Eletrobrás e as mudanças que a sociedade exigiu

Proposta em 1954, instalada oficialmente em 1962 e fragilizada nos anos 1990, a Eletrobrás se fortaleceu a partir de 2008. Hoje, a holding contabiliza capacidade instalada de 39.413 MW e apurou, no terceiro trimestre deste ano, lucro líquido de R$ 453,8 milhões

A proposta para a criação da Centrais Elétricas Brasileira (Eletrobrás) remonta a meados da década de 1950, quando as empresas de energia elétrica atuavam isoladamente. O planejamento era definido pelas empresas em função de exigências específicas e, as usinas, construídas sem um inventário detalhado das bacias hidrográficas. Os sistemas de transmissão possuíam redes simplificadas, conectando unidirecionalmente fontes geradoras e centros de consumo. Basta examinar a literatura técnica da época, para se constatar que as empresas nessa área evoluíam na dependência das necessidades pontuais. Vivia-se, ainda, aquele momento em que eram estudadas soluções para acelerar o incipiente processo da industrialização da era Vargas, no imediato pósguerra.
Nesse contexto, a consolidação posterior de empresas regionais como Furnas e Chesf, a maturidade alcançada pela Cemig e a criação do Ministério das Minas e Energia e da Eletrobrás vieram a contribuir para uma visão mais integrada de planejamento. Derivando desse processo, aquele ministério criou o Comitê Coordenador de Estudos Energéticos da Região Centro-Sul, que teve a participação de Furnas, representando a Eletrobrás.
Mas o mercado de energia foi se expandindo nas diversas regiões e a interligação de sistemas assumiu importância considerada estratégica, do ponto de vista de planejamento. Na prática, conforme os relatórios da época, o sistema interligado brasileiro começou a formar-se com a entrada em operação da usina de Furnas, que estabeleceu ligações elétricas de grande porte entre Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. E foi ainda na década de 1960 que as usinas de Jupiá e Ilha Solteira, da Cesp, acabaram interligadas ao sistema da região Sudeste, através de um tronco de transmissão em 440 kV, que cruzou o território paulista no sentido Noroeste-Sudeste. Na região Sul, com a conclusão da linha de transmissão Tubarão-Farroupilha – isto já em fins daquela década – as empresas se conectaram em 230 kV e 138 kV. E, no Nordeste, foi possível transmitir energia de Paulo Afonso até Fortaleza, ao longo de cerca de 700 km de linhas em 230 kV.
O fato é que o Brasil cresceu naquele tempo. O trabalho de planejamento da Eletrobrás se fez presente em todo o processo, embora viesse a ter graves dificuldades na década de 1970, por conta dos choques do petróleo e da elevação do custo dos recursos financeiros. Em razão disso, o planejamento de médio e longo prazo foi sacrificado. Órgãos ligados à área do planejamento da administração federal previram que nos anos 1990 o Brasil poderia ter problemas de suprimento de energia elétrica, sobretudo na região Sudeste, embora, àquela altura, ele contasse com os resultados da operação de Itaipu e da primeira fase de Tucuruí, e estivesse na expectativa de uma mudança de cenário com a construção outras usinas hidrelétricas.
O planejamento estratégico da década de 1970 incluiu a preocupação com a montagem de reatores nucleares programados segundo o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Esse acordo previa a instalação de oito centrais nucleares até 1990, com capacidade de 10.440 MW. A execução parcial desse programa implicou custo superior a US$ 30 bilhões.
A Eletrobrás, que nesse leque de atuação detinha a atribuição de realizar estudos de bacias hidrográficas, desenvolver projetos de construção e de usinas geradoras, linhas de transmissão e de subestações destinadas ao suprimento de energia elétrica em todo o País, perdeu várias de suas funções estratégicas na década de 1990. Contudo, em 2004 acabou excluída do Programa Nacional de Desestatização (PND) e, a partir de 2008, começou a recuperar atribuições de origem, assumindo o papel de alavancadora de projetos e obras.
Hoje, como empresa de economia mista de capital aberto, tem ações negociadas nas Bolsas de Valores de São Paulo (Bovespa), de Madri, e de Nova York. O governo federal possui 53,9% das ordinárias da holding e, por isso, detém o seu controle acionário. A administração federal assume, ainda, 15,5% das ações preferenciais da empresa, cuja maioria (84,5%) se encontra nas mãos da iniciativa privada.

