Variações sobre os temas da tragédia e da engenharia

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A tragédia na estação Pinheiros do metrô, em São Paulo, colocou a engenharia no foco das análises. E não há como dissociar uma coisa da outra, uma vez que entre elas estão os responsáveis pela colocação, em prática, das possibilidades que a engenharia oferece. Na origem, ela trabalha com probabilidades. E enseja a oportunidade para que, a partir do exame dos fenômenos inerentes às obras, os riscos sejam detectados e, consequentemente, evitados ou reduzidos. Os efeitos resultam das causas que foram ou deixaram de ser observadas. O histórico da engenharia brasileira mostra que ela obteve picos consideráveis de ascensão. Basta acompanhar o desenvolvimento de algumas obras e das empresas que as realizaram, atentas aos critérios no emprego das técnicas recomendadas segundo as circunstâncias de tempo, lugar, espaço, qualificação de mão-de-obra, especificações dos materiais e seleção correta dos equipamentos e instrumentos de execução. Contudo, não dá para ficar tecendo loas em cima de fatos acontecidos, a pretexto de minimizar um desmoronamento que provocou perdas humanas irreparáveis. O momento é de impacto. E pode servir de motivo para um esforço em favor de uma mexida na estrutura atual em que a engenharia sobrevive. Por isso, merecem exame as ponderações do engenheiro Alberto Sayão, presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS), que, em artigo recentemente publicado, denuncia a “desvalorização gradual da engenharia brasileira”. O resultado disso, afirma ele, “é a extinção de laboratórios técnicos, o desmembramento das empresas de projeto, a fragilização da consultoria, o desprezo pelas universidades e o desmonte das equipes técnicas dos órgãos governamentais”. Independentemente do resultado das investigações em curso, a cargo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), para levantamento das causas da tragédia, pode-se dizer que a engenharia brasileira vem acumulando alguns acidentes que a colocam em questão. A experiência nessa ou em qualquer outra área requer um processo de continuidade de projetos e obras, além do aprofundamento do estudo e da pesquisa, para o enriquecimento profissional. Lastimavelmente, o nosso tempo tem sido de ruptura e de distanciamento entre uma obra executada hoje e outra que, quando é projetada, pode ser executada amanhã, depois de amanhã ou nunca. Ou então deriva para uma operação qualquer, a exemplo da Operação Tapa-Buraco. Nesse cenário, muitos engenheiros, para sobreviver, migram para outras ocupações periféricas e deixam de exercer, como prioridade, as tarefas para as quais dedicaram os mais valiosos anos de sua vida. Por conta disso, a engenharia torna-se a atividade a que, por determinadas circunstâncias, o engenheiro deixa de conferir a importância maior. Longe de pensar que isso haja ocorrido no caso da tragédia do metrô. Mas o engenheiro, em nossos dias, vira economista, analista de mercado de ações, expert em gestão de negócios ou qualquer outra coisa, até suco. Um dia, no entanto, a conseqüência desse despropósito aparece: e uma obra vira abismo.
Fonte: Estadão


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