Depois da decisão de assegurar uma ampla matriz energética, para que um dos bens mais ansiados pela Nação nunca possa faltar, o governo federal tenta executar os movimentos necessários para que os projetos saiam do papel. O fantasma do apagão, que todo início de ano ameaça pairar por conta do baixo nível dos reservatórios, mais uma vez foi afastado. Depois, houve a preocupação com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). É sabido que quanto mais um país cresce economicamente, mais precisa de energia. Mas, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em abril divulgou estudos informando que embora nos próximos dez anos se tenha, como referência, uma expansão sustentada anual média do PIB de 5% e um crescimento populacional de 20,5 milhões de pessoas, o consumo de eletricidade crescerá a uma taxa média de 5,5% ao ano.
Segundo as análises da EPE, o crescimento econômico atual não tem as mesmas características de crescimentos anteriores, o que acarreta menor pressão sobre o consumo de energia. Há diversos fatores que suportam esse entendimento, ligados principalmente ao crescimento sustentado da economia, a alterações no perfil de produção da indústria, ao aumento de produtividade e das importações. Em 2007, o consumo total de energia elétrica no Brasil (consumo na rede mais autoprodução) cresceu 5,8%, taxa ligeiramente superior ao crescimento da economia, de 5,4%. Para os técnicos do EPE, esse resultado traz implícitos importantes elementos de mudanças estruturais na economia, como o aumento da eficiência no uso da energia em geral, com destaque para a autoprodução, em função do maior aproveitamento da energia consumida nos processos industriais.
O Plano Decenal de Expansão de Energia apresentado pela instituição prevê que o consumo total de eletricidade no Brasil atingirá 70,64 terawatt-hora (TWh = 1 milhão MWh) em 2017, dos quais 604,2 TWh (85%) serão de demanda à rede e, o restante (15%), atendido por autoprodução. Em 2008, o consumo na rede deverá ser acima de 396 TWh, com crescimento de 5,1% sobre 2007. As projeções consideram a entrada em operação das interligações de Rondônia e de Rio Branco, em 2008, e de Manaus e do Amapá, em 2012, ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
Superpoderes?
Enquanto por um lado o governo procurava dissociar o crescimento da demanda do crescimento do PIB, por outro procurou transformar a Eletrobrás em uma estatal poderosa. A medida provisória – MP 396 -, de março, deu à empresa status de holding de suas oito subsidiárias e coligadas. Pela lei, pode “associar-se com ou sem aporte de recursos, para constituição de consórcios empresariais ou participação em sociedades com ou sem poder de controle, no Brasil e no exterior, que se destinem direta ou indiretamente à exploração da produção ou transmissão de energia elétrica sob regime de concessão ou autorização”.
Na prática, poderá deter a totalidade das ações – e não mais apenas 49,9% – do capital de geradoras e transmissoras de energia. A chiadeira foi geral e rápida, marcando uma preocupação com o advento da reestatização do setor. A iniciativa privada teme uma concorrência predatória nos leilões de energia, com a Eletrobrás ou suas subsidiárias ofertando tarifas muito baixas para forçar a queda dos preços. Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (Cbie), entende que “com taxas menores de retorno haverá concorrência desleal, afastando as empresas privados do setor”.
O ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, procurou tranqüilizar os ânimos, com a informação de que a MP criou condições para poder investir em projetos hidrelétricos na América do Sul, com a Argentina e Bolívia, sem esquecer de interesses no Uruguai e Venezuela. José Antonio Muniz Lopes, presidente da Eletrobrás, garantiu que a estatal sempre será minoritária quando houver interesse privado. Mas não no caso de empreendimentos fronteiriços, como é o caso da Usina de Garabi, na divisa com a Argentina, e a de Corpus, com Argentina e Paraguai.
No que vai dar?
