar mais perto de casa, pois mora no Recreio. Ele desabafa: “Você sai de casa e não sabe se ficará 15 minutos ou uma hora no trânsito. Muito comércio fechou na Avenida das Américas, por falta de vaga para carros. Foi o que aconteceu com o Barril 8000, que chegou a oferecer feijoada de graça aos clientes, que só pagavam a bebida”.
Morador de Jacarepaguá, Luís Carlos de Oliveira Azevedo conhece a Barra e o Recreio como poucos. Já foi motorista de um ex-subprefeito. Mesmo assim, ainda se espanta hoje, após seis anos rodando em seu táxi: “Isso aqui está uma loucura. Você passa na Avenida das Américas, faz um retorno, deixa o passageiro no trabalho. Aí pega outro passageiro e, 15 minutos depois, o mesmo retorno já está fechado, sem aviso, sem sinalização. O que hoje incomoda, amanhã pode trazer muitos benefícios, mas não dá para entender, em pleno sábado, levar meia hora do Recreio a Vargem Pequena”.
O promotor de Justiça Marcus Leal não mora na Barra, mas é um dos membros do Ministério Público fluminense encarregado de zelar pelo meio ambiente e pelo patrimônio cultural da cidade. O que está acontecendo atualmente, no MP, diz ele, é um aumento brutal da demanda relacionada às intervenções urbanas que estão sendo feitas.
“E o principal foco, o nó maior, é a mobilidade urbana. Está difícil andar na região da Barra. A demanda cresceu com a quantidade de obras que dependem de licenciamento, envolvendo análise multidisciplinar. Uma licença só pode ser concedida depois de muito bem avaliada, e temos que vê-la não apenas com os olhos da lei, mas também do arquiteto, do engenheiro etc. Precisamos conciliar todos esses olhares. O que complica muito é que o poder público é ao mesmo tempo empreendedor e licenciador”, analisa.
Uma das principais iniciativas que a cidade ganhará, em função dos Jogos Olímpicos, é o BRT Transoeste, que, de acordo com o promotor Marcus Leal, acabou com o comércio de rua no Recreio. Mas não é só ela.
“A Transcarioca ainda é mais complicada porque vai desapropriar muito mais. São temas que não estão sendo debatidos como deviam ser, com a sociedade. O fato de que as obras precisam ser feitas a toque de caixa, para cumprir o cronograma do Comitê Olímpico, não pode prevalecer. O MP tem a obrigação de fiscalizar esses procedimentos, de realizar audiências públicas, o que não está acontecendo. Como carioca, como cidadão brasileiro, torço para que não haja erros, pois não se pode errar. Mas a nossa preocupação, como membros do Ministério Público, não é com o número de medalhas que o Brasil vai obter, nem com a repercussão positiva internacional dos Jogos no mundo. Nós zelamos pelo ambiente e pelo futuro dele”, avalia.
Físico e documentarista científico da Fiocruz, com mais de 12 prêmios internacionais, Genilton José Vieira mora num apartamento de três quartos, no condomínio Rio 2, a poucos
metros de distância onde será erguido o Parque Olímpico do Rio.
Ele tem a sorte de pagar um imposto anual de R$ 1.200,00. O IPTU ainda é o de Jacarepaguá pelo imóvel de 110 m². As preocupações maiores de Genilton são com o impacto ambiental que tantas obras poderão trazer e com a decisão das autoridades de, no caso da Zona Oeste, adotar eminentemente soluções no modelo rodoviário.
“A palavra-chave é legado. São as próprias autoridades que dizem. Mas e o legado ambiental? Como ficará a vila dos atletas, digo, a sua ocupação futura, por residentes fixos, e o impacto sobre a Lagoa de Jacarepaguá? Tiraram areia do fundo da lagoa para colocar no aterro do Autódromo. É preciso muito cuidado, senão a degradação ambiental vai aumentar demais”, expõe.
