Marcos Túlio de Melo*
OBrasil conseguiu alinhar um bom momento econômico à captação de grandes eventos mundiais, gerando assim a oportunidade de dar um salto de qualidade no seu desenvolvimento com a viabilização de realizar melhorias significativas não só na infraestrutura, mas na transparência dos gastos públicos. Atraímos o olhar do Mundo para nossas ações, por isso não devemos agir de forma equivocada. |
Defender o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) como um instrumento que dará agilidade às aquisições de bens e serviços vinculados à Copa de 2014 e às Olimpíadas de 2016 é aceitar a premissa que a falta de planejamento do nosso país não vai impactar nos recursos que serão destinados à construção da infraestrutura necessária ao recebimento desses grandes eventos mundiais.
Como não nos cabe mais discutir a aprovação ou não do RDC, já que a mudança aconteceu distante da discussão técnica ou mesmo social, é hora de discutir e propor um novo marco regulatório para as compras públicas. Se nossos governantes buscam agilidade, deveriam já ter apresentado um novo modelo, embasado técnica e eticamente, quando o Brasil pleiteou ser sede desses eventos. Novamente não planejamos. Pelo menos, não planejamos da forma mais eficiente!
Defendemos o fortalecimento da cultura técnica, e ela está diretamente ligada ao fortalecimento do planejamento, de critérios mais rígidos, da transparência e do controle social.
Aprovado na Câmara e no Senado, o Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 17/2011, originário da Medida Provisória nº 527/2011, na visão de vários segmentos, a exemplo do empresarial, das consultorias, das entidades de classe e da sociedade civil, é visto não como avanço ou indicador de celeridade, mas como uma medida que evidencia o nosso atraso no cronograma das obras.
Numa análise técnica vemos que o RDC pode trazer prejuízos aos cofres públicos, abrindo brechas à corrupção e à má qualidade dos empreendimentos. Há uma grande confusão no texto da MP 527/2011. Conceitua-se no Art. 2º a contratação de obras e serviços a partir das definições técnicas da Lei 8.666/93. Contudo, de forma contrária aos conceitos iniciais, para a contratação integrada fala-se em valores que serão atribuídos a partir de um programa de necessidades e de uma visão global dos investimentos destinados a empreendimentos que ainda não têm projetos. Esse é um dos equívocos.
Então nos perguntamos: como é possível contratar pelo regime integrado, previsto no Artigo 8ª da MP 527/2011 se não sei quanto custará a obra? Como saberei esse custo se não tenho um projeto executivo? E como terei todos esses valores se contratarei tudo de uma única empresa e num mesmo processo licitatório, quando não estará claramente ou tecnicamente especificado o que o Governo vai contratar? Tecnicamente não há como ter orçamento real sem todos os projetos, com especificações e quantitativos de materiais.
Se partirmos da afirmação técnica de que não há a possibilidade de orçar o que não foi projetado, então como é possível admitir que se façam aditamentos de obras por alteração do projeto ou das especificações, como previsto no parágrafo 4º do Artigo 9º da MP 527? Quais serão os parâmetros técnicos de julgamento desse aditamento? Do ponto de vista técnico também é extremamente preocupante a inversão de fases, a realização de pregão para contratação de obras e serviços de engenharia.
Do ponto de vista dos objetivos do Governo, o RDC busca alcançar a celeridade. É um erro enxergar na Lei de Licitações o entrave do andamento dos empreendimentos e o atraso no cronograma brasileiro. Mas, o que deve ser atacado é a valorização no nosso país da cultura do planejamento, da elaboração de editais corretos e em tempo hábil, com a contratação de projetos e obras dentro do tempo tecnicamente necessário, e não uma mudança pontual para atender a demandas emergenciais, por atrasos de qualquer ordem.
Esse PL nº 17/2011 não só abre espaço para possíveis práticas de corrupção, como também não avança na necessidade real que o poder público tem de recompor suas equipes de planejamento e de controle técnico. Controle esse, aliás, comprometido, pois, como será possível fiscalizar uma contratação em cima de intenções e sem os critérios técnicos de julgamento e de acompanhamento?
É absurdo aceitar uma Lei que permita que o Governo Federal mantenha em sigilo os “orçamentos” feitos pelos órgãos da União, pelos estados e pelos municípios para as obras, ainda mais sob a alegação de que esse instrumento será usado para garantir segurança e evitar conluios entre empreiteiras.
Mesmo com a sanção da lei, devemos nos mobilizar, para que o Brasil não seja ainda mais penalizado. Nosso papel agora é acompanhar, cobrar e fiscalizar os investimentos públicos de forma ainda mais rigorosa. Se nos foi negada a transparência e o debate técnico, que possamos construir canais que viabilizem a correta aplicação dos recursos que são gerados por nós brasileiros.
*Marcos Túlio de Melo é presidente do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea)
Fonte: Estadão