Quando se pensava que as usinas do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau) sairiam definitivamente do papel, um imbróglio jurídico, que não se sabe aonde vai parar – dado o ineditismo do assunto – pode prejudicar o cronograma do conjunto das obras. O consórcio liderado pela Construtora Norberto Odebrecht e integrado por Furnas, Andrade Gutierrez, Cemig e bancos Santander e Banif, foi o vencedor do primeiro leilão, referente à usina Santo Antônio, que terá 3.150 MW, ofertando deságio de 35% – R$ 78,90 o MWh (preço-teto de R$ 122,00). No leilão da usina Jirau, o consórcio Energia Sustentável do Brasil (constituído pela multinacional Suez, Eletrosul, Chesf e construtora Camargo Corrêa) ofertou um lance de R$ 71,40 o MWh, com deságio de 21% em relação ao preço-teto de R$ 91,00.
Tudo caminharia bem se o consórcio vencedor de Jirau não anunciasse no dia seguinte que seu projeto vai deslocar a posição da usina e haverá maior área de alagamento. Diante disso, a Odebrecht solicitou, no final de junho, que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) suspenda o leilão de Jirau, uma vez que o deslocamento na usina e a área de alagamento são maiores do que as apresentadas pelo consórcio vencedor. Por outro lado, há a questão ambiental, pois as usinas foram licenciadas com base na posição e na área alagada, entre outros fatores. A Secretaria de Meio Ambiente de Rondônia embargou os trabalhos de sondagem no novo local escolhido pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil.
O governo vai se preparando para licitar a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA). O Estudo de Impacto Ambiental deve ser entregue em breve pela construtora Camargo Corrêa à Aneel e ao Ibama, para que seja iniciado o processo de licenciamento ambiental. “É o conjunto dessas usinas que vai dar segurança de abastecimento ao País”, opina Eduardo Spalding, vice-presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). Na sua visão, a matriz energética brasileira deve incluir fontes térmicas, desde que o custo não seja elevado, como tem ocorrido nos últimos leilões.
Ousadia
A Construtora Norberto Odebrecht vai tocando, em conjunto com a Andrade Gutierrez, a obra das usinas hidrelétricas de Anta e Simplício, que são interligadas e estão na divisa do Rio de Janeiro e Minas Gerais. O projeto de Furnas, considerado ousado pela construtora, prevê o represamento do rio Paraíba do Sul, no local, por meio de uma seqüência de canais, túneis e diques. Condutos forçados escavados na rocha conduzirão as águas para a movimentação das turbinas na casa de força de Simplício, com uma
queda de mais de 100 m de altura. As águas do rio estão sendo transpostas para uma sucessão de vales localizados atrás das colinas na margem esquerda do rio, nos municípios de Chiador e Além Paraíba (MG), e correrão em uma cota acima do rio, da cidade fluminense de Sapucaia, de duas rodovias e de uma ferrovia.
Considerada altamente desafiadora, a obra será constituída por sete túneis, todos com seção de 214,5 m². O mais extenso terá 6 km de extensão. Iniciada em 2007, terá duração de 38 meses.
Pequenas atraem estrangeiros
Estão sendo executadas as 63 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) que integram o Programa de Incentivo às Fontes Alteranativas (Proinfa), da Eletrobrás, que devem gerar aproximadamente 1.200 MW para o Sistema Interligado Nacional. Entre as usinas em execução estão as quatro do Consórcio Usinas da Prata, em Rondonópolis (MT). As obras estão a cargo da FA Paulista de Construção e o projeto é da Engecorps. Elas irão gerar 40,35 MW a partir de 2010.
Uma das empresas que tem foco na construção de PCHs é a Engevix, por meio de sua subsidiária Desenvix. Em 2007, foram inaugurados os dois primeiros empreendimentos de energia em que atua como investidora integralmente: as PCHs Esmeralda (RS), com 22 MW, e Santa Laura (SC), com 15 MW. Em maio deste ano entrou em operação a terceira PCH – Santa Rosa, no RJ, com 30 MW. As três fazem parte do Proinfa. Uma quarta usina em que tem participação integral é Monjolinho (RS), com 74 MW de potência, com operação prevista para 2009, cuja energia gerada foi vendida em leilão da Aneel. A carteira de investimentos da Desenvix é de 11 unidades, incluindo usinas em que tem participação minitorária, como Dona Francisca, controlada pela Gerdau.