Genilton tem certeza de que as obras do Parque Olímpico, enquanto durarem, constituirão um transtorno para os moradores da Barra, mas admite que o Rio de Janeiro vai ganhar com isso, “inclusive a população de outros bairros da Zona Oeste, como Santa Cruz e Campo Grande, pois é de lá que vem boa parte da mão-de-obra que trabalha aqui na Barra e no Recreio, em serviços tão diferentes como pedreiros e balconistas de shoppings. É uma pena que só se pense em carros e rodovias, e não em Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) também aqui na Zona Oeste”.
Vila olímpica carioca
Os loteamentos Tijucamar, Jardim Oceânico e Recreio dos Bandeirantes datam dos anos 1940. Mas foi somente na década de 1970 que a Barra da Tijuca ganhou uma identidade, com a edificação dos primeiros condomínios residenciais – Novo Ipanema, Novo Leblon, Atlântico Sul, Alfa Barra e Riviera Dei Fiori. Com o esgotamento dos grandes espaços ainda disponíveis no eixo da Avenida das Américas, o novo vetor de expansão se formou no sentido norte-sul da Avenida Ayrton Senna.
Um dos bairros mais valorizados do Rio, a Barra da Tijuca é o núcleo principal de uma microrregião composta também pelos bairros do Recreio dos Bandeirantes, Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim, Grumari, Itanhangá e Joá, com uma população estimada entre 300 mil e 350 mil pessoas. Tem a maior praia do Rio, em extensão, com 18 k de orla, e muito espaço para novas construções.
Entre as empresas construtoras que investem há muitos anos na região, a Carvalho Hosken vai dividir com a Odebrecht a construção da vila dos atletas para os Jogos Olímpicos de 2016, no local conhecido como Ilha Pura, numa área de 1 milhão de m². A constituição da sociedade de propósito específico torna as duas empresas sócias, meio a meio, no empreendimento, que depois dos Jogos será ocupado por moradores permanentes.
Em Londres, faltando seis meses para o início da Olimpíada, 90% dos 2,8 mil apartamentos destinados aos atletas que participarão dos Jogos de 2012 já estavam vendidos em dezembro de 2011.
No caso da vila dos atletas, as vendas dos apartamentos ainda não começaram. “O mercado é que vai dizer isso, é que vai ditar as regras”, esclarece o gerente de comunicação da Carvalho Hosken, Henrique Caban.
O cronograma, por enquanto, prevê o início da construção da Vila em 2012 e a entrega dos 9 mil apartamentos, de três e de quatro quartos, em dezembro de 2015.
Projetos de mobilidade
O Rio de Janeiro continua lindo. E com as obras, não só na Barra, mas em outros pontos da cidade – incluindo-se aí a demolição do elevado da Perimetral, que tapava a vista de um cartão postal, a Baía da Guanabara – com certeza continuará lindo. E, se tudo der certo mesmo, com um trânsito melhor. Difícil vai ser esperar até que fiquem prontos os 150 km dos quatro corredores que circularão os BRTs, a ligação do metrô com a Zona Oeste e a revitalização do Centro, com a inauguração do Porto Maravilha.
Porém, a presidente da Empresa Olímpica Municipal, Maria Sílvia Bastos Marques, fez questão de enfatizar a importância dos Jogos para a concretização de projetos inadiáveis, como a reurbanização da zona portuária.
Cabe à Empresa Olímpica Municipal coordenar a execução de todos os projetos do âmbito do município relacionados não só aos Jogos de 2016, mas também à Copa de 2014, monitorando a execução desses projetos e acompanhando a aplicação dos recursos.
Dentre esses projetos, destaca-se a implantação de quatro linhas de corredores de ônibus expressos e articulados até 2016, com a finalidade de formar um anel de alta capacidade de transporte. A integração entre os BRTs com trens, barcas e metrô aumentará de 16% para 50% a utilização dos transportes de massa.
• Transoeste – Ligará a Barra da Tijuca a Santa Cruz e Campo Grande, e terá conexão com a linha 4 do metrô em construção.. Com percurso de 56 km, a implantação da via inclui a abertura do Túnel da Grota Funda, uma antiga reivindicação da população local. As obras começaram em agosto de 2010 e a previsão é de que seja concluída ainda neste ano.
