A obra, com 3.600 m de extensão e trecho estaiado de dois vãos, cada um com 200 m, avança sobre o Rio Negro. Vai garantir a expansão da economia amazônica para a margem direita e, futuramente, interligar aquela região ao resto do País. As obras se desenvolvem com o apoio de canteiro flutuante, incluindo lanchas para o transporte de pessoal e balsas que suportam guindastes de 300 t de capacidade de carga
Por Nildo Carlos Oliveira
A ponte tem diversas interfaces econômicas e técnicas, e surpreende pelo conjunto de soluções de engenharia adotadas em todas as fases, sobretudo, nas fundações. Tão logo seja entregue ao tráfego, no segundo semestre de 2010, ela beneficiará de imediato a capital amazonense, e projetará amplo progresso econômico para o outro lado do rio. Ali favorecerá diretamente o crescimento do município de Iranduba, onde será construído um distrito industrial, e as localidades de Manacapuru e Novo Airão, dentre outras.
Hoje, o acesso de Manaus àqueles municípios é feito por balsas, com todas as dificuldades que esse sistema acarreta para a população local. Futuramente, com a implantação de outra ponte de grande porte sobre o rio Solimões e a recuperação da BR-319 (Manaus-Porto Velho), a cidade de Manaus estará interligada, por rodovia, às demais regiões do país.
Os recursos e insumos mobilizados para a implantação da obra e sua coordenação de aplicação, tanto em terra, onde se situam os canteiros industriais e administrativos, quanto em água, onde operam hoje 45 balsas, lembram uma "operação de guerra", tal a logística envolvida para a garantia de continuidade de implantação e cumprimento da programação, atendendo aos padrões estabelecidos de segurança, qualidade, respeito ao meio ambiente e responsabilidade social.
As fundações, compostas de estacas escavadas de grande diâmetro (2,00 m à 2,50 m), são implantadas mediante a perfuração de um severo subleito do rio, composto de camadas erráticas de rocha que podem chegar à 2,50 m de espessura, em diversas profundidades.
As condições de implantação se agravaram em função da ocorrência, nesse ano de 2009, da maior cheia do Rio Negro da qual se tem registro, associada às adversidades climáticas da região, representadas por ventos de altas velocidades e tempestades com grande incidência de descargas atmosféricas.
A construção da ponte, contratada pela Secretaria da Região Metropolitana de Manaus (SRMM), é de responsabilidade do Consórcio Rio Negro, formado pelas construtoras Camargo Corrêa e Construbase, que tem usado toda a sua expertise e a experiência de seus profissionais para superar as vicissitudes impostas pelo Rio Negro no local da obra.
As soluções encontradas
para a implantação
O engenheiro Henrique Barroso Domingues, gerente de Obras da Camargo Corrêa, e o engenheiro Francisco Catão Ribeiro, da Enescil, empresa que elaborou o projeto executivo, são unânimes no entendimento de que essa ponte é uma das obras de maior dificuldade de implantação já realizadas no país.
Lembra o engenheiro Henrique Domingues, que "estamos entrando nos domínios do Rio Negro, e é preciso fazê-lo com sabedoria, com criatividade, desenvolvendo soluções de engenharia inovadoras, porém, não para domá-lo, mas como que pedindo permissão para cruzar as suas águas."
A ponte, com 3.600 m de extensão, permitirá a continuidade normal do fluxo de embarcações. Seus canais principais, de 200 m de largura, atendem a um gabarito mínimo de navegação de 55 m.
O mastro central, com 185 m de altura desde o bloco de fundação, ancora os estais que sustentarão a superestrutura dos dois vãos do trecho estaiado. Os demais vãos tem 45 m de comprimento e são compostos de apenas três vigas longarinas protendidas, cada qual com 2,85 m de altura e 135 ton de peso, numa tentativa de agilizar o cronograma da obra.
A superestrutura, ou tabuleiro da ponte, é executado mediante o lançamento de lajes pré-moldadas na forma de π, configuração necessária para que se pudesse vencer o grande vão entre as vigas longarinas, da ordem de 7 m, o que não seria possível com placas planas.