Empresas estrangeiras também estão de olho nesse mercado, como a francesa Velcan, que investe a partir da estratégia de compra dos direitos de outorga concedidos pela Aneel a empreendedores que não executaram os projetos. A primeira usina é Rodeio Bonito (SC), com 15 MW, em obras. Três PCHs em Minas Gerais devem ser iniciadas no final de 2008 ou início do próximo ano. Jean Luc Rivoire, diretor-geral, afirma que a empresa pretende ter sete ou oito usinas no Brasil.
Por sua vez, a Energias de Portugal (EDP) quer instalar 24 PCHs com capacidade inferior a 30 MW e outras 12 de médio porte, conforme informações divulgadas por António Mexia, presidente-executivo. Já a Duke Energy Brasil, subsidiária da norte-americana de mesmo nome, constrói duas PCHs no rio Sapucaí-Mirim, próximo a Ribeirão Preto (SP). As usinas Palmeiras e Retiro terão juntas 32,5 MW e as obras estão sendo executadas pela Hochtief do Brasil, construtora que executa outras seis PCHs atualmente no Rio de Janeiro, Goiás e Mato Grosso.
As linhas mais difíceis
Sem transmissão, não adianta gerar mais energia. Segundo especialistas da área, 2008 é um ano que marca importantes leilões de linhas de transmissão, como o do final de junho, quando 12 lotes foram vendidos com deságios que chegaram a 20,18%. Eles também consideram que as áreas agora leiloadas são as mais difíceis de se trabalhar, pois incluem regiões ermas, agrestes, de florestas densas, sem vilarejos. Foram leiloados, entre eles, os três lotes da linha Turucurí (PA) – Manaus – Macapá, que integrará a Região Norte ao Sistema Interligado Nacional. “As áreas leiloadas representam o maior desafio de engenharia de transmissão do Brasil em muito tempo. O investimento é tremendo, e o risco, alto”, avalia Roberto Brandão, pesquisador do Grupo de Estudos do Setor de Energia Elétrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para Maurício Tomalsquim, presidente da EPE, o leilão simbolizou a entrada de uma região isolada no País do ponto de vista energético. “Se as linhas estivessem em operação, a economia em combustíveis seria de R$ 2 bilhões ao ano”. Também em 2008 serão leiloadas os 2,5 mil km das linhas de transmissão das usinas do Madeira, que são consideradas, de acordo com especialistas, as mais difíceis, desde Itaipu, devido às grandes distâncias dos centros consumidores.
Voltam as nucleares
Angra 3 sai do papel definitivamente, aposta o governo federal. A retomada das obras, que estão paralisadas há maisde duas décadas, deve se dar no semestre do ano, após o Ibama conceder a licença necessária. A construtora Andrade Gutierrez, que venceu a licitação na época, responderá pelos trabalhos, que devem ser concluídos em 2013, com investimentos de R$ 7,2 bilhões e ageração de 1.350 MW. Para o ministro Edison Lobão, apesar da energia nuclear ter o dobro do custo da energia gerada por hidreletricidade, torna-se viável e competitiva por exigir baixo nível de investimento em linhas de transmissão, uma vez que as usinas estão próximas aos centros de consumo. Segundo o ministro, o governo já se posicionou favoravelmente à construção de mais quatro novas usinas nucleares, duas no Nordeste e duas no Sul. “Estamos na fase final do processo de estudos para definir detalhes, como a localização das novas usinas”, afirmou.
Angra 1 recebeu em março deste ano dois novos geradores construídos no Brasil e que permitirão aumentar a capacidade instalada de 600 MW para 700 MW a partir de 2009, quando entrarem em funcionamento. Os equipamentos foram construídos pela Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), em Itaguaí (RJ), subcontratada pela Areva, fabricante francesa responsável pela engenharia, compra de materiais e assistência técnica na fabricação. A Vale já divulgou interesse tanto na exploração de urânio quanto na construção de usinas nucleares para suas próprias demandas.