Mudanças que a sociedade exigiu
A sociedade brasileira não esqueceu o papel desempenhado pela Eletrobrás em períodos críticos. Sua ação planejadora cobriu várias décadas. Ela vinha mantendo uma atividade discreta nos primeiros anos do novo século, até que em 2008, o governo Lula da Silva sancionou a Lei 11.651, que conferiu maior poder e flexibilidade de funcionamento à empresa.
Além disso, o sistema Eletrobrás marcou presença como vencedor em leilões de geração e transmissão de energia elétrica e iniciou um processo de transformação em seu esquema de governança coorporativa. Simultaneamente, estabeleceu parcerias com empresas nacionais e estrangeiras e começou um novo ciclo de empreendimentos no Norte do País, estimulando a elaboração do inventário tendo em vista o projeto do Complexo Tapajós, recolocando a questão da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, e atuando no caso das usinas do rio Madeira, em Rondânia.
Ao assumir, naquele ano, a presidência da holding, José Antônio Muniz ressaltou o papel de destaque da companhia no desenvolvimento elétrico brasileiro, reconhecendo que a Lei 11.651 recolocava a Eletrobrás num processo de transformação.
A transformação significava também a reinserção da empresa no mercado de distribuição de energia, além de conferir-lhe a possibilidade de atuar em empreendimentos no exterior, basicamente na América Latina e na África, através da Superintendência de Operações no Exterior.
Na geração e na transmissão de energia, ela desenvolveu as gestões para as parcerias entre as empresas nos leilões da hidrelétrica de Jirau (3.300 MW), no rio Madeira, e do leilão de transmissão que tinha em vista o linhão Tucuruí-Manaus-Macapá, que vai conectar várias regiões isoladas ao Sistema Inrterligado Nacional (SIN).
Este ano, o objetivo da Eletrobrás é manter a posição conquistada na bolsa americana. Para isso, as empresas do sistema empenham-se no atendimento às exigências da Lei Sarbanes-Oxley (SOX). As obras de Angra 3 estão ganhando fôlego com a liberação da licença do Ibama e o poten

cial hidrelétrico da Amazônia se configura como a possibilidade de um aproveitamento moderno, que inclui a usina de Belo Monte, com 11.375 MW. O Projeto do rio Tapajós se desenha nesse conjunto, somando cinco usinas com um potencial instalado de 10.682 MW.
Atualmente a Eletrobrás controla 12 subsidiárias: Chesf, Furnas, Eletrosul, Eletronorte, CGTEE, Eletronuclear, Eletroarcre, Amazonas Energia, Boa Via Energia, Ceron (Rondônia), Cepisa (Piaupi) e Ceal (Alagoas). Possui ainda metade do capital da Itaipu Binacional e dá suporte a programas que o governo federal considera de relevância social: Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), Programa Luz para Todos e Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel).
A capacidade atual do sistema Eletrobrás é de 39.413 MW, correspondentes a 38% do total do País. As linhas de transmissão do sistema somam 59.856 km de extensão, representando 56% do total das linhas do País.

Plano 2009-2012
O chamado Plano de Ações Estratégicas (PAE), da Eletrobrás, foi elaborado tendo em conta o período 2009-2012 e prevê investimentos públicos e privados da ordem de R$ 22 bilhões na geração de cerca de 18 mil MW e instalação de 11 mil km de linhas de transmissão de energia
.
O plano inclui o projeto de internacionalização da holding, que prevê a construção, no Peru, das usinas Inambari (2.000 MW); Sumabeni (1.074 MW), Paquitzapango (2.000 MW), Urubamba (940 MW), Vizcatán (750 MW) e Cuquipampa (800 MW) e Garabi (2.000 MW), na Argentina.
José Antônio Muniz ressalta que a Eletrobrás não investirá sozinha em nenhum desses projetos. "Vamos ter sempre sócios. A engenharia financeira será estudada caso a caso." Segundo ele, até o final deste ano, o PAE investirá R$ 7,2 bilhões: R$ 3,6 bilhões, na geração e, R$ 1,9 bilhão, na transmissão. E será destinado R$ 1 bilhão para as empresas de distribuição das regiões Norte e Nordeste.

