A copa do mundo é nossa! e agora?

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Rio de Janeiro, 28 de junho de 2014 – Apesar da chuva incessante que teimou em cair por dois dias seguidos, tudo correu melhor que a expectativa na grande final da Copa do Mundo. A cobertura construída na reforma do Maracanã para o torneio, aliada à eficiente drenagem do gramado, garantiram conforto e segurança para o público e o desempenho dos atletas. Investimentos em infra-estrutura e tecnologia também asseguraram conforto a jogadores, profissionais da imprensa e, claro, para a torcida. Antes mesmo de entrar no estádio, já era possível se beneficiar da modernização do local e de seu entorno. O acesso foi tranqüilo, tanto para quem optou pelo transporte coletivo, quanto para quem preferiu ir de carro ou em ônibus fretados – o novo sistema de trânsito, racionalizado, evitou o tradicional caos nas imediações do estádio, e o superestacionamento recém-construído atendeu plenamente à demanda do dia. Da tribuna de honra, representantes dos governos federal, estaduais e municipais comemoravam o sucesso do evento. “Os investimentos feitos em todas as cidades, como no Rio, agora serão um legado para a população usufruir”, declarou o prefeito da Cidade Maravilhosa.

O cenário descrito acima ainda é pura ficção, longe de acontecer pelo tempo e também pela quantidade de ações a se realizar. Técnicos e autoridades públicas mais otimistas acreditam que a escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014 é uma das maiores chances que teremos de dar um salto para o futuro em nossos principais centros urbanos, do mesmo jeito que cidades como Barcelona, na Espanha, e Atenas, na Grécia, fizeram ao levar a sério a preparação para sediar eventos esportivos mundiais. Mas o fato é que, infelizmente, começamos mal a escrever essa história.

No dia 13 de abril de 2007, após visitar o Maracanã, no Rio de Janeiro, o Morumbi, em São Paulo, e o Beira-Rio, em Porto Alegre, o presidente da Fifa Joseph Blatter disse que o Brasil não tinha nenhum estádio em condições de sediar a Copa. Foram muitos os nacionalistas que, então, encheram o peito para defender o país, mas um estudo do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) acabou confirmando a avaliação de Blatter, e colocando nossos estádios em xeque: todos esses espaços esportivos foram reprovados, seja por motivos de segurança, manutenção das instalações ou deficiências de projeto. Segundo o estudo, 80% das principais arenas brasileiras carecem de reformas estruturais. E exemplos reais, por vezes com conseqüências trágicas, do péssimo estado de conservação dos estádios rondam os noticiários com certa regularidade. O mais recente aconteceu na Fonte Nova, em Salvador, onde sete torcedores morreram com a queda de parte da arquibancada.

“O estudo mostra que nossos estádios estão com o prazo de validade vencido. Isso é resultado de uma falta de cultura de manutenção dos brasileiros em geral”, afirma o presidente do Sinaenco, José Roberto Bernasconi.

Ao todo, 29 estádios de 17 capitais e na cidade de Santos (SP) foram vistoriados para a pesquisa. O título de pior instalação coube justamente para o da Fonte Nova, seguido pelo Mineirão (Belo Horizonte), Olímpico (Belém do Pará) e Couto Pereira (Curitiba). Os técnicos do Sinaenco analisaram dois tipos de problemas estruturais: desgaste da construção, que deixa vigas e armação expostas; e deficiências do projeto original, que comprometem a funcionalidade (pontos cegos na arquibancada, impedindo a visão total do campo, por exemplo) e podem até pôr em risco a segurança da torcida.
A divulgação do estudo repercutiu rapidamente. Ricardo Raso, diretor de infra-estrutura da administração de estádios de Minas Gerais, contestou o relatório, afirmando que o arquiteto do Sinaenco fez apenas uma vistoria superficial no Mineirão, que, segundo ele, teria recebido, em 2007, 11 visitas de fiscais de vários órgãos, como bombeiros e Polícia Militar.

“Fizemos, realmente, uma inspeção a olho nu, mas é preciso lembrar que foi um olhar técnico. Se o pessoal do Mineirão acha que um placar eletrônico obstruindo a visão de parte do campo não incomoda os mineiros, tudo bem, não precisam mudar nada”, ironizou. “E essa falta de cultura de manutenção não atinge apenas os estádios, verificamos o mesmo tipo de problema na manutenção de outras obras, como pontes, avenidas, etc.”, completou.

Realmente, as fotos registradas durante as visitas não deixam dúvidas: desplacamento de estruturas de concreto, fiações elétricas expostas, grades de separação de torcidas com barras pontiagudas na extremidade, canos de drenagem a céu aberto e que mais parecem instrumentos de tortura, com espinhos de metal em toda sua volta, vestiários e banheiros públicos em estado lastimável de conservação – “São verdadeiras pocilgas”, dispara Bernasconi, referindo-se à sujeira, vazamentos e disposição espacial dos banheiros.