Nostrechos de acesso a ponte possui 20,60 m de largura, incluindo as barreiras de proteção e os passeios laterais. No trecho estaiado, a largura é um pouco maior, para permitir a fixação dos estais, passando para 22 m. A ponte contará com quatro faixas de rolamento, duas em cada sentido.
As fundações
A execução das fundações tem sido um dos grandes desafios na implantação da ponte. Diferentemente do que sugeria o projeto básico, o subleito do rio é composto não só por solo, mas apresenta espessas camadas de rocha que tem que ser atravessadas pelos equipamentos de perfuração.
"Desde as primeiras sondagens", lembra o engenheiro Henrique Domingues, "foram detectadas as dificuldades para se trabalhar com uma lâmina d’água que pode chegar a 57 m, com equipamentos embarcados em balsas, para a execução das estacas escavadas de grande diâmetro, que podem chegar a 90 m de comprimen o". A notável profundidade do rio e as características muito particulares do perfil geológico assumiram aspectos da maior complexidade. "A implantação das estacas acabou se tornando uma obra própria. Não havia como deixar de particularizar a execução de cada uma delas. "Em cada apoio, havia uma especificidade, em razão da solução diferenciada de engenharia que deveria ser adotada."
Para a execução das estacas foi preciso fabricar camisas metálicas, que vencem a lâmina d’água e são cravadas no leito do rio até determinada profundidade. A partir daí entram em ação as perfuratrizes, que realizam a escavação da estaca, removendo o material de dentro parte cravada da camisa metálica e perfurando o subleito abaixo de sua extremidade inferior até a cota de ponte definida em projeto, com o uso de lama bentonítica, utilizada para a estabilização das paredes do fuste, evitando desbarrancamentos. Segue-se a colocação da armadura, limpeza final da ponta da estaca e concretagem, utilizando-se um tubo tremonha que faz o lançamento do concreto. Na medida em que o concreto vai preenchendo a estaca, vai expulsando a lama bentonítica que é recolhida e reciclada para uso em outras estacas.
As estacas de 2,20 m de diâmetro requerem em sua execução cerca de 4 m³ de concreto por m de estaca. Já as de 2,50 m, exige 5 m³ por m de estaca. Isso significa que, para cada 1,50 m de estaca é necessário o lanç
;amento de todo o concreto que um caminhão-betoneira, que transporta até 8 m³. Uma única estaca pode chegar a receber o volume de concreto bombeado de até 50 caminhões-betoneira.
Os caminhões-betoneirasão transportados em balsas até o local da concretagem.
O tempo para o lançamento do concreto é rigorosamente controlado, pois, embora dosado com aditivos especiais, o seu endurecimento precoce poderia provocar sérios transtornos na execução das estacas, devendo-se garantir sua trabalhabilidade do início ao fim da concretagem.
As cheias extraordinárias deste ano obrigaram o Consórcio Rio Negro a adotar novas soluções de engenharia para manter o cronograma. Conforme relata o engenheiro Henrique Domingues, a metodologia inicial para a construção dos blocos de fundação, sobre as estacas, previa a execução de cimbramento metálicos soldado às camisas metálicas, sobre o qual são colocadas as fôrmas, feita a armação e realizada a concretagem. Com o nível de cheia desse ano, a água chegou bastante acima do fundo dos blocos, inviabilizando a continuidade de implantação através com uso dessa metodologia.
Foi criado então o bloco-casca, uma caixa de concreto armado pré-moldado, com furos em sua laje de fundo que se encaixam perfeitamente sobre as estacas, nas quais é apoiado. Após a vedação dos espaços compreendidos entre as estacas e os furos, a parte interior do bloco casca é esgotada, permitindo a execução do bloco de fundação, mesmo com o nível d’água do rio acima de seu fundo. Dessa forma, bloco-casca cumpre o papel, ao mesmo tempo, de cimbramento e de forme, e evitou solução de continuidade para o empreendimento.
As meso e super estruturas, o trecho estaiado e os canteiros
As meso e super-estruturas e o trecho estaiado, caminho crítico do projeto, livres da influência do nível d’água, seguem sendo implantadas, com as já esperadas dificuldades de logística as inerente a obras de grandes alturas.