O lucro ao longo de 2009
A direção da Eletrobrás informa que a empresa apurou, no terceiro trimestre deste ano, lucro líquido de R$ 453,8 milhões, equivalente a R$ 0,40 por ação. Em igualperíodo do ano passado, ela havia lucrado R$ 2,1 bilhões. Com este resultado, a holding consegue recuperar, em parte, as perdas apuradas no primeiro semestre do ano, com um prejuízo acumulado, nos primeiros nove meses, de R$ 1,5 bilhão. De janeiro a setembro de 2008, a companhia registrou lucro líquido de R$ 3,1 bilhões. O lucro do terceiro trimestre foi formado pelos ganhos decorrentes do reconhecimento dos resultados obtidos em empresas nas quais ela possui participação societária, que propiciaram ganhos de R$ 462 milhões. Em comparação com os primeiros nove meses de 2008, a receita operacional líquida cresceu 36%, em 2009.
As subsidiárias de geração e transmissão de energia também apresentaram ganho na soma dos nove primeiros meses de 2009, com resultado de R$ 747,5 milhões, contra R$ 285,7 milhões de lucro em igual período de 2008, o equivalente a um aumento de 161%. Já o resultado financeiro oriundo das atividades de financiamento contribuiu de maneira importante para o resultado, com R$ 739 milhões, em igual período do ano anterior, o resultado foi de R$ 606 milhões. As empresas distribuidoras – Boa Vista Energia, Ceal, Ceron, Cepisa, Eletroacre e Amazonas Energia – também ajudaram no resultado nos nove primeiros meses do ano, com uma redução de 19,9% nas perdas, saindo de um prejuízo de R$ 614 milhões, em 2008, para (-) R$ 492 milhões, de janeiro a setembro deste ano.
O efeito líquido do reconhecimento do ativo regulatório decorrente da comercialização da energia elétrica de Itaipu foi positivo em R$ 314,2 milhões, o que também impactou a formação do resultado no terceiro trimestre. A variação positiva deveu-se à média dos últimos 24 meses dos índices de preços norte-americanos (Consumers Good e Industrial Price), utilizados como base para determinação do ativo.
No que se refere aos efeitos cambiais, no entanto, a companhia reconheceu, neste trimestre, perda líquida de R$ 1,2 bilhão, principalmente em decorrência da desvalorização do dólar norte-americano. Em 2008, a empresa havia registrado lucro de R$ 2,5 bilhões com este ativo.
A soma dos Ebitdas (lucro antes de impostos, juros, amortizações e depreciações) das empresas controladas, nos nove primeiros meses de 2009, totalizou R$ 3,8 bilhões, 13% inferior ao valor apurado em igual período de 2008, quando foi verificado um montante de R$ 4,4 bilhões. No que diz respeito às empresas geradoras e transmissoras de energia, Furnas apresentou uma redução de 8%, passando de R$ 1,13 bilhão para R$ 1,04 bilhão. Já a Chesf decresceu em 35%, de R$ 2,2 bilhões para R$ 1,4 bilhão.
A Eletronorte apresentou um crescimento de 21%, passando de R$ 570 milhões em 2008 para R$ 690 milhões este ano. A Eletrosul apresentou, em 2009, um Ebitda de R$ 320 milhões, 37% superior ao valor de R$ 240 milhões registrado em 2008.
As empresas distribuidoras de energia apresentaram, em sua maioria, uma melhora na evolução do Ebitda, com destaque para Ceron e Eletroacre, que apresentaram crescimento de 1.576% e 111%, respectivamente, em seus resultados. A Ceron passou de R$ (-)1,7 milhão em 2008 para R$ 24,5 milhões este ano e a Eletroacre saltou de R$ 12,8 milhões no ano passado para R$ 27,1 milhões este ano. A Amazonas Energia apresentou uma redução de 385%, passando de R$ (-) 52,5 milhões em 2008 para R$ (-)254,6 milhões este ano; a Boa Vista apresentou um crescimento de 15%, passando de R$ (-)29,4 milhões no ano passado para R$ (-)25 milhões este ano; a Ceal registrou um acréscimo de 1%, passando de R$ 48,4 milhões em 2008 para R$ 49 milhões em 2009 e a Cepisa apurou um decréscimo de 2%, passando de R$ 19,5 milhões em 2008 para R$ 19,2 milhões este ano.

O apagão e a nota da Eletrobrás
O recente blecaute que deixou 18 estados brasileiros às escuras, provocando prejuízos consideráveis a todas as atividades do País, foi atribuído por José Antônio Muniz, presidente da Eletrobrás, ao desligamento simultâneo de cinco linhas de transmissão. Não se tratou, portanto, de problemas ocasionados por descargas atmosféricas, mas por um problema cujas causas ainda eram apuradas até fins deste mês. De todo modo, ele descartou informações segundo as quais teria ocorrido falta de investimentos programados, para este ano, no sistema.
Nota da empresa ressalta que, até setembro último, a Eletrobrás realizou 48% do orçamento previsto na área de geração e que o mesmo percentual fora destinado para a área de transmissão. Até o fim do ano a empresa "concretizará cerca de R$ 5

bilhões, correspondentes a 70% dos R$ 7,2 bilhões do orçamento".
A nota assinala que até o final do ano serão investidos R$ 3 bilhões em obras de geração, como as usinas de Santo Antônio e Jirau, Baguari, Batalha, Mauá, Candiota e outras. Em linhas de transmissão, serão investidos, no mesmo período, R$ 1,5 bilhão na ampliação do sistema na região Sul, nas melhorias nos estados de São Paulo e Minas Gerais e na implantação do sistema de transmissão associada à hidrelétrica de Tucuruí, no Pará.
A holding informa, também, que está instalando 13 linhas de transmissão arrematadas pelas empresas controladas nos leilões de 2008. A realização do orçamento será complementada com o investimento de cerca de R$ 500 milhões na distribuição e nos programas de universalização do acesso à energia elétrica.


Fonte: Estadão

Deixe um comentário