Maracanã recebeu maquiagem para o pan

Nem estádios novos, como o Engenhão, e reformados, como o Maracanã, ambos no Rio de Janeiro, escaparam da reprovação do Sinaenco. Segundo Bernasconi, o Engenhão, construído para os Jogos Pan-americanos de 2007, passou nos testes internos de estrutura, mas nada foi feito para facilitar o acesso da população ao estádio. “O entorno continua como antes da construção, nada foi modificado na estrutura urbana, sem área de estacionamento adequada, por exemplo, e desobstrução das vias públicas. Por isso não passou nos testes”, avalia.

Para Eduardo de Castro Mello, vice-presidente do Sinaenco e coordenador técnico da pesquisa sobre os estádios, o Rio de Janeiro perdeu a chance, com o Pan, de realizar uma grande transformação urbana e deixar esse legado para a população. “Acho que só não houve um caos no trânsito, por exemplo, porque o público não correu em massa para assistir aos jogos”, diz. Para ele, é preciso ficar atento para que não se repitam os mesmos erros do Pan, com denúncias de superfaturamento de obras, atrasos no cronograma, pedidos de socorro ao caixa do Governo federal e por aí segue a lista.

Eduardo Mello também é consultor do projeto de reforma do Maracanã, e, do alto de seus conhecimentos sobre o tema, afirma que as obras feitas no estádio para o Pan não passaram de maquiagem. “O Maracanã recebeu, até agora, um banho de loja, e ainda estão previstas diversas obras”, afirma.

Um dos principais problemas do Maracanã são as rampas de acesso – duas atualmente, quando o ideal, segundo Mello, seriam oito. É preciso que haja amplos espaços de saída para escoar todo o contingente

de torcedores, que ao contrário da chegada, em “doses homeopáticas”, sai ao mesmo tempo ao final do jogo. Por determinação da Fifa, um torcedor deve levar até oito minutos para sair de um estádio com capacidade para 80 mil pessoas. No Maracanã, hoje, com sorte alguém chega à rua em 40 minutos.

As tais obras no estádio, mencionadas por Mello, e que ainda estão em vias de acontecer, incluem a instalação de uma nova cobertura, construção de um complexo de shoppings, modernização de cabines de imprensa – que passarão por todo o anel superior do estádio –, e ainda rebaixamento de um novo gramado, até a cessão de um terreno, que possibilitará a ampliação do estacionamento, se adequando às exigências da Fifa. O terreno em questão pertence ao Ministério da Agricultura, e abrigava o antigo Museu do Índio, desativado desde 1978.

O Maracanã oferece, hoje, 1.800 vagas, que serão ampliadas para quatro mil com as atuais obras, podendo chegar a dez mil, contabilizando-se o estacionamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vizinha do estádio, e a área do governo federal, se for realmente cedida. Com as reformas, o estádio ficará com 90 mil lugares. Para cumprir a exigência da Fifa, um estádio deve dispor, para sediar jogos sob a tutela da entidade, de um número de vagas correspondente a 10% de sua capacidade.

Disputa entre cidades

A Fifa quer a realização da Copa em dez cidades, o comitê organizador brasileiro fala que 12 seria o número ideal, mas a realidade é que há 18 cidades pretendentes a sediar jogos do campeonato mundial de 2014.

São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre são consideradas como praticamente escolhidas. Além de possuírem infra-estrutura mínima já comprovada, essas cinco cidades foram visitadas por uma comitiva da Fifa em agosto, o que pode representar um indício da escolha.

As outras cidades candidatas são Campo Grande, Cuiabá, Goiânia, Natal, Recife (em dobradinha com Olinda), Salvador, Maceió, Fortaleza, Florianópolis, Curitiba, Belém, Manaus e Rio Branco. De todas elas, a capital paranaense está entre as mais cotadas, isso porque o estádio idealizado pelos dirigentes do Atlético paranaense, o Arena da Baixada, recebeu o título de mais moderno do Brasil na época de sua inauguração, em junho de 1999. Em 2006, o clube curitibano fechou acordo para anexar uma área para ampliação do estádio, o que aumentará sua capacidade para 40 mil torcedores.

Quem também está levando muito a sério a candidatura a sede da Copa é a cidade de Natal. A capital do Rio Grande do Norte apresentou um projeto de construção de um estádio que prevê não só a infra-estrutura necessária, mas uma arquitetura diferenciada. A idéia de reformar o estádio Machadão foi abandonada por causa de sua estrutura comprometida.

Já batizado como Estrela dos Reis Magos, o novo estádio terá o formato de uma estrela de seis pontas, inspirado no forte de mesmo nome que é monumento histórico da cidade. O local escolhido para a construção possui uma área de 80 hectares e fica próximo ao aeroporto internacional. Terá capacidade para 65,1 mil pessoas, com dois níveis de arquibancada, com sobreposição parcial da superior sobre a inferior, além de bares, restaurantes, lojas e sanitários. Na parte externa, haverá estacionamento para 10 mil carros e 480 ônibus, além de dois mil lugares de estacionamento VIP.

O projeto de Natal não se restringe apenas ao novo estádio. A cidade pretende ampliar a infra-estrutura para receber torcedores e equipes com a construção da Via Metropolitana, do aeroporto de São Gonçalo do Amarante – previsto para ser entregue em junho de 2009 –, além da duplicação da BR 101, que liga Natal a Pernambuco e Alagoas.

No sul do País, Florianópolis (SC) mostra que também aposta alto na escolha como sede em 2014. Para isso, prevê a reforma do estádio Orlando Scarpelli, do Figueirense, que seria totalmente custeada pela iniciativa privada. A comissão de ampliação e modernização do estádio trabalha há quatro anos neste projeto, que prevê sua total remodelação, com a ampliação da capacidade de 20 mil para 41,7 mil espectadores, além da construção de um complexo de escritórios, shopping, cinemas e centro de convenções. A previsão inicial é de investimentos na ordem de R$ 950 milhões, sendo que R$ 800 milhões seriam verbas públicas usadas em melhorias na cidade e o restante – recursos do Figueirense – para as reformas do estádio.

O tamanho da conta

O custo total do projeto Copa 2014 não foi divulgado ainda. O que circula nos bastidores, no entanto, é que o montante a ser gasto poderia chegar a R$ 20 bilhões. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) calcula que só com estádios, entre construção e reformas, serão investidos cerca de R$ 2,2 bilhões.

O presidente do Sinaenco José Roberto Bernasconi estima que um estádio novo exija um investimento de cerca de R$ 400 milhões, levando-se em conta experiências internacionais. Como está previsto erguer quatro estádios novos – o Arena Zagallo, em Maceió; o Estrela dos Reis Magos, em Natal; Arena Recife-Olinda, na capital pernambucana; e o Arena Bahia, em Salvador –, isso significaria gastar R$ 1,6 bilhão com construção, sobrando, então, R$ 600 milhões para reformas (R$ 100 milhões para cada um dos estádios restantes, levando-se em consideração a utilização de dez estádios no total, como quer a Fifa). Apenas para comparar, na Copa da Alemanha a modernização de cada estádio custou entre R$ 150 e 900 milhões.

Uma coisa é certa: até dezembro de 2008, o Brasil precisará apresentar as cidades que servirão de sedes para o comitê executivo da Fifa, e isso dependerá do compromisso de que esses Estados cumpram os requisitos de oferecer estádios modernos e infra-estrutura adequada.

Ao contrário do que ocorreu com o Pan do Rio, dessa vez o Governo federal não pretende gastar um centavo com estádios. Pelo menos é isso que garante o ministro Orlando Silva Junior, do Esporte. “O governo pensa em não destinar dinheiro público para estádios. Essa questão deve partir da iniciativa privada. É uma oportunidade para as concessões, que podem atrair torcedores que não vão aos estádios por falta de segurança e conforto”, afirma o ministro. “Uma rede de estádios multiuso permitirá que o Brasil entre com mais força no ciclo de grandes eventos e espetáculos”, completa.< br />
Para Orlando Silva, o dinheiro público deverá ser investido para cumprir outras exigências do caderno de encargos elaborado pela Fifa. “Precisamos melhorar a segurança, o sistema de transportes, o acesso aos estádios e a rede hoteleira. Vamos investir em telecomunicações e na melhoria das rodovias, ferrovias, aeroportos e portos”, anuncia.

José Roberto Bernasconi faz coro com o ministro. Ele afirma que sem o esquema de concessões não há outra alternativa para construir estádios no Brasil. “Há capital disponível e interesse dos empresários em investir, como no caso das estradas que estão sendo assumidas agora pelos espanhóis”, garante.

Mas Bernasconi alerta: “2008 tem que ser o ano do planejamento, quando deverão ser colocadas todas as idéias no papel, principalmente orçamento e cronograma. Falta pouco tempo, mas tudo isso é viável se fecharmos em 2008 projetos consistentes”.

Para o vice-presidente da Associação Brasileira de Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib), Ralph Terra, os projetos apresentados pelas cidades precisam ter viabilidade econômica e financeira, precisam ter sustentação e participação significativa de recursos privados.

Toda essa preocupação não se dá à toa. Pelos critérios da Fifa, mesmo com o projeto já em andamento, se o Brasil não cumprir os prazos determinados, o comitê internacional pode decidir, até o dia 1º de julho de 2012, cassar o nosso direito de sediar a Copa. Em 9 de maio de 2008, a CBF vai se reunir com representantes dos 18 estados candidatos a sede para esclarecer as exigências da Fifa. E tudo deverá estar pronto para a Copa das Confederações em 2013, teste final para o Brasil.

Fonte: Estadão


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