Carvão ganha mercado
Devido a dificuldades técnicas, no início do ano as térmicas a óleo em operação no Nordeste produziram menos do que era esperado, justamente quando o nível dos reservatórios era mais baixo. Na ocasião, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (NOS) confirmou que 11 usinas no Piauí e Ceará geraram menos do que o esperado, “em razão da menor disponibilidade de combustível”.
No meio do ano, foi a vez de a Petrobras informar que preferia adotar óleo diesel nas usinas, liberando o uso do gás às indústrias e residências. Preparando-se para uma provável falta de gás, concluiu os testes de conversão de três usinas termelétricas para biocombustível. A primeira é a térmica Sepé Tiaraju (RS), as outras Barbosa Lima Sobrinho (RJ) e Termoceará (CE).
Enquanto isso, as térmicas a carvão começam a ganhar corpo, exigindo investimentos das mineradoras para abastecê-las. É o caso das obras da fase C da Termelétrica Presidente Médici (Candiota 3), que irá gerar 350 MW de energia, que já est&aac
ute; leiloada. Para atender, a Companhia Riograndense de Mineração (CRM) está duplicando a produção da mina de Candiota (RS). A fase C está incluída no PAC e, de acordo com a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE) significará a duplicação do atual consumo do combustível no estado gaúcho.
Entre os benefícios apontados para a Fase C de Candiota estão o baixo custo de geração em relação ao de novas termelétricas; parte dos equipamentos principais já está fabricados e no canteiro de obras; e é dotada de equipamentos de controle de emissões atmosféricas. A empresa contratada como “epecista” é a chinesa Citic International Contracting, responsável pelo projeto, suprimento e construção integral, pelo valor de mais de US$ 377 milhões. Para a execução das obras, foi contratado o Consórcio Sul Energia, formado pelas construtoras gaúchas Ernesto Woebcke, Tedesco e Brasília Guaíba e a carioca Delta.
Bons ventos
A escolha da matriz energética não é só saber quanta energia se irá produzir e quanta energia será colocada no mercado. É preciso definir onde é melhor produzir o quê, para que uso. É uma operação mais sofisticada”. A afirmação é do analista Paulo Ludmer, atual diretor-executivo da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Apesar de considerar difícil evitar a energia nuclear, e destacar a importância da fusão nuclear, que “não dá para ser excluída, é como Internet, e-mail”, revela que ainda não se encontrou saída para os resíduos. “O que é pior: o derretimento da calota polar ou o lixo nuclear”, indaga.
Para ele, os ventos estão assobiando para o Brasil, depois que a cidade de Fortaleza sediou recentemente o encontro “Diálogo sobre Energia Eólica”, promovido pelo Banco do Nordeste do Brasil. Na ocasião, foi demonstrado que a energia eólica pode tornar o Nordeste um exportado de energia, com potencial de geração de 75 GW. Um total de 14 projetos estão em desenvolvimento, entre eles Taíba, Mucuripe e Prainha, somando 500 MW até 2009. E outros estão em estudo, como no Amapá, pela Eletronorte, e no norte de Minas Gerais, pela Cemig. A Aneel tem 50 projetos em apreciação.
Ludmer enfatiza o avanço: há 10 anos, as torres tinham 30 m; hoje, têm 120. Os aerogeradores tinham 0,5 MW de potência; hoje, são quase 5 MW.
Lembra que diferente da térmica, a energia eólica no Brasil gera o ano todo. “Ao pagar pelos seus ativos, está-se pagando por uma produção de fato e não por um stand by”.
Ele faz a comparação com as térmicas, que custam R$ 140,00/MWh para ficarem paradas e serem acionadas apenas 15% do ano. Ao serem ligadas, o preço vai para R$ 600,00/MWh. “Espalhado seu custo por ano, conforme o tempo de ultrapassagem desses 15%, o preço não sai por menos de R$ 400,00”, explica. Em sua análise, enfatiza que a eólica é mais competitiva e limpa, funcionando no Brasil o ano todo, com flutuação de intensidade inferior a 5% e presença constante e unidirecionada. “Sua média em eficácia é o dobro da média mundial. O fator de capacidade medido em parques do Nordeste atinge até 55%”.
Fonte: Estadão