• Transolímpica – Com 26 km de extensão, a Transolímpica ligará o Recreio dos Bandeirantes a Deodoro, com duas faixas exclusivas para o BRT e quatro faixas para veículos. O corredor seguirá o modelo de outros dois em construção – o Transoeste e o Transcarioca -, com duas vias de três pistas cada – cada uma das vias reservada aos ônibus articulados. A Transolímpica será integrada ainda aos trens da Supervia em Deodoro e Magalhães Bastos, criando uma opção hoje inexistente entre esses meios de transporte. Outro ponto de integração será no trevo entre a Estrada dos Bandeirantes e a Avenida Salvador Allende, por onde passará a Transcarioca (ligação entre a Barra da Tijuca e o Aeroporto Internacional Tom Jobim). As obras tiveram início em janeiro deste ano.
• Transcarioca – Corredor expresso, com sistema de ônibus articulado, que vai ligar à Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador, passando por bairros das zonas Norte e Oeste. A Transcarioca vai se integrar à BRT da Avenida Brasil, à Transolímpica e à Transoeste. As obras começaram em 2011.
• Transbrasil – Corredor de transporte ao longo da avenida Brasil, ligando o Centro a Deodoro, passando pelas avenidas Presidente Vargas e Francisco Bicalho. Terá impactos significativos no trânsito do Centro do Rio. Esse BRT deve entrar em operação até 2015 – as obras devem começar até meados de 2012. Os estudos preveem a construção de um mergulhão próximo à Igreja da Candelária e de um viaduto junto à Leopoldina. A Transbrasil integrará toda a rede de transporte de massa da cidade, levará aos dois
aeroportos (Tom Jobim e Santos Dumont) e terá conexões com a Transcarioca e Transolímpica, estações de trem e de metrô.
Definido consórcio que fará obra do Parque Olímpico
Uma guerra judicial envolvendo a prefeitura do Rio de Janeiro, a Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) e os moradores da Vila Autódromo retardou o cronograma de construção do Parque Olímpico da Barra da Tijuca. Por decisão judicial, o resultado da licitação das obras teve que ser adiado e somente foi anunciado no dia 5 de março.
Quem fará a obra é um consórcio formado pela Obebrecht, Andrade Gutierrez e Carvalho Hosken. O consórcio foi o único que apresentou proposta. O Parque Olímpico do Rio deve custar R$ 1,4 bilhão.
A CBA contestava que a realização de obras no Autódromo Nelson Piquet – local do futuro Parque Olímpico – somente poderiam começar após a construção de outro autódromo, em Deodoro.
A outra discussão na Justiça se concentrava no destino dos moradores da comunidade Vila Autódromo. Ao mesmo tempo em que o edital previa que a empresa vencedora promovesse obras de infraestrutura, mencionava a necessidade de remoção dos moradores.
A prefeitura argumentou que a realização da licitação não implica a retirada imediata dos moradores e que alternativas de moradia já foram apresentadas: as 900 famílias seriam transferidas para um condomínio situado a menos de um quilômetro de distância da comunidade. E que isso só aconteceria quando os 920 apartamentos de dois ou de três quartos estivessem prontos.
O Clube de Engenharia do Rio de Janeiro criticou a prefeitura pela inabilidade em relação às desapropriações, tanto no caso do Parque Olímpico quanto as remoções com vistas à construção da Transoeste, Transcarioca e Transolímpica:
“Não está havendo negociação. A impressão que temos é de que a prefeitura está conduzindo esse assunto de forma desastrada. Antigamente, isso era feito na marra. Mas as coisas mudaram e é preciso respeitar os direitos das pessoas. Estão indo com muita sede ao pote. O Rio de Janeiro não acaba em 2016”, afirmou o vice-presidente do Clube de Engenharia, Manoel Lapa.
Fonte: Padrão