A superestrutura do trecho estaiado será composta de aduelas de concreto pré-moldadas com peso da ordem de 200 t, que serão içadas de balsas, sendo progressivamente anexadas ao tabuleiro, compondo os dois vãos centrais, cada qual com 200 m de extensão. A previsão é de que sejam lançadas até 8 dessas aduelas por mês.
Na construção do mastro central estão sendo utilizadas fôrmas trepantes preparadas para camada de 4,0 m de altura. Os pilares do trecho corrente estão sendo executados com fôrmas deslizantes.
O canteiro principal em terra fica na margem esquerda, em Manaus, onde se situa o pátio de pré-moldados para a fabricação das vigas longarinas dessa margem e das pré-lajes π. Ali são fabricadas em torno de 380 pré-lajes/mês e cerca de 12 vigas longarinas/mês.
Esse canteiro abriga também toda a área administrativa da obra, oficina mecânica e as duas centrais de concreto, cada qual com capacidade de produção de 80 m³/hora.
No canteiro da margem direita foi implantado um outro pátio de pré-moldados para a fabricação das vigas longarinas dessa margem, que se encontra em operação, produzindo 10 vigas por mês.
Nesse canteiro são fabricadas também as camisas metálicas das estacas, através de uma unidade fabril móvel que teve que ser transferida para cima de uma balsa em função de nível de cheia do Rio Negro nesse ano.
Trabalham na obra hoje aproximadamente 3.300 pessoas, número que poderá elevar-se para mais trabalhadores no pico de implantação, abrangendo as atividades em terra e em água. Por imposição de cuidados ambientais, todas as balsas são providas de banheiros químicos, recolhidos ao final de cada turno de trabalho, não se permitindo quaisquer lançamento de dejetos nas águas do rio.
Os engenheiros da obra chamam a atenção para alguns quantitativos: a ponte possui 73 vãos; serão executadas 246 estacas escavadas de grande diâmetro e lançadas 213 vigas prémoldadas. Consumirá 138 mil m³ de concreto e 12.300 t de aço CA 50.
Expansão da economia regional
Para o governo amazonense, a obra é uma porta que se abre para o crescimento e integração regional. O mercado imobiliário e outros ramos de atividades produtivas possivelmente atravessarão o rio a fim de buscar em Iranduba e em outros municípios maiores espaços de expansão. E os trabalhadores daquela e de outras localidades não ficarão mais reféns dos horários das balsas ou das condições fluviais de navegação. As comunidades se movimentam com planos para crescer. E o governo prevê a construção de outra ponte, esta sobre o Rio Solimões, como segunda escala para que o Estado encontre na BR-319 o caminho que o interligará às regiões Sul e Sudeste. A obra está contribuindo para que as empresas ali envolvidas acumulem experiências que poderão ser aproveitadas em outras construções do gênero.
Catão Ribeiro diz que, excetuando aquelas pontes construídas na foz dos grandes rios, junto ao mar, a ponte sobre o rio Negro é a segunda maior do gênero, no mundo. A primeira, recentemente inaugurada, foi construída sobre o rio Orinoco, na Venezuela.
De olho no futuro
Cleuma Lima
A construção da ponte sobre o rio Negro representaa realização de um sonho antigo para os amazonenses e a expectativa da melhoria na economia das cidades que formam a Região Metropolitana de Manaus, em especial Iranduba.
A população que tem que utilizar diariamente as balsas para a travessia do rio Negro não vê a hora da ponte ser inaugurada. Para o comerciante Clodoaldo Lima de Oliveira, de 38 anos, quando ela estiver pronta, vai significar economia no bolso. Ele mora em Iranduba e três vezes por semana vai à Manaus para comprar mercadorias, principalmente eletroeletrônicos.
Para fazer a travessia de lancha, Clodoaldo gasta R$ 8,00, no percurso de ida e volta. Quando puder fazer esse trajeto de moto, além de ganhar tempo vai ecomonizar. "Com aquele dinheirinho vai dar para eu colocar 4 litros de gasolina na moto."
Com a obra tomando forma e com os trabalhos em pleno andamento, o comerciante diz, entusiasmado, que agora, a ponte deixou de ser um sonho para virar realidade e acrescenta: "Pensei que somente meus netos iriam se beneficiar com essa obra. Ainda bem que me enganei."
Fonte